"A percentagem de inquiridos que apoiam o impeachment de Jair Bolsonaro chega a 44,8%", diz sondagem da consultoria Atlas Político encomendada pelo jornal El País Brasil. "De maio de 2019 para março de 2020, o número de pessoas a exigir impeachment cresceu sete pontos percentuais", conclui o mesmo estudo..Três pedidos de impeachment são protocolados na Câmara dos Deputados nesta semana. Número total chega a 11..Reinaldo Azevedo, colunista do portal UOL, elenca os 11 crimes de impeachment já cometidos por Bolsonaro e anuncia que "impeachment, ainda longe, está mais perto". Joel Pinheiro da Fonseca, cronista do Folha de S. Paulo, escreve: "Chega, é hora de pensar em impeachment.".Parlamentares comparam período político do atual presidente ao de Collor de Mello antes do seu impeachment há 30 anos. E, em certa medida, ao de Dilma Rousseff, há quatro anos.."Expor pessoas a contágio é crime passível de impeachment", defende Miguel Reale Junior, um dos subscritores do texto que afastou Dilma, no dia seguinte aos cumprimentos e abraços presidenciais a 272 cidadãos. "Acaba não sendo descartado um impeachment se avançar o volume de crimes. É uma questão de interpretação da lei", afirma o senador Major Olímpio, aliado de primeira hora do presidente..Impeachment, impeachment, impeachment. Quatro anos depois da queda de Dilma, o anglicismo de 11 letras volta à atualidade política brasileira e em força durante a crise do coronavírus e da inabilidade de Bolsonaro para a enfrentar. E se o presidente for mesmo alvo de impeachment? Quem assume o país?."Deixa o [vice-presidente Hamilton] Mourão, que entende de defesa, conduzir a nação", gritou Janaína Paschoal, outra das subscritoras do texto que derrubou Dilma e deputada pelo partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, em pronunciamento oficial aos microfones da Assembleia Legislativa de São Paulo..Antonio Hamilton Martins Mourão, 66 anos, general na reserva do Exército brasileiro, atual vice-presidente da República do Brasil, ainda não é o homem de quem se fala, mas é o homem de quem se começa a falar..Sobre a possibilidade de substituir Bolsonaro, logicamente, não se ouviu ainda uma palavra do filho do general de divisão Antonio Hamilton Mourão e de dona Wanda Coronel Martins Mourão, nascido em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, o estado mais meridional do Brasil, em agosto de 1953..Mas duas intervenções avulsas na última semana são reveladoras do seu estilo e da sua personalidade: "A política afasta-nos mas não apaga jamais o bom combate que travamos juntos", afirmou, horas depois da morte de Gustavo Bebianno, ex-chefe de campanha e ex-ministro do governo demitido por Bolsonaro após choque de poder com o vereador Carlos Bolsonaro, segundo filho do presidente. Na família presidencial ninguém comentara o desaparecimento do ex-aliado..Dias depois, quando o deputado Eduardo Bolsonaro culpou o governo chinês pelo coronavírus e abriu guerra diplomática com o maior parceiro comercial do Brasil, Mourão foi mais enfático no ataque ao outro filho do presidente do que rivais políticos como Fernando Haddad, candidato presidencial derrotado em 2018, ou João Doria, governador do estado de São Paulo. "Mas ele tem algum cargo no governo? O Eduardo Bolsonaro é um deputado. Se o apelido dele fosse Eduardo Bananinha não se criava problema nenhum. É tudo por causa do apelido. Ele não representa o governo. Não é a opinião do governo", criticou Mourão. A hashtag #eduardobananinha foi a mais partilhada na rede social Twitter ao longo do dia e a alcunha ameaça colar-se definitivamente no deputado.."Eu não sou contraponto ao presidente", disse um dia Mourão. "Sou complemento." A frase tentava encerrar uma controvérsia de meses originada em atos oficiais e declarações do "vice" exatamente contrárias às propostas de Bolsonaro. .O presidente prometera transferir a embaixada brasileira em Israel de Telavive para Jerusalém e o vice, em receção a diplomatas árabes, negou..Mais tarde disse que não via a facilitação no uso de armas, decretada pelo chefe de Estado, como meio eficaz de combater a violência e condenou a decisão do núcleo duro do presidente de vetar o nome de uma especialista contrária ao armamento para um órgão de aconselhamento porque "o Brasil perde sempre que não se senta à mesa com quem é divergente"..Afirmou, fugindo ao tom da campanha presidencial, que o aborto é decisão da mulher e reuniu-se com a comunidade emigrante brasileira nos EUA, logo depois de Bolsonaro ter dito que nem todos os seus membros tinham boas intenções. Criticou a decisão do chefe de Estado de celebrar o golpe militar de 1964 e rebateu a ideia, expressada por ele, de que o nazismo é de esquerda..Após oposição de Eduardo Bolsonaro à ida de Lula da Silva, então ainda detido, a um enterro de um familiar, afirmou que essa saída da cadeia "era questão humanitária" e, a propósito de declarações do presidente dando a entender que o Brasil estaria pronto a entrar num eventual conflito com a Venezuela, disse ao seu homólogo americano Mike Pence que o Brasil não faria nenhuma intervenção militar no país vizinho..Um coro de críticas.Essas atitudes despertaram a ira de Carlos Bolsonaro, que numa sequência de intervenções nas redes sociais atacou com virulência o vice-presidente. .O filósofo (e ex-astrólogo) Olavo de Carvalho, considerado guru presidencial e da nova direita brasileira, fez coro: "Qual foi a última contribuição das escolas militares para a alta cultura nacional? As obras do [escritor e tenente] Euclides da Cunha. Depois de então foi só cabelo pintado e voz empostada. Cagada, cagada. Esse pessoal subiu ao poder em 1964, destruiu os políticos de direita e sobrou o quê? Os comunistas (...) Os milicos [calão para militares] têm de começar por confessar os seus erros antes de querer corrigir os erros dos outros. Essa é a lei de Cristo. Primeiro os teus pecados, depois os do vizinho. Mas no Brasil não, todo mundo é assim: Somos os patriotas, os heróis, salvamos o Brasil do comunismo, nós isso, nós aquilo. Tudo conversa mole. Quem salvou o Brasil do comunismo foram as lideranças civis em 1964." E rematou: "Ele é um adolescente desqualificado.".A ação de Mourão fez rachar até as lideranças evangélicas que apoiam Bolsonaro. O bispo da denominação Vitória em Cristo que celebrou o casamento do presidente e da primeira-dama Michelle criticou Olavo. "Mourão está corretíssimo! Olavo de Carvalho deveria se ater à função de astrólogo. O resto... só Deus para suportar", opinou Silas Malafaia..Mas um dos deputados evangélicos mais mediáticos, Marco Feliciano, protagonizou um insólito pedido de impeachment ao vice-presidente baseado no facto de Mourão ter apreciado um tweet de um jornalista crítico a Bolsonaro. Em entrevista à revista Época chamou-o "Judas", "traidor" e "sem carácter". "O plano dele é roubar a cadeira do presidente", resumiu o parlamentar que acredita que John Lennon morreu por castigo divino após dizer que os Beatles eram mais famosos do que Jesus. Mais tarde, Feliciano acrescentou que conta ser candidato a vice-presidente na lista de Bolsonaro em 2022 em vez de Mourão..Antes de chegar à cadeira de vice-presidente, o general Mourão teve carreira militar incomparavelmente mais recheada do que a do capitão Bolsonaro: incorporou as fileiras do Exército a 26 de fevereiro de 1972, na Academia Militar das Agulhas Negras, sediada em Resende, Rio de Janeiro, tendo sido declarado aspirante a oficial da arma de Artilharia a 12 de dezembro de 1975. Durante a sua vida militar cumpriu missão de paz em Angola e foi adido militar na Embaixada do Brasil em Caracas, Venezuela..Na política deu nas vistas com uma controversa declaração a sugerir intervenção militar, ainda no auge dos escândalos de corrupção em torno do governo de Michel Temer, em 2017. "Ou as instituições solucionam o problema político pela ação judicial, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso.".As reações sempre ruidosas às polémicas declarações de Mourão derivam, talvez, daquilo que sobre ele disse um dia o general Paulo Assis, eminência parda do Exército e ex-chefe quer do hoje vice-presidente quer do presidente. "O Mourão é uma estrela", resumiu ao site The Intercept Brasil. Decisivo para a união entre Mourão e Bolsonaro na mesma candidatura nas eleições de 2018, Assis ainda acrescentou: "O Mourão vai ser presidente da República em 2022. Ou antes. Tudo pode acontecer."