Habilitações
O primeiro-ministro tem tido a legalidade dos seus graus sob escrutínio e soube-se ser licenciado pela Independente. Apanhado no meio do escândalo da universidade privada sem ter nada a ver com isso, Sócrates viu-se mordido pelos media. Alguns membros da elite política, seguros dos seus pergaminhos académicos, sorrirão. Portugal tem uma elevada taxa de elitismo social e académico no topo da classe política e já Salazar tinha dificuldade em falar com não licenciados; quase metade dos seus ministros eram professores universitários. Os republicanos não diferiam muito. De Afonso Costa a Sidónio Pais, os pergaminhos da elite abundavam. O "você sabe com quem está a falar?" aplicava-se independentemente do regime. Salazarismo e marcelismo complicaram as coisas. Quando a democracia e alguma democratização da classe política caracterizavam a Europa, Portugal era dirigido por uma elite autoritária fechada, altamente escolarizada, que impunha uma distância social muito grande à grande maioria. Será que os portugueses se habituaram à ideia? Com grande desigualdade social e difícil mobilidade ascendente via escolarização, é natural e desejável canudo ser apreciado, mas a democracia deveria ter mudado esta relação. Sócrates representa uma geração de políticos que os fundadores da democracia não devem apreciar muito, mesmo que o não digam. Não é produto do activismo próximo das clivagens anti-autoritárias. Não se destacou profissionalmente, nem tem percurso notável de estudante. É já produto de uma juventude marcada pela rápida profissionalização política, como muitos da sua geração. Quando traçam biografias de dirigentes políticos, muitos jornalistas procuram traços de singularidade e até genialidade: o grande resistente e salvador da democracia (Soares); o grande estudante (Guterres); o professor-economista (Cavaco); o dirigente estudantil (Sampaio); o grande advogado. E se Sócrates ficar apenas como político de qualidade? Não chega. Os portugueses não apreciam os políticos profissionais e as elites não se deixam embalar. Mas se calhar é pena: até ver, não há correlação virtuosa entre qualidade política e alta escolaridade. E o que faz correr alguns a terminar cursos à pressa é a deferência e respeito ante um grau universitário - popular na opinião pública e que pode ser factor de humilhação ante os seus pares.