O Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) deve concluir esta quinta-feira, ao princípio da noite em Portugal, a votação que decide se os réus começam a cumprir pena após condenação em segunda instância ou apenas após o trânsito em julgado. Entre os 4895 presos que podem sair da cadeia, caso a maioria dos onze juízes escolha o segundo caminho, está Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de 2003 a 2010 e o político mais amado, mas também mais odiado, do Brasil, razão pela qual todo país está de olhos na sede do STF em Brasília..Neste momento, o resultado é desfavorável às intenções de Lula - quatro juízes votaram pela manutenção do entendimento de que um condenado em segunda instância deve continuar preso, a situação penal atual do político, e apenas três se decidiram por passar a prender só após esgotados todos os recursos. Um destes três, porém, foi a juíza Rosa Weber, cujo voto era considerado decisivo por ser o de mais difícil previsão. Assim, a julgar pelos precedentes dos juízes que vão votar hoje, o mais provável é que o resultado chegue a 5-5. Cabendo, então, ao atual presidente da corte, Dias Toffoli, o chamado voto de Minerva. E Toffoli, muito provavelmente, optará pela condenação apenas após trânsito em julgado..Nesse caso, pode-se dizer que, se tudo correr dentro do previsto, esta quinta-feira é o dia em que o STF deve soltar Lula, preso por corrupção e lavagem de dinheiro desde abril de 2018 no caso conhecido como "tríplex do Guarujá", no âmbito da Operação Lava-Jato..O antigo sindicalista foi condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, a mais de nove anos de cadeia, e em segunda, por um coletivo de juízes de Porto Alegre, que aumentou a pena para cerca de 11 anos. A terceira instância, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), reduziu-a, no entanto, para os atuais oito anos e dez meses.."Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular", sublinhou Dias Toffoli, na abertura da primeira das quatro sessões já realizadas de análise do caso, há duas semanas. No entanto, ninguém dissocia este julgamento do nome de Lula, ainda a principal figura da esquerda brasileira e o líder de todas as sondagens em todos os cenários durante a campanha eleitoral presidencial de 2018 que acabou por eleger Jair Bolsonaro, dada a impossibilidade de o chefe histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) concorrer..Pressões.As pressões, de um lado e de outro, sobre Toffoli são tremendas. Após sair de um evento em São Paulo na semana passada, enfrentou um protesto de pessoas vestidas de verde e amarelo, que chegaram a bater no carro em que circulava, favoráveis à prisão após condenação em segunda instância. Um ex-comandante do Exército, o apoiante de Bolsonaro general Villas Boas, chegou a falar em risco de "convulsão social", caso Lula seja solto..Em sentido contrário, a ala mais antiga da corte, que deve votar em massa pela condenação apenas após esgotados todos os recursos, também pressiona Toffoli a dar uma demonstração clara da independência do STF face ao governo, sobretudo depois de nos últimos dias o presidente da República ter publicado um vídeo em que os juízes eram representados por hienas. Mais: desde a divulgação em junho de conversas promíscuas de Moro com os promotores do Ministério Público da task force da Lava-Jato a propósito do caso de Lula e não só, o hoje ministro de Bolsonaro perdeu credibilidade entre membros do STF..Lula, que vem dando entrevistas, mandou também o seu recado, atingindo por tabela a TV Globo, a mesma emissora que, curiosamente, Bolsonaro atacou com violência nos últimos dias. "Se a Globo tivesse noticiado o meu processo com um décimo da isenção, profissionalismo e busca da verdade que ela acha que tem, eu não teria sido condenado por mentiras e a história do Brasil seria outra", disse o antigo presidente..E Toffoli, que foi advogado do PT antes de chegar ao STF, tem dado sinais claros de que o seu voto vai, de facto, no sentido da libertação de Lula. Por isso, nos últimos dias, tenta diminuir o impacto hostil que a sua decisão inevitavelmente criará através da apresentação de projetos como aquele que prevê que os prazos para a prescrição de um processo sejam congelados sempre que a defesa apresente um recurso..Entretanto, especula-se que, dada a pressão, Toffoli opte por uma proposta intermédia: nem prisão após segunda instância nem prisão após trânsito em julgado, que corresponde à quarta instância, mas sim em terceira instância, em que Lula já foi condenado. Como a terceira instância, o STJ, reduziu a pena, o político já poderia, entretanto, ter direito a prisão domiciliária neste momento, um benefício que, contudo, ele recusa por querer sair da cadeia apenas na qualidade de inocentado..Cenários.Uma vez vitoriosa a tese de que a prisão deve aguardar o trânsito em julgado, Lula sai logo da cadeia? Sim, se não imediatamente, pelo menos, a curto prazo. O relator do caso, juiz Marco Aurélio Mello, já defendeu no julgamento que, após eventual decisão a favor do trânsito em julgado, sejam expedidos alvarás de soltura de todos os condenados beneficiados. Contudo, o tribunal deve decidir se a soltura desses presos é automática ou precisa ser requerida pela defesa de cada um dos condenados beneficiados pela medida..Mas pode concorrer a cargos eletivos, como à Presidência da República? Não, porque nesse caso entra em ação a "Lei da Ficha Suja", que veta candidatos condenados em segunda instância..Lula tem, no entanto, um trunfo: o STF vai votar, talvez ainda este ano também, se Moro agiu com parcialidade no caso do "tríplex do Guarujá", conforme recurso apresentado pela defesa do antigo metalúrgico. Caso o recurso seja aceite, a condenação de Moro a Lula é anulada e o político fica apto a candidatar-se ao que bem entender..No entanto, da mesma maneira que tem aquele trunfo, Lula também tem pedras no seu caminho rumo a elegibilidade: desde logo, porque o STF pode manter a sentença de Moro e, depois, porque, paralelo ao "tríplex do Guarujá", segue nos tribunais o processo conhecido como "sítio de Atibaia", em que o antigo presidente já foi condenado em primeira instância..Como disse Toffoli, para evitar personalizar o julgamento, o que está hoje em jogo ultrapassa, de facto, Lula. Entre os outros 4894 eventuais beneficiários, estão mais presos notórios, entre eles 32 condenados na Lava-Jato, entre os quais José Dirceu, braço direito de Lula no seu primeiro governo, ou Vaccari Neto e Delúbio Soares, ex-tesoureiros do PT.