Harrison Ford: "Queria realmente enfrentar a minha idade..."

Em rigoroso exclusivo nacional, o DN falou com o lendário Harrison Ford, para a semana nos ecrãs de todo o país com <em>Indiana Jones e o Marcador do Destino</em>, de James Mangold, a quinta aventura deste arqueólogo da velha guarda. Um Harrison Ford a assumir os seus 80 anos e a contar como salvou a sua vida num despiste de aviação...
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No renovado Hotel Carlton na Croisette temos à disposição de um pequeno grupo de jornalistas internacionais a mais lendária das estrelas de cinema de Hollywood, Harrison Ford, referência, ídolo, herói de muitas gerações. Ao seu lado está uma estrela cada vez mais em ascensão, Phoebe Waller-Bridge, criadora e protagonista da série que muitos veneram, Fleabag, aqui uma espécie de companheira de aventuras de Indiana Jones.

Neste derradeiro Indiana Jones e o Marcador do Destino, a personagem está a reformar-se do seu cargo de professor mas, ao mesmo tempo, do passado surge um chamamento para uma última aventura. O chapéu e o chicote vão-lhe parar inesperadamente à cabeça e às mãos numa jornada onde se assume o peso da idade. Sim, um Indy cansado e a protestar com as marcas da terceira idade. Um Indy que também aparece no passado rejuvenescido graças aos efeitos visuais semelhantes aos que colocaram Robert De Niro em O Irlandês, de Martin Scorsese, uma décadas mais novo, o chamado "de-aging". Em Cannes o filme não foi levado aos píncaros - James Mangold, o realizador, não é Steven Spielberg - mas o festival resolveu dar a Harrison Ford uma Palma de carreira, precisamente na noite anterior a este encontro. E, aos 80 anos, o "astro" americano diz-nos que estava mesmo emocionado: "vou sempre lembrar-me dessa noite". Obviamente, Harrison Ford gosta do Festival de Cannes, o festival que o trouxe à escadaria em 1985 com o notável Testemunha, de Peter Weir.

"Há uma história que ninguém sabe quando aparece uma foto da Karen Allen afixada no frigorífico de Indiana Jones. Não estava no argumento, fomos nós que inventámos isso. É um momento que resulta muito bem. Enfim, queria muito que este filme fosse feito... Mas não sou uma pessoa nostálgica... Não celebro nostalgia, quero sempre informação nova, quero novos caminhos e ir para locais nunca dantes explorados", diz com uma voz algo trémula, talvez ainda a recuperar das emoções da estreia mundial. Essa voz meio a tremer é um sinal da sua idade, a tal que ele quer expor às plateias. Goste-se ou não, este é um filme que não tenta enganar os fãs: a velhice de Indiana Jones está lá, mas quando se olha para este homem elegante a uma distância de um palmo duvida-se e assume-se: estes 80 são os novos 70.

Sobre a química entre a afilhada e o herói de terceira idade, Phoebe Waller-Bridge é clara: "no argumento vinca-se que ela está ao nível dele. Não houve nunca aquela coisa do status... Isso refletiu-se na vida real. Quando conheci o Harrison foi logo naquela : hey meu, como estás!? Foi imediato o nosso entendimento - no filme até demora mais! Indy e Helena precisam desesperadamente um do outro, mesmo que estejam em completa negação disso. É muito giro o espectador ver duas pessoas que não compreendem isso. É aquela dinâmica engraçada de duas pessoas que vão ser amigas para sempre mas que tentam lutar contra isso". Ford admite que trabalhar com gente nova tem sido sempre um dos seus objetivos: "é que aprende-se muito com os putos! Essa é a minha grande atração! Sinto que essas experiências são sempre um mergulho fundo sabe-se lá para onde..."

E se é verdade que todos se identificam com o dr. Jones, Harrison tem uma teoria: "as pessoas gostam dele porque é alguém com falhas, um ser humano como todos nós! Espero que se perceba de filme para filme que o homem tenha ganho algum tipo de sabedoria, alegria ou virtude... Encontramo-lo aqui numa altura em que ele tem tido uma série de maus dias". De facto, este homem à beira da reforma, está sozinho, toma mal conta de si próprio e não se adapta aos novos tempos, neste caso 1969 e toda uma América a mudar.

E porque nestes filmes da saga de Lucas e Spielberg o perigo sempre foi o protagonista, surge uma pergunta sobre o perigo na vida real, se alguma vez o Harrison Ford terá aprendido a gerir as emoções perante supostamente a sensação do medo: "não, quer dizer, o perigo nunca foi grande parte da minha vida real, mas quando a merda aparece temos de nos aplicar... Há 25 anos que piloto aviões e, claro, houve um dia que o motor parou - problema mecânico - : enfim... e aí passou-se algo mágico: lembrei-me dos treinos e disso tudo e chegou-me à cabeça aquilo que um dos meus mentores da aviação me ensinou, ou seja, uma voz que me guiou de forma quase cinematográfica e que dizia pilota o avião para o mais longe possível da zona de queda. E bastou isso, correu bem... Um pouco como o Obi-Wan Kenobi e o Luke Skywalker". Convém talvez lembrar que este acidente quase fatal foi em Santa Monica, em 2015 a bordo de um avião de guerra dos anos 1940...

E a propósito de perigo, Phoebe confessa que ficou com uma ferida enorme e que "adorou", embora Harrison confesse que não é como Tom Cruise que faz os seus duplos, ele apenas gosta de interpretação física, apenas isso, mesmo que depois surjam arranhões e nódoas negras.

"Uma das minhas ideias para Indiana Jones foi sempre que pudesse chegar a desenvolvê-lo até esta idade. Queria vê-lo desarmado pela idade e que através de uma relação pudesse voltar à vida! Agora, com esta afilhada inesperada, isso acontece. Queria realmente enfrentar a minha idade...", conta quando se despede e, ao seu lado, Phoebe, lembra que ele é um "malandro no plateau, só provoca sarilhos". Na verdade, Harrison Ford nunca terá idade...

Ficam cinco momentos singular de um ator que não é apenas Indiana Jones ou Han Solo da saga A Guerra das Estrelas. Um ator único no seu realismo americano, alguém capaz de personificar uma fragilidade contida, quase no limite do pudico.

Testemunha (1985)

Peter Weir

Uma das primeiras grandes provas do seu valor como ator de múltiplos créditos dramáticos (única nomeação ao Óscar), num policial onde interpretava um polícia a investigar um crime numa comunidade Amish. Trata-se de um dos momentos de ouro de Peter Weir, cineasta australiano que soube encontrar uma voz autoral no seio dos grandes estúdios americanos. As cenas com Harrison Ford e Kelly McGillis tornaram-se património da memória de quem cresceu com o cinema popular de Hollywood.

A Costa do Mosquito (1986)

Peter Weir

Longe dos aparatos do heroísmo, regresso a Peter Weir numa fábula moderna sobre um homem "moderno" a querer mudar de vida e a levar a sua família para uma vida numa floresta da América Central. Um Ford com novas cambiantes dramáticas num papel bem exigente. O filme não ficou na memória coletiva mas tem também a presença sempre marcante de Helen Mirren e do falecido River Phoenix.

Frenético (1988)

Roman Polanski

E nas mãos de Polanski mais um Ford frágil e à deriva, uma espécie de segundo dom deste ator, aqui na pele de um médico americano que cai numa rede de crime quando descobre que a sua mulher desapareceu em Paris. Um thriller pautado pela sua transpiração e desespero. Trata-se de uma obra que soube sobretudo envelhecer. Testemunho igualmente da sua boa intuição em escolher bons papéis...

Presumível Inocente (1990)

Alan J. Pakula

Provocador filme de tribunal em que Ford cria uma ambiguidade subtil na pele de um advogado que vai a tribunal tentar provar a sua inocência num caso em que é acusado de matar a sua amante. Entre o público e o privado, um filme intemporal onde o ator é gigante num misto de contenção e desespero. Um dos grandes momentos da sua carreira.

O Fugitivo (1993)

Andrew Davis

Baseada na velhinha série de tv sobre um homem inocente em fuga, este grande sucesso de bilheteira mostra Harrison Ford em duplo dever: ser herói de ação e nunca perder a subtileza dramática de encarnar um homem em tragédia pessoal. Curiosamente, foi Tommy Lee Jones a rentabilizar o sucesso: venceu o Óscar de melhor secundário, mas será sempre o rosto de medo e de não resignação de Ford que permanecerá.

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