Ronnie O"Sullivan vai tentar conquistar o seu oitavo título no Campeonato Britânico de snooker, que se realiza entre 23 de novembro e 6 de dezembro em Milton Keynes. Mas antes, já este domingo, o The Rocket recorda no documentário "The Joy of Six", transmitido na Eurosport 1 a partir das 18.15, os seis campeonatos do mundo que já tem no currículo e que o deixam a apenas um do recorde de Stephen Hendry..Como é que se preparou para este Campeonato Britânico?.Da mesma forma que preparei nos últimos cinco ou seis anos. Eu participo porque é uma espécie de passatempo, é divertido, eu gosto do treino, gosto da estrutura que isso me dá. Funciona para mim. Os resultados são menos importantes. Se conseguir um, é um bónus. Mas realmente, neste momento, muitas das minhas ambições e objetivos na vida estão fora do snooker. Estou apenas num excelente lugar com tudo agora. Se não acertasse noutra bola, não me incomodaria, mas enquanto estiver a jogar, funciona para mim e isso é ótimo..Qual é a melhor memória que em deste torneio?.Provavelmente quando ganhei o primeiro, que foi quanto tinha 17 anos, acho. Foi o meu primeiro grande torneio e consegui uma grande vitória contra o Stephen Hendry, por isso foi excelente. E depois o último que ganhei, o sétimo, foi extra especial..Em outubro desistiu de participar na Championship League porque não queria estar em isolamento. Que impacto é que a pandemia de covid-19 teve no seu jogo?.A pandemia não teve qualquer efeito em mim, de todo. Quando muito, criou mais oportunidades para poder fazer outras coisas, libertou o meu tempo. Desde que faça três refeições por dia, faça a minha corrida diária na floresta, então tudo o resto é um bónus. Permitiu-me focar um pouco mais nos meus outros interesses de negócios, fora do snooker. Não me afetou de forma alguma..Criticou a decisão de permitir público na final do Campeonato do Mundo, mas como é competir sem público?.No início estava tudo bem, não era ótimo, mas à medida que o tempo passa vamos precisar de um público. Vamos precisar de jogar para alguém em algum ponto ou então acabamos só a cumprir o nosso papel. Não senti borboletas no estômago em nenhum evento que não tenha tido público. Precisas disso e só o consegues se tens un nível de expectativa da multidão..Como é que foi voltar a olhar para os títulos de campeão do mundo para o documentário da Eurosport?.Para ser honesto, ainda não o vi. Não sou muito bom a olhar para trás para mim próprio, porque posso ser muito crítico, por isso tento evitar essas situações. Mas diverti-me imenso com o Colin [Murray] porque ele é um verdadeiro profissional e conseguiu tirar muitas coisas de mim, provavelmente mais do que a maioria dos jornalistas e tem que receber crédito por isso, não é fácil abrir-me. Ele fez um bom trabalho e foi ótimo trabalhar com o Rob, que é fantástico a criar programas e com toda a equipa da Eurosport. Tenho uma excelente relação com a Eurosport e espero que continue durante muito tempo. Foi ótimo voltar a lembrar esses seis títulos mundiais e ser parte de uma grande equipa..Seis campeonatos do mundo (2001, 2004, 2008, 2012, 2013 e 2020), qual foi o mais especial?.O melhor para mim foi o de 2012, sem sombra de dúvidas. Ganhei à vontade. Acho que ninguém ficou a menos de sete ou oito frames de mim. Acho que ganhei a semi-final 17-9 e a final 18-8. Acho que o Neil Robertson conseguiu dez frames nos quartos-de-final. Bati o [Mark] Williams 13-5, bati o [Peter] Ebdon, 10-1 ou 10-2. Acho que surpreendi toda a gente e fiz o mesmo novamente em 2013. Por isso, 2012 seria o meu momento favorito. O de 2013 logo em segundo..Quem foi o rival mais difícil nesta aventura?.Acho que o John Higgins terá sido o meu maior rival. Eramos da mesma idade e tinhamos vindo dos júniores, subido nos amadores, nos profissionais. Acho que nos empurrámos um ao outro para nos tornarmos melhores jogadores. Talvez o John não fosse o jogador que é hoje sem mim e eu não seria o mesmo jogador sem o John por aqui. Acho que também é preciso falar do Mark Williams, porque ele também era muito, muito bom. Mas o Higgins foi o tipo que me deixou mais noites sem dormir..Stephen Hendry, que foi campeão do mundo sete vezes, anunciou que ia regressar depois de o Ronnie O"Sullivan ter ganho o seu sexto campeonato e ter batido o recorde de 36 títulos dele. Ainda não sabemos que torneios vai jogar, mas está desejoso de um frente a frente com ele?.Acho que será ótimo que todo o mundo do snooker possa ver o Stephen a jogar. Ele é uma lenda no nosso desporto. Um pouco como Jack Nicklaus, Muhammad Ali, um dos maiores. Tê-lo de volta ao desporto seria fantástico. Porque é que ele vai voltar? Não sei, depois de oito anos fora do desporto. A razão pela qual provavelmente te reformaste foi porque já não estavas a gostar de jogar - não é uma decisão que tomas assim de repente. É um pouco estranho vê-lo regressar porque há tantas outras coisas boas que podias estar a fazer. Talvez o Stephen só queira jogar um ou dois torneios e dizer "acabei". Não consigo imaginá-lo a jogar sequer metade do calendário, ficaria muito, muito surpreendido se ele voltasse totalmente..Acha que após oito anos fora do jogo ele ainda tem o que é preciso para ganhar?.Se o Stephen quer ganhar torneios, penso que precisa de um ano só para encontrar o seu ritmo. Eu jogo um pouco pela diversão, mas o tour principal é difícil, é competitivo. Os jogadores que vão jogar contra ele vão querer sair-se bem. Não queres ver as lendas do desporto perder para jogadores que, se ele estivesse no seu melhor, poderia provavelmente dar-lhes um grande avanço. Não queres uma situação como a de Muhammad Ali quanto lutou contra o Larry Holmes, foi uma luta a mais. Espero que não acabe assim para o Stephen. Como qualquer desportista, podes viver em negação. Há muitos desportistas que acreditam que podem fazê-lo, mas os factos confirmam, e se não estás a ganhar e a fazer o que tens que fazer, então é porque já não és o jogador que eras quando estavas no teu melhor. O John Higgins, o Mark Williams, eu próprio - somos iguais. Não estamos de modo algum perto dos jogadores que eramos quando tínhamos 30 anos. Mas nós eramos dessa era dourada - como o Federer, o Djokovic e o Nadal - que foi a do mais alto nível de snooker da história. De muitas formas, tivemos que perder muito para cair para trás da atual geração. Perdemos um pouco, mas ainda não o suficiente. Digo sempre, como é que um Ding Junhui de 44 anos se saíria contra um John Higgins de 30 anos - teria sorte se ganhasse uma partida. Para que um Higgins de 44 anos ainda esteja por aí a lutar contra o Junhui, o Mark Selby ou o Judd Trump, só mostra o bom que o John era enquanto jogador e ainda é. Nós, que já estamos com mais de 40 anos, definitivamente não temos o mesmo jogo que tínhamos há dez anos..O que é que gostaria de ter do Ronnie mais jovem?.Queria ter a sua compostura, a audácia, aquela confiança que a juventude tem. Agora, tive que me reinventar porque já não consigo meter as bolas tão bem. Ainda consigo algumas, ainda consigo ser criativo, consigo fazer o trabalho quando é preciso. Sempre pensei nas minhas hipóteses e tenho uma tonelada de experiência, não que isso conte para muito. Acho que é a coisa menos importante. Que experiência tinha o Tiger Woods quando ganhou em Augusta? Quase nenhuma. Ele bateu a bola mais longe e não se deixava intimidar pelos adversários. Gostava de ter essa audácia da juventude..Qual foi a jogada mais memorável que fez?.A bola vermelha com a mão esquerda para o buraco da verde quando fiz o 147 contra o Ding Junhui em 2014 -- para mim, foi provavelmente a melhor tacada que alguma vez joguei..YouTubeyoutubeT0cbPlidlYw?t=360.E a de que se arrepende?.Acho que o meu maior arrependimento foi copiar um jogador de snooker de há anos que era muito bom jogador, mas eu não acertei. Não vou dizer o nome dele, mas é provavelmente um dos maiores arrependimentos que tenho no snooker. Passei de ser um Ferrari a ser um Escort na cue action [a postura e timing na aproximação à jogada]..Já disse que a sua paixão pelo snooker tem os seus limites e que por vezes deixa de gostar de jogar por causa da pressão, porque tem que estar obcecado para jogar ao nível que joga. Vai fazer 45 anos em dezembro, isso significa que está a pensar na reforma?.Não, você apaixona-se e desapaixona-se por aquilo que faz muitas vezes, mas por vezes consegue ligar o interruptor e encontrar aquela motivação outra vez. Há tantas coisas diferentes que estou a fazer neste momento e que são mais prioritárias do que o snooker. Se tivesse que escolher amanhã - e é uma questão muito hipotética - "Ronnie, queres continuar a jogar snooker ou queres continuar com os outros interesses que tens e não podes fazer as duas coisas?" - então eu deixava cair o snooker de imediato. Não hesitaria. O snooker na minha lista de prioridades está muito, muito em baixo - e se algo tivesse que ceder, então o snooker seria a primeira coisa porque estou muito certo do que estou a fazer. Por vezes enquanto desportista, isso é tudo o que tu tens - o teu desporto - mas nos últimos cinco ou seis anos olhei para fora do snooker e pensei no que podia fazer. Demorou algum tempo, mas cheguei lá. Estou mais excitado com esses projetos do que com o snooker por estes dias..Fora do snooker, é autor de livros policiais e de um livro de culinária que também tem receitas para a mente, tendo falado muitas vezes do impacto que o jogo teve na sua saúde mental. E pintou as unhas de rosa para chamar a atenção para o cancro da mama, durante o Open de Inglaterra. É importante usar a fama para ajudar estas causas?.O verniz rosa foi uma ideia de uma amiga que trabalha em relações públicas e está envolvida em diferentes associações de caridade. Não é que esteja por aí a tentar ser o "Ronnie bonzinho" - um benfeitor. Não sou nada assim. Mas não sou o tipo de pessoa de dizer não a uma oportunidade para ajudar uma boa causa, se puder. Talvez se tivesse pintado as unhas, perdido por 4-0 sem meter uma bola tivesse ficado embaraçado há 15 anos. Mas estou num ponto da minha vida onde não me preocupo tanto. Acho que enquanto desportistas temos uma plataforma e penso que é importante usar essa plataforma. Como disse antes, nos últimos cinco ou seis anos senti que me iria desenvolver mais enquanto pessoa fora do snooker. Dentro do snooker, pensei onde é que posso ir com isto e foi aí que perdi a paixão. Foi então que pensei que poderia ser muito mais eficaz fora do snooker. Não tinha qualquer interesse nos resultados, para ser honesto - os mesmos jogadores continuam a ganhar e os mesmos jogadores continuam a perder. É como a continuação de uma novela..Imagina-se a criar uma fundação?.Sim, gostaria de ter uma fundação. Roma não se construiu num dia e, por agora, estou a focar-me noutras oportunidades de negócio em que estou envolvido e que estão a correr muito, muito bem. Tenho uma que é muito importante para mim, mas esse é um projeto a longo prazo. Vou poder chegar a muitas mais pessoas - e essa é a minha missão - para realmente chamar a atenção para os problemas da saúde mental. Sofri muito com isso e acho que toda a gente passa por momentos na vida em que enfrenta tempos maus. É algo que me apaixona e gostaria de poder retribuir. É um projeto de longo prazo, mas é algo com o qual estou muito animado..O que é que ainda lhe falta alcançar no snooker? Que ambições ainda tem?.Não há nada que me falte alcançar no snooker. Enquanto jogar snooker vou focar-me nos torneios na China. Obviamente que este ano tem sido impossível. Mas se jogar mais quatro ou cinco anos, iria jogar mais na China. Já tenho lá uma empresa de gestão que está à procura de diferentes oportunidades para explorar na China. Acho que há mais crescimento e oportunidades lá do que no Reino Unido. Quero jogar menos no Reino Unido quando as coisas voltarem ao normal e acabar a minha carreira a jogar principalmente na China e a aproveitar as oportunidades que isso traz..Porque é que acha que continua a ser uma figura tão popular para os fãs em todo o mundo?.Acho que muito vem da forma como jogas, essa é a primeira coisa que captura a imaginação de alguém. Se vir um outro jogador de outro desporto pela primeira vez e pensar "ele é um pouco peculiar, é um pouco diferente". Não sabe muito sobre a outra pessoa, mas é atraída pelo que ele faz como o faz. Obviamente as pessoas vão ficar com uma imagem sobre se gostam dele ou se o odeiam. Aqueles que te adoram tornam-se fãs muito leais. Muitos dos fãs que tenho apoiam-me independentemente do que faça. É a mesma coisa para desportistas como John McEnroe, Eric Cantona, Tiger Woods -- eles dividem as opiniões, mas no final do dia, quando acertam, o mundo para e diz "uau"..Esta entrevista foi feita por escrito.