O site da Academia Sueca dedica poucas palavras ao Nobel da Literatura de 2018: "Foi adiado." Segue-se, discretamente, uma lista dos galardoados com o prémio, que começa por ser atribuído em 1901 a Sully Prudhomme como "reconhecimento pela sua obra poética, que evidencia idealismo e perfeição artística numa rara combinação de sentimento e razão", um conjunto de nomes que é interrompido - já o fora antes devido aos grandes conflitos mundiais - em 2017, após Kazuo Ishiguro o ter recebido devido aos "romances que deslindam o abismo entre a ilusão e o mundo real". Ambas as declarações comprovam a razão de se o ter entregado durante mais de um século, mesmo que o primeiro autor tenha caído no esquecimento total..Kazuo Ishiguro, no entanto, explica bem a razão de o Nobel da Literatura ser um prémio tão famoso e sempre aguardado ansiosamente pelos maiores escritores do mundo, afinal, além do reconhecimento, leva o autor a lugares do mundo que nunca o leriam. Bom para a divulgação da obra e ótimo para a indústria do livro, setor que agradece sempre que o Nobel é entregue a um escritor que potencia as vendas..A interrupção do anúncio neste ano, sendo certo que ainda não está decidido que o será em 2019, veio criar um vazio no apetite dos leitores que a seguir à quinta-feira em que o nome do escritor é revelado correm às livrarias para adquirir um livro do galardoado. Um vazio que a atribuição do prémio a Svetlana Alexievich criara uma dúvida sobre a sua capacidade de se beneficiar do Nobel para divulgar a sua obra em todo o mundo, tendo a escolha de Bob Dylan apenas causado prejuízos. No entanto, Alexievich deu frutos e a sua obra mais jornalística do que literária - já Churchill tinha enganado a Academia muito antes - foi traduzida para todo o lado e livreiros e editoras agradeceram..A combinação boa literatura com vendas nem sempre é fácil, mas faz falta a quem escreve e a quem edita. Goste-se ou não, a concessão do prémio a nomes importantes mas desconhecidos, como o de Alice Munro, viera causar na indústria questionamentos sobre o mau uso de um também propósito "comercial" do Nobel quando o concede a ilustres desconhecidos em vez de nomes mais universais. Mario Vargas Llosa, em 2010, foi um dos que salvaram a honra da Academia de esquecimentos tenebrosos como acontecera antes com Proust ou James Joyce, sem esquecer Kafka ou Borges, por exemplo..É certo que o Nobel da Literatura não deve estar preocupado com a indústria do livro, mas a justeza do prémio também pode ser medido pelas receitas nas livrarias. Até porque, quando não o é, depressa se percebe o desinteresse dos leitores quanto à notícia..Decerto não será o critério do sucesso editorial o que regula a decisão dos membros do júri em cada escolha que fez, mas o recente escândalo que dizimou a Academia Sueca também permitiu questionar o que está por trás de cada atribuição. A resposta não parece ser apenas o valor da obra do galardoado, antes critérios polémicos e que só se tornariam literários se fossem usados na escrita de um romance policial. Suspeita-se até que o prémio possa ter sido oferecido a editoras, além de outras manobras pouco literárias em que parte do júri participou..Desde que a mais recente ex-responsável pelo Nobel da Literatura, Sara Danius, dirigiu a escolha dos nomes para fora da literatura que o Nobel descambou. A exceção foi Ishiguro, que fez que o interesse pelo escritor nomeado regressasse, tanto assim que em Portugal a sua obra foi toda reeditada - o que deve ter acontecido também pelo mundo - e os leitores (re)leram os seus livros. Há, contudo, uma lista recente de demasiados escritores que falham o critério da popularidade - tanto dos leitores como das editoras - e passam notoriamente ao lado do reconhecimento que o prémio merecia. Foi o caso dos franceses Le Clézio ou Patrick Modiano, que no caso deste último só neste ano teve a edição do livro lançado quando do anúncio do Nobel, em 2014, pela simples razão de que não suscita desejo aos leitores..Basta comparar o caso de José Saramago, que em 1998 recebeu um empurrão nas suas vendas nunca possível se não lhe fosse atribuído o Nobel, tendo sido traduzido e editado centenas de vezes mais do que era até então. Mesmo em Portugal, a curiosidade renovou-se e a sua obra foi reeditada e vendida como se fosse de um novo autor..Se o Nobel da Literatura regressa neste ano de 2019 é coisa que não se sabe ainda, até porque o diretor da Fundação Nobel, Lars Heikensten, já referiu que ainda é cedo para saber se estarão resolvidos todos os problemas causados por más práticas recentes. Se regressa como nos bons velhos tempos em que se elegiam autores como Ohran Pamuk, Doris Lessing, Coetzee, Günter Grass, entre outros, é outra dúvida. Certo é que o Nobel anda pelas ruas da amargura e em nada ajuda a moribunda indústria do livro..Quando o Nobel regressar, haverá uma particularidade que poderá ser boa para a indústria do livro: virá em dose dupla. Isto, claro, se no próximo mês de outubro as questões de corrupção e influências estiverem desaparecidas e o anúncio o prémio der destaque a dois escritores com muito valor.