Hélio Sousa: "Fui estudar à noite quando a minha mulher já estava grávida"

Tem a fama de tímido, reservado, discreto. Nesta conversa que jamais teria até aos 30 anos, conforme faz questão de sublinhar, o selecionador de sub-20 fala das origens humildes, emociona-se ao falar da mãe, que morreu no ano passado, e da avó. E repete o seu amor pelo Vitória.<em> (Artigo originalmente publicado a 25 de agosto de 2018)</em>
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Nota prévia: não há setubalense que se refira ao clube da terra como "o Setúbal". Para os sadinos, é simplesmente "o Vitória". E a conversa que se segue decorre entre dois setubalenses. Portanto, será Vitória e nada mais. O local para a entrevista foi previamente escolhido para que fosse possível fotografar Hélio Sousa com a cidade e o estádio do "seu" Vitória como pano de fundo. Mas a meteorologia prega partidas e o nevoeiro o mais que deixou ver foi um pouco da serra. Foi o pretexto para irmos até ao Largo da Reboreda, onde Hélio Sousa passou dias e dias a jogar à bola, com a paragem do autocarro, de chapa, a fazer de baliza e os vidros de algumas lojas a não resistir aos chutos. "Hélio, tás bom, desculpa mas não vi logo que eras tu..." O tratamento familiar repete-se dito pelos vizinhos de outros tempos, que o viram crescer no Vitória e ser um dos campeões de Riade e agora veem, como selecionador nacional das camadas jovens, a erguer taças na televisão.

É identificado como um homem tímido, discreto. Mas o tímido dançou em frente ao Presidente da República com a taça do Europeu de sub-19 na mão...

Foi espontâneo, um dos jogadores empurrou-me e eu tive de assumir. É uma coisa que começou por fazer parte de alguns momentos a seguir ao jogo... Jogamos três vezes por semana e começámos a fazer uma ativação em vez de estarmos a fazer os exercícios normais...

A dança faz parte dos treinos?

É mais nos períodos de recuperação. Ao início foi proposta uma ativação de recuperação após os jogos. Cada um ia propondo e os outros tentavam imitar, e a coisa foi ficando no grupo. Naquele momento foi espontâneo. Não é muito de mim, dançar não é um atributo que eu tenha.

Tem pé de chumbo?

Não danço nada, nunca me puxou para aí. No desporto em geral acho que me adaptava e no futebol em particular. Fala-se em sacrifícios que eles [os jovens jogadores] e nós fizemos, como não poder sair à noite com os colegas por causa dos jogos, mas para mim isso nunca existiu porque não me atraía muito. Eu era mais das brincadeiras na rua.

Dois títulos europeus com camadas jovens. Sente que é melhor treinador do que jogador?

Não, sinto que tenho melhorado ao longo dos anos como treinador, como o fiz como jogador ao longo da minha carreira. Fui campeão do mundo como jogador de sub-20, estive onde quis estar e onde as pessoas foram querendo que eu estivesse e fui muito feliz. Faria tudo igual ou tentaria fazer melhor. As opções que tomei, acho que foram as mais corretas. É um sonho qualquer um poder fazer o que gosta como profissão e eu tive a felicidade e a competência para estar até aos 36 anos no Vitória. Depois preparei-me para o que vinha a seguir ao futebol e fui estudar. Comecei como treinador adjunto no Vitória, com um ano de contrato e mais três de opção, mas as coisas precipitaram-se e saí mais cedo...

Ser treinador sempre fez parte da sua estratégia?

Era uma das opções, voltei a estudar para ter mais opções. Quando comecei a estudar à noite, em 1995-96, a minha mulher estava grávida da minha filha e ela nasceu durante esse ano. Fui acabar o 10.º ano e depois o 11.º e o 12.º. Aos 26 anos tive a perspetiva de que a seleção A ia ser difícil, estava em Setúbal, o liceu era em frente à minha casa, porque não voltar a estudar? Custava um bocado, às vezes apetecia-me dormir numa aula ou noutra, mas aguentei-me. Até me ajudou a sair de todo o stress do futebol. Apareceu depois o curso de Desporto e foi para no fim, quando deixasse de jogar, ter mais portas abertas...

Tinha plano B e plano C?

Era estar na área do desporto. Se não desse para ser treinador, podia ser outra coisa, como diretor desportivo ou team manager. A maior parte tem saído para treinador, mas há muitas outras áreas pelas quais podemos optar, desde que se adquira as competências necessárias.

Apontam-lhe a facilidade de lidar com jovens. Leva a sua faceta de pai para o campo?

Em determinados momentos... As pessoas têm muito essa perspetiva, mas eu sou treinador de futebol, não sou treinador nem de jovens, nem de crianças, nem de adolescentes, nem de homens. Já fui treinador de seniores. No Vitória tive essa experiência curta, fomos à final da Taça de Portugal e depois recomecei na Covilhã. O presidente do clube, José Mendes, foi importantíssimo neste meu regresso como treinador, tive um ano excelente, com o apoio de excelentes pessoas, estava lá sozinho. As pessoas, se calhar em determinado momento da carreira, pensam "olha está confortável, passou muitos anos no mesmo clube", mas não têm a noção de que estar muitos anos no mesmo clube, sendo competente, passamos a ser referência tanto para o bem como para o mal, e o mau às vezes é complicado. Mesmo quando não jogava e as coisas corriam mal, falavam de mim, era o Hélio que não jogava nada... É uma carga emocional e uma exigência grandes. Ir para a Covilhã provou o contrário, que estava adaptado...

Temos entre os campeões europeus algum Cristiano Ronaldo?

O Cristiano Ronaldo também foi crescendo e tornou-se o que é. Há potencial em muitos dos nossos jogadores. O que eles conseguirem criar para si próprios e as oportunidades que lhe forem aparecendo, bem como se tiverem desejo enorme de irem o mais além possível (e muitos têm) e se focarem na glória, no reconhecimento, no ser melhor cada dia, é possível que algum deles atinja esse patamar a que poucos chegam. Em Portugal tivemos na conquista da bola de ouro três jogadores - Eusébio, Figo e Ronaldo - e já passaram décadas e décadas ...

O seu filho, o André, tal como o pai joga no Vitória. Alguma vez imaginou que isso iria acontecer?

Foi um deixar acontecer. Tentámos dar aos nossos filhos, a Filipa e o André, as oportunidades de fazerem o que mais gostam. A educação é importantíssima, a nossa filha tem sido mais orientada para a educação regular e tem adquirido competências para fazer mais tarde o que gosta, e temos-lhe dado essas condições. Com o André foi igual, queremos que complemente os estudos, a educação, mas neste momento tem uma profissão...

Já antevia que ia ser assim?

Foi mostrando qualidades nos espaços em que foi praticando futebol, brincámos muito com bola, mas praticava outros desportos com ele. Conseguiu sempre lugares relevantes nas diversas modalidades e foi um caminho que foi seguindo, sem grande intervenção nossa, mas sempre com o nosso apoio.

O André já foi uma vez pré-selecionado por si mas depois não o chamou a jogar. Como é que foi isso lá em casa?

Jogou muitas vezes comigo, mas não o chamei na fase final. Não é fácil. As coisas têm de seguir o seu caminho e todos nós temos de perceber as diversas situações e passar por elas.

Ele ficou zangado?

Acho que não...

O André ganhou a mesma alcunha do pai, o Fininho. Porque é que lhe chamavam isso?

Era magro, o Vitinha também tinha a mesma alcunha. A alcunha passou para os seniores, mas depois foram acontecendo outras, quando comecei a ser capitão, era Capitas, Capitão...

E agora ele...

Não foi logo no início, primeiro era André e depois foram buscar a minha alcunha. Foi o Aparício, com quem joguei no Vitória, que quando foi treinador do André começou a tratá-lo assim. Mas ficou mais Fino, porque a malta agora tem a mania de ir buscar diminutivos das palavras.

Cresceu aqui no bairro da Reboreda...

A primeira ideia que tenho é de morar na Fonte Nova, numa casa que nem casa de banho tinha. Lembro-me de a minha irmã nascer lá... A história que a minha mãe contou é que vivíamos com muitas dificuldades numa casa com poucas estruturas. Na altura do 25 de Abril, a minha mãe conheceu uma senhora que ia sair de uma casa aqui na Praceta dos Cedros e combinou com ela entrar na casa durante a noite, porque quem entrasse numa casa desocupada adquiria a possibilidade de ficar nessa casa arrendada. Mudámos para lá e depois ainda vivemos no Casal das Figueiras, mas foram sempre ali as minhas referências, as minhas amizades, estive ali até aos 15/16 anos.

Viviam com muitas dificuldades?

A minha mãe sempre trabalhou como doméstica e às vezes também lavava escadas em alguns prédios e trabalhava nalgumas casas aqui na Reboreda, como a dos Runas. O meu pai foi bate-chapa durante muitos anos na Movauto. Entretanto a Movauto acabou e ele ainda foi fazer uns anos à Autoeuropa.

Não é, portanto, de uma família de pescadores...

Não, o meu avô trabalhou muitos anos na Secil, atravessava isto tudo de pasteleira e andou a escavar pedra...

Essa história familiar faz que dê mais importância àquilo que tem, a preocupar-se mais com o futuro?

Levou-me a ser rigoroso e um bocadinho metódico. 99% das pessoas têm a noção de que acabando a carreira de futebolista vão ter de trabalhar. Tendo uma boa carreira e boa longevidade, [a carreira] acabará por volta dos 35. Pela qualidade de vida e pela longevidade de agora, teremos de trabalhar até por volta dos 70, e temos de nos preparar para isso. Sabia que não podia estar a ganhar cem e a gastar cem porque mal acabasse não ia ter tempo para preparar outra situação.

Começou desde miúdo a jogar na rua. Como é que evoluiu?

Jogava na escola do Viso e muito no Largo da Reboreda. O verão era enorme para nós, era gozado desde de manhã até depois do jantar. Jogávamos tudo, era à apanhada, às escondidas, ao lá vai alho, joguei ao elástico com as raparigas. Os bairros eram mais organizados e dinâmicos e tinham as gincanas no Carnaval, na Páscoa. Jogávamos no largo onde havia a frutaria, a padaria, tudo vidros à nossa volta. Alguns começaram a pôr grades por causa dos roubos, mas também por causa de nós. Jogávamos na paragem de autocarro e rebentávamos com ela, aquilo era de chapa e fazia um barulho enorme, os vizinhos ficavam chateados connosco.

E como é que entra no Vitória?

Comecei mais a sério no Figueirense, no Casal das Figueiras, o nosso treinador era o senhor Henrique, mas era raro haver treinos e ao fim de semana jogávamos com outros clubes de Setúbal. Havia os Africanos, com malta retornada e que era uma equipa muito complicada, o OVNI 2001, os Ídolos da Praça, mas a de maior referência era a Casa da Cultura, do senhor Barreto, onde são agora os bombeiros voluntários. Acabei por fazer aí um ano. Depois mais tarde, no ciclo, o senhor Barreto, que se tinha mudado para os Brejos de Azeitão, criou lá uma equipa de sub-12 e ia-nos buscar ao ciclo numa 4L, íamos seis ou sete na carrinha, voltávamos para Setúbal no autocarro às 8/9 da noite e ainda tinha de apanhar outro autocarro para a Reboreda.

Os seus pais apoiaram-no sempre ou queriam que tivesse outra profissão?

Não, fui sempre passando na escola. No 10.º ano é que não, comecei a ir às seleções nacionais e depois tive um ano sem jogar porque tive de ser operado a um osso de crescimento do joelho. Houve captações no verão, eu ia a pé, cortávamos caminho, passávamos por um bairro de lata e íamos dar ao estádio do Vitória.

Tinha quantos anos quando entrou no Vitória?

Estava a fazer 14.

Esteve 22 anos no clube. Porque é que nunca quis sair?

Aprendi a gostar do Vitória desde miúdo, ia com o meu pai ver os jogos. Foi o meu clube desde sempre, aquela paixão que a maioria tem pelos três grandes... Estão todos divididos, seis milhões para um, três para outro... Eu sou daquele resto que não são dos três grandes, não me dizem nada.

Nunca teve o sonho de jogar noutros clubes?

Não... Sempre adorei o Vitória. Adorava jogar futebol desde miúdo, desde que me lembro de mim próprio, e fui tentar ali. O J.J. foi meu treinador durante quatro anos, o meu primeiro treinador e quem me escolheu para lá foi o José Mendes, e esses jogadores é que foram a minha referência. Queria ajudar o Vitória a recuperar a glória que teve nos anos sessenta e setenta.

Ainda foi para o Belenenses, mas veio logo embora...

Foi num ano em que tínhamos descido de divisão, que andei a jogar lesionado. Ainda fomos à meia-final da Taça... No ano a seguir íamos lutar para subir de divisão. O treinador era o Quinito e achava que não necessitava de mim para subir e surgiu a oportunidade de me trocarem com outro jogador do Belenenses. Sabia que não estava em condições, queria estar aqui a ajudar o Vitória a subir de divisão. Informei as pessoas de que precisava de recuperar... Peguei no meu carro e fui ter a Lamego, onde o Belenenses estava em estágio. As duas primeiras semanas correram bem porque ainda não sentia muito a lesão, mas com o tempo foi-se agravando... Tinha de ser operado e essa situação não era benéfica nem para o clube nem para mim porque ia ficar muito tempo parado. Voltei para o Vitória, onde recuperei tranquilo da vida porque não contavam muito comigo...

Não teve outros convites porque era o homem do Vitória?

Fui tendo alguns, para o estrangeiro... Nos anos que estive aqui, o Vitória passou por muitas dificuldades... Alguns convites implicavam rescindir contrato, e isso eu nunca faria. Se quisessem realmente que eu fosse chegavam-se à frente e pagavam o que fosse necessário, na altura não havia cláusulas de rescisão, era uma questão de negociar. Cheguei a estar em Espanha e em determinados sítios para seguir com uma ou outra situação que era vantajosa para mim, mas que tinha de ser vantajosa para o Vitória também.

Estar aqui permitia-lhe estar mais próximo da família?

Nunca foi muito isso. A minha mulher trabalhou desde cedo - casei-me quando ia fazer 21 anos e ela 20. Ainda estivemos cinco anos sem ter filhos, tivemos uma vida de solteiros mas casados. Mais tarde, depois de eu estudar à noite, foi ela que estudou à noite, tirou a licenciatura e o mestrado em História. Tivemos sempre essa cumplicidade e apoio mútuo, e quando ela ia às aulas era eu que ficava com os miúdos à noite. Mas não foi isso que me fez ficar, se a família tivesse de ir atrás iria... Foi mais o prazer e o amor de jogar no Vitória.

Casou-se muito cedo...

Foi o meu primeiro namoro a sério, ela tinha 17 e eu 18 anos. Não namorámos muito tempo, cerca de três anos e casámo-nos.

E a sua mãe, a quem dedicou agora o título europeu, que importância teve na tua vida?

O meu pai estava mais tempo fora, a minha mãe estava sempre connosco, mas são os dois a minha referência. Os meus avós também foram muito importantes. Sempre que chegava a casa da minha avó, a primeira coisa que ela dizia era "queres comer alguma coisa?". Estava sempre a oferecer-me coisas para comer. Lembro-me de chegar lá e cortar um tomate ao meio, pôr sal e comer. A porta estava sempre aberta.

As suas avós são também das mulheres mais importantes da sua vida?

A minha avó paterna, porque a materna não tive oportunidade de conhecer. A minha irmã escreveu para o Ponto de Encontro e a minha mãe voltou a encontrar a irmã. Nunca conheceu o pai (a mãe ainda conheceu mas ela não viveu muito tempo), esteve num colégio de freiras, é tudo uma história grande e complicada. Morreu no ano passado de Alzheimer. Foi complicado para a família e sobretudo para o meu pai, que tem uma idade já difícil para perceber algumas doenças e como é que elas interferem na qualidade de vida das pessoas. Os meus pais foram pessoas que abdicaram do bem-estar deles para nos dar a nós. Lembro-me de o meu pai trazer os lanches da fábrica, ou o que não almoçava, para nós comermos.

Tem também uma filha. Se ela tivesse querido jogar futebol tinha o seu apoio ou considera que é um desporto masculino?

À Filipa e ao André sempre demos a possibilidade de praticar atividades extra. Ela andou no ballet, mas encontrou o seu desporto na patinagem. Andou muitos anos na patinagem, foi mais de grupo e de show, no Clube de Patinagem do Sado, e foram a muitos europeus. Mas se tivesse de ser futebol, teria sido. Foi o que os nossos pais nos deram - apoiá-los no que querem ser. Se fosse médico ou advogado seria, se fosse uma profissão mais marginal, como desportista ou ator, seria. Tivemos sempre a mente aberta por influência dos nossos pais, que nos deram o suporte máximo.

Terminou a carreira de jogador como sonhava, entrar em Setúbal a erguer a Taça de Portugal?

Para mim já era um dado adquirido que não iria jogar mais futebol, estava em paz comigo próprio. Acabou por ser um sonho não sonhado, mas foi o ideal. É como algumas homenagens que algumas instituições fazem a quem é significativo quando acabam a carreira. É normal, seja em que profissão for, ter o reconhecimento dos seus pares ou dessa instituição onde essa pessoa foi relevante, e isso nunca aconteceu... acabou por acontecer espontaneamente por parte dos adeptos, dos associados. E era impossível ter acontecido de melhor modo, da parte institucional nunca aconteceu por diversas razões. Foi num momento em que tudo correu bem para o Vitória e, embora não tenha jogado nesse encontro, tive o reconhecimento dos adeptos.

Tem alguma mágoa?

Não, isto é um contraponto que me permite exemplificar que aconteceu da melhor forma. O Vitória ou outra instituição não tem de homenagear ou dar emprego só porque uma pessoa passou lá uma vida inteira. Eu estive lá porque quis estar, não fui obrigado, e também porque a maior parte das pessoas quiseram que eu estivesse. Agora, respeito devem-me. Mas seria normal, fui um caso único em Portugal de um jogador que nos tempos modernos ficou uma vida inteira num clube. Mas não sinto necessidade disso, aconteceu da melhor maneira que podia ter acontecido: ter tido o reconhecimento de quem faz que os clubes existam e manifestam o seu amor diariamente os adeptos.

Foi depois de deixar de jogar que decidiu tirar o curso de Desporto no Politécnico de Setúbal? Quantos anos tinha?

Ainda jogava. O professor José Fernandes disse-me que tinha aberto um ano antes um curso de Desporto no IPS. Faltava pouco tempo para me poder inscrever no exame nacional de Biologia, tinha duas ou três semanas para estudar três anos de Biologia, mas arrisquei. Não correu muito bem, mas, complementando com as notas dos outros anos, a experiência de vida e o curriculum, lá entrei.

Foi Carlos Queiroz que o puxou para a Federação Portuguesa de Futebol. Qual a sua relação com ele?

É de agradecimento. Foi o José Augusto que me levou para as seleções jovens. O Queiroz trabalhava como ele como adjunto . Entretanto o José Augusto saiu e o Queiroz foi a grande influência de quem passou pelas seleções nacionais e, como nós, teve oportunidade de participar em campeonatos do mundo e de estar em europeus. Tudo o que ele nos ensinou, toda a liberdade e responsabilidade que nos deu como adolescentes nessa altura era inovador, era uma confiança muito grande que nos transmitia e que nos ajudou a ultrapassar pensamentos de sermos inferiores aos adversários e que ele foi mitigando e apagando na nossa forma de pensar. E nós começámos a defrontar qualquer adversário olhos nos olhos.

E hoje qual é a vossa relação?

A relação de quem viveu aqueles momentos e passou muito tempo nas seleções... Podemos estar muito tempo afastados uns dos outros, mas se nos encontrarmos amanhã é como se tivéssemos estado juntos há meia hora. Fica para sempre e é uma ligação instantânea. Com o Queiroz e com o professor Nelo Vingada é essa ligação, mas também uma relação de agradecimento. E ele voltar a lembrar-se de mim foi muito gratificante porque a minha situação estava decidida no Covilhã. Deu-me oportunidade de voltar a desenvolver-me como treinador e a crescer com muitas outras pessoas como o Peixe, o Filipe, o Rui Bento, o Espinha, o Roma.

E com José Mourinho, outro treinador filho da terra, fala com ele?

Muito esporadicamente, falamos bem quando nos encontramos, mas nunca fomos das mesmas relações. Dantes vivíamos muito os bairros... Na Reboreda, quando saíamos, era para ir ao cinema ou a eventos desportivos. Com outras pessoas tive as amizades do Vitória que continuam, o nosso grupo de juniores, e todos os anos há um jantar. Mas Mourinho é uma pessoa de referência na nossa cidade e que tem tido um êxito extraordinário.

Fez agora 49 anos. É um homem feliz e realizado?

Sim, a vida tem sido boa para mim. Não projeto as coisas a longo termo, de algum modo foram acontecendo com naturalidade. Ia ao Vitória treinar e fui ficando, ter ido às seleções também. O José Augusto assistiu a um jogo que me correu muito bem, eu nem sabia que ele estava cá. Levou-me à seleção, mas já estavam em estágio há muito tempo, já era nos últimos estágios antes de fazer uma seleção final para o primeiro jogo internacional dessa geração. Fui lá treinar e lembro-me de ter corrido que nem um desalmado, e fiquei. E quando foi para os jogos o meu nome estava lá outra vez, e as coisas foram acontecendo. Nos dois primeiros jogos nem fui titular, depois comecei a jogar praticamente sempre de início durante muitos anos. E tivemos a oportunidade de sermos campeões do mundo. As coisas aconteceram sem fazer grandes projeções, vivendo o dia-a-dia. E a minha família suportou-me sempre, a com quem fui criado e a que criei.

Elege "o" momento da sua carreira?

Não tenho um momento especial. Foram muitos. O ter sido campeão do mundo foi significativo, as pessoas ainda nos conhecem por isso. Foi mais as vivências e as amizades que ficaram, os momentos que se passaram. É tanta coisinha, mais do que eleger propriamente um momento.

Foi confirmado para selecionador dos sub-20. Treinar a seleção principal é um sonho?

Acontecerá se tiver de acontecer. Se um dia aparecer essa oportunidade, quem serei eu para dizer que não. Agradar-me-á como muitas outras situações que se possam proporcionar.

Trabalha para isso?

Trabalho para ter o melhor possível. Conseguimos o Europeu, mas era importante o apuramento para o Mundial. Esse era um dos meus objetivos, bem como poder ser eu o treinador da equipa de sub-20 que vai competir. Isso aconteceu. Está ótimo. O futuro dirá o que virá a seguir.

PERFIL

- Nasceu a 12 de agosto de 1969.

- Jogou toda a sua carreira no Vitória de Setúbal (22 anos).

- Deixou de jogar aos 36 anos, no mesmo dia em que o Vitória venceu a Taça de Portugal em 2005.

- Foi campeão de mundo de sub-20, em Riade, em 1989.

- Iniciou a sua carreira de treinador no Vitória de Setúbal e esteve um ano no Covilhã.

- Como selecionador ganhou os campeonatos europeus de sub-17 em 2016 e de sub-19 em 2018.

(Artigo originalmente publicado a 25 de agosto de 2018)

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