O perigo está identificado desde 2013, quando uma bactéria denominada Xylella fastidiosa dizimou os olivais em Apúlia, no sul de Itália, levando ao abate de milhões de árvores. Nos últimos anos, este agente infeccioso saltou fronteiras para os restantes países europeus - Portugal incluído - que se têm esforçado por travar a disseminação da praga, que pode afetar mais de 300 espécies vegetais, e não tem cura..Agora, um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) traça vários cenários possíveis para a propagação da doença nos olivais, estimando custos que podem ultrapassar os vinte mil milhões de euros..O trabalho traça cenários a longo prazo - num espaço temporal de 50 anos - para Espanha, Itália e Grécia, os três países do sul da Europa que, no seu conjunto, representam 95% da produção de azeite na União Europeia. Portugal não está incluído. No cenário mais pessimista, de disseminação da Xilella fastidiosa nos olivais, os autores estimam que os custos possam atingir os 16,8 mil milhões de euros em Espanha (o maior produtor mundial de azeite), cinco mil milhões em Itália e dois mil milhões na Grécia. No caso espanhol, as perdas de produção podem ir da casa dos 5%, no melhor dos cenários, a quedas de 40 a 50%, se nada for feito para conter a praga..Os investigadores concluem que as áreas de cultivo de oliveira nestes três países são propensas à disseminação da bactéria, que se está a espalhar ao ritmo de cinco quilómetros ao ano. As condições climatéricas também são favoráveis à propagação. É, por isso, imperioso que sejam tomadas medidas para conter a praga, como a imposição de cordões sanitários em torno das zonas infetadas, bem como a substituição das árvores por variedades que têm mostrado resistência à doença..Em declarações à BBC, um dos autores do trabalho, Kevin Schneider, da Universidade de Wageningen, na Holanda, admite que a produção de azeite pode vir a ser afetada - o que, inevitavelmente, teria consequências no preço final cobrado ao consumidor..Há 69 focos identificados em Portugal.Durante anos confinada aos Estados Unidos, a Xylella fastidiosa foi detetada pela primeira vez na Europa em 2013, no sul de Itália. Em 2015 chegou ao sul de França, em 2016 foi detetada na Alemanha e nas Ilhas Baleares e em 2017 apareceu em Alicante, na Andaluzia..Em janeiro de 2019, a bactéria foi pela primeira vez identificada em Portugal, em Vila Nova de Gaia, em plantas ornamentais como a lavanda..Muito embora a devastação provocada pela Xylella fastidiosa nos olivais do sul de Itália tenha centrado as atenções sobre os efeitos nas oliveiras, esta está longe de ser a única árvore vulnerável à bactéria, que ataca também amendoeiras, cerejeiras ou figueiras, plantas ornamentais e flora espontânea. A vinha - outra atividade económica com grande peso em Portugal - também é suscetível de infeção..A bactéria ataca a circulação de fluídos nas plantas, fazendo com que sequem e morram. Mas há plantas assintomáticas que, ainda assim, podem servir como transmissores. A propagação é feita por insetos que sugam a seiva das plantas - se o fizerem num exemplar infetado, irão depois contaminar outras plantas. As oliveiras, sobretudo exemplares mais velhos, são consideradas particularmente vulneráveis..De acordo com dados do ministério da Agricultura, até ao final de março "estavam identificados 69 focos [de infecção por esta bactéria] em espaços públicos, jardins particulares e vegetação espontânea". Todos relativamente próximos - 43 em Vila Nova de Gaia, 23 em Santa Maria da Feira e três no Porto..Até agora a grande maioria de plantas infetadas são "plantas ornamentais, algumas arbustivas e algumas árvores", pertencentes a "25 espécies vegetais" diferentes - mas a lista já inclui sobreiros e carvalhos..Segundo o ministério tutelado por Maria do Céu Albuquerque, foram "destruídas 11 144 plantas e cerca de 1250 m2 de plantas herbáceas", números que incluem as plantas infetadas, mas também outras espécies que se encontravam nos espaços infetados e que são também vulneráveis à bactéria, pelo que são igualmente destruídas..Sempre que é detetado um exemplar contaminado, todas as plantas num raio de 100 metros que sejam suscetíveis à subespécie da bactéria (que tem pelo menos cinco subespécies diferentes), são destruídas. É também constituída uma "zona tampão de cinco quilómetros de raio, na qual são intensificadas as inspeções e as amostragens para despiste laboratorial". É também feita a "monitorização dos insetos para deteção" de transmissores..Se a bactéria se dissemina "é um pesadelo".No Alentejo, região que tem mais de metade dos 361 483 hectares de olival que existem em Portugal, a Xylella fastidiosa é vista com preocupação. "Esperemos que não aconteça. Se acontece é um pesadelo", diz Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Olivum - Associação de Olivicultores do Sul.."É muito preocupante. Em Espanha o setor do olival representa 1800 milhões de euros. Em Portugal representa 620 milhões de euros", acrescenta, mas sublinhando que o problema é mais generalizado: o perigo é "comum ao olival, à vinha e a todas as árvores de fruto. Fala-se muito da oliveira porque em Itália as perdas económicas foram no olival, mas se isto chega a Portugal em força, esperemos que não, pode afetar inclusivamente a vinha. Em Espanha, em Alicante, a Xylella foi identificada numa amendoeira, nem foi em olival"..Além de uma cerca sanitária em redor de áreas infetadas, o que mais se pode fazer para diminuir o risco? "Investigação: criar variedades mais resistentes para o vetor [transmissor]. Ao nível do olival há variedades que já são resistentes, mas não se pode arrancar todo o olival que existe para substituir por essas variedades, digamos que seria uma grande empreitada. Mas a ciência está a dar passos positivos. Em Itália o que aconteceu foi sobretudo nas árvores com mais idade, a maior parte do olival em Itália é tradicional, muitas das árvores são centenárias", refere Gonçalo Almeida Simões..Desde 2014 que está implementado em Portugal um programa de prospeção fitossanitária dirigido especificamente à Xylella fastidiosa. Segundo o ministério da Agricultura "este programa inclui inspeções a várias culturas importantes, como é o caso dos olivais, onde são feitas inspeções visuais e sempre que necessário colhidas amostras para despiste laboratorial". No caso de espécies vegetais consideradas de maior risco - como a oliveira e a amendoeira - todas as plantas "são testadas, nos viveiros, antes da sua colocação no mercado". O programa incide igualmente sobre os insetos vetores da bactéria, no sentido de detetar o agente infeccioso..Embora o estudo divulgado na PNAS não incida sobre a realidade nacional, os cenários traçados não deixariam de ter um efeito devastador também em Portugal, num setor que tem vivido em franca expansão. Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados em fevereiro, apontam para números recorde nos últimos 80 anos. "As previsões agrícolas, em 31 de janeiro, apontam para uma produção historicamente elevada de azeitona para azeite, de mais de 940 mil toneladas, a maior desde 1941", dizia então o INE, em referência a 2019. Um aumento de 30% face à campanha do ano anterior.."No Alentejo, que nos últimos cinco anos produziu em média mais de 70% da produção nacional de azeitona para azeite, a carga de frutos dos olivais intensivos e superintensivos foi superior à da campanha anterior", prosseguia o INE, fazendo uma previsão um pouco menos otimista para a região de Trás-os-Montes, responsável por 15% da produção nacional de azeitona nos últimos cinco anos..Portugal é o sétimo produtor mundial de azeite, representando 3,46% da produção mundial, atrás da Espanha (que abarca mais de 43% do total mundial), Itália, Grécia, Tunísia, Turquia, Marrocos e Síria. Com a exportação de azeite a crescer de forma significativa nos últimos anos, Portugal tem como maior mercado exportador (extra União Europeia) o Brasil e tem apostado no mercado chinês, que tem vindo a aumentar o consumo de azeite.