"Um heterossexual a vigiar um internato de raparigas também não é adequado", diz professor de Direito
"Um homossexual não será a pessoa indicada para vigilante noturno num internato de jovens rapazes; uma recém-casada não pode ser contratada como modelo." As frases constam do livro Direito do Trabalho I, a última obra de António Menezes Cordeiro, professor catedrático da Universidade de Lisboa, lançada este mês, e que está a ser alvo de críticas, depois de um blogue as ter publicado. Ao DN, o jurista diz que "as frases foram retiradas do contexto" e que "em todo o livro" defende "que ninguém deve ser discriminado em função da sua inclinação sexual".
"Pretende ser um livro doutrinalmente avançado no sentido de dar um passo em frente no caminho da igualdade e da defesa das pessoas que ao longo da história têm sido mais discriminadas, e essas passagens fora do contexto podem prestar-se a equívocos nos quais não me revejo", esclarece Menezes Cordeiro.
A polémica surgiu após o blogue Coisas do Género, que se define como uma "plataforma de reflexão e intervenção sobre género e sexualidade", ter partilhado um excerto (página 566) da obra "Direito do Trabalho I", o qual reproduzimos:
"A vida íntima de uma pessoa pode, em qualquer momento, ser conhecida; e sendo-o, pode prejudicar a imagem de uma empresa. Assim, como exemplos: para quem pretenda lidar com valores, melhor será que não tenha cadastro e que não esteja insolvente; um homossexual não será a pessoa indicada para vigilante noturno num internato de jovens rapazes; uma recém-casada não pode ser contratada como modelo; um alcoólico fica mal num bar, o mesmo sucedendo com um tuberculoso numa pastelaria ou com um esquizofrénico num infantário. Não vale a pena fazer apelos ao politicamente correto, nem crucificar os estudiosos que se limitem a relatar o dia-a-dia das sociedades: o Direito vive com factos e não com ideologias."
Foram as duas frases a negrito que causaram indignação, com o blogue a escrever que questionar se "um professor de Direito - talvez um dos mais influentes, senão o mais influente dos professores de Direito - que continua no tempo do Antigo Regime: "Poderá ele ensinar juízes do Tribunal da Relação do Porto ou de outro qualquer?" e a sublinhar que "o Direito ainda vive de ideologias de pessoas como esta, que optam por desconsiderar os artigos do Código do Trabalho relativos à não-discriminação e nem percebem o que são categorias sociais".
Menezes Cordeiro refuta a acusação, e recorda que o livro "em questão tem mais de 1000 páginas" e que "toda a tónica [de Direito do Trabalho I] aposta na defesa da igualdade dos trabalhadores e na execução da não-discriminação particularmente contra as mulheres e contra os trabalhadores que tenham necessidades especiais".
Sobre o que escreve: "A vida íntima de uma pessoa pode, em qualquer momento, ser conhecida", afirma que defende "precisamente o contrário", ou seja, que "as regras presentes no Código do Trabalho, no Código Civil e na Constituição estão assentes na defesa da vida íntima". Considera, no entanto, que "se, por qualquer razão, [a vida íntima] se tornar pública aí poderá haver problemas para as empresas".
"Em todo o livro defendo que ninguém deve ser discriminado em função da sua inclinação sexual, está na Constituição e já antes o defendia. Acho que os homossexuais são pessoas como quaisquer outras.Tenho bons amigos homossexuais, dos quais gosto muito, não tenho nenhum problema com a sua inclinação sexual", garante o professor catedrático.
Mas, ainda assim, consideraria correto que um homossexual não fosse contratado para o cargo de vigilante noturno num internato de rapazes? Menezes Cordeiro afirma que sim, "para defesa dele e da empresa e para defesa dos miúdos. Se ele não fosse contratado, não era discriminação". Justifica: "Não estou a dizer que não possa ser contratado, existe uma razão objetiva para não o ser" e dá o exemplo dos vigilantes nos aeroportos: "As senhoras revistam as senhoras e os cavalheiros revistam os cavalheiros." No entender do jurista trata-se somente de "adequar o perfil à função".
"Colocar um heterossexual a vigiar um internato de raparigas também não é adequado, não é discriminatório, não é proibido, mas não é adequado", refere. Diz também: "Se uma mãe de família tiver um filho numa instituição certamente que iria preferir que não fosse um homem homossexual a lidar com ele", explica Menezes Cordeiro.
Confrontado com a possível acusação de que está a confundir homossexualidade com pedofilia, o jurista recorda que "neste momento é politicamente correto classificar os pedófilos, mas noutras épocas não foi".
Quanto à outra frase polémica, a de que"uma recém-casada não pode ser contratada como modelo", o catedrático da Universidade de Direito de Lisboa admite que "houve um lapso" e que se queria referir a "mulheres que tencionem engravidar". Também aqui defende que "a preocupação base é sempre adequar a pessoa adequada à função, o que não é discriminatório: uma senhora que não tenha apresentação dificilmente vai ser contratada como locutora de televisão", exemplifica.
António Menezes Cordeiro tem 65 anos, é licenciado em Direito e doutor em Ciências Jurídicas. É professor catedrático e decano do grupo de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e autor de cerca de quatro centenas de publicações.