"Há um risco muito claro de o Brasil cair numa ditadura"

Vencedor do prémio Leya, o escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, 39 anos, dedica a distinção a todos os brasileiros que lutaram contra a ditadura militar e foram presos e torturados. Vai votar Haddad e receia que se Bolsonaro ganhar o Brasil volte a um regime totalitário
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Qual a importância de ganhar o prémio Leya?

O prémio Leya se consolidou como um dos mais importantes para livros inéditos para autores de língua portuguesa. Recebê-lo é uma honra e uma surpresa também, mesmo sabendo da qualidade dos concorrentes, dos países que concorrem, eu fico honrado com o prémio.

O seu romance premiado, Torto Arado, aborda o universo rural do Brasil e a mulher que é sacrificada na sociedade patriarcal. Essa forma interventiva, de fazer política, está sempre presente na sua literatura?

Eu acredito que todo o ato nosso, do artista, é um ato político. Eu costumo citar Hanna Arendt na obra A Condição Humana em que ela fala que os três pilares na vida ativa do Homem seriam o trabalho, a obra, a ação e o discurso. A ação e o discurso é a dimensão política da nossa vida. Quando estamos a comunicar estamos, de alguma forma, fazendo política. E uma obra literária tem um alcance muito grande, uma capacidade de humanizar e comunicar a experiência humana que não pode ser desprezada. Eu aproveito a arte para dar voz aos excluídos. É assim que eu conduzo a minha carreira.

Um pouco como fazia o nosso escritor premiado com o Nobel, José Saramago...

O José Saramago, meu grande mestre, eu sou um leitor aficionado, admirador da obra de Saramago. E de outros autores portugueses contemporâneos como o Walter Hugo Mãe, o José Luís Peixoto, a Inês Pedrosa, a Teolinda Gersão...tenho uma profunda admiração pelos escritores portugueses.

No seu Facebook tem um apoio expresso ao candidato do PT, o Haddad. Em Portugal temos dado cobertura às eleições do Brasil. Tem medo que o resultado seja outro?

O Brasil vive um momento dramático e estamos mobilizados em prol da democracia. Existe um sentimento de medo que permeia pelas pessoas que entendem a importância da democracia. Estamos unidos e mobilizados. O candidato adversário (Bolsonaro) tem uma agenda claramente fascista. É uma pessoa que apoia a tortura, que é contra as minorias, então, agente tem visto tudo isso com muita preocupação mas, ao mesmo tempo, estamos encontrando forças para nos mobilizarmos e combatermos todas as formas de repressão que ele representa.

Se Bolsonaro ganhar as eleições há o risco de o Brasil virar uma ditadura?

Há um risco muito claro principalmente pelas declarações que esse candidato deu no passado e continua a dar. É um total desprezo pela democracia. Existe um risco muito claro que ocorra uma escalada autoritária, de o Brasil virar uma ditadura. E não sabemos se haverá uma próxima eleição caso ele ganhe.

E está a acontecer um movimento global contra Bolsonaro, fora das fronteiras do Brasil...

Sim, sim. O apoio da comunidade internacional nesse momento ao país é muito valioso. Então eu recebo essa notícia do prémio com muita satisfação. Quero dedicar a todos os meus compatriotas que lutam pela democracia. Muitos nasceram na ditadura como eu, muitos foram presos e torturados. A duras penas construímos essa democracia e não queremos perdê-la de forma alguma.

Voltando ao seu livro premiado, onde foi buscar inspiração?

Embora o Torto Arado seja um livro de ficção eu tenho uma inspiração clara na vida das comunidades rurais do Brasil.

De onde vem essa inspiração, de histórias da família?

Não. Foi um contacto mais tardio. Eu nasci na cidade, venho de uma família urbana, tenho inclusive bisavós que emigraram de Portugal para o Brasil. A família de meu pai tem ascendência indígena. Tive esse contacto com as comunidades rurais brasileiras nos últimos 20 anos. Eu pude conviver com eles durante muito tempo e trazer isso para o meu trabalho.

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