Há só uma saída para o impasse espanhol: a política
Em quatro anos, sem partido maioritário nem coligação sólida, Espanha teve de recorrer a quatro eleições. Poderia ser um hábito instalado à espera de uma inevitável solução, mas o nosso vizinho evidenciou, ontem, uma crise maior - e estar mesmo aqui ao lado devia preocupar-nos mais do que acontece. Espanha não é questão de birras entre partidos que pode ser resolvida razoavelmente com gestão corrente entremeada por sobressaltos, como acontece há anos na Bélgica e em Itália; nem é só erro grave de políticos medíocres como o que levou ao Brexit.
Espanha tem uma condição estrutural: a unidade nacional está minada por independentismos que alimentam, por reação, a extrema-direita espanhola. Por isso Espanha é um drama a deslizar para tragédia (e se os dramas, vistos da varanda, podem não assustar, as tragédias, acreditem, nunca são boa vizinhança).
Ontem, os partidos independentistas alicerçaram a votação nas suas regiões e o Vox tornou-se a terceira força nacional no Congresso de Madrid, duplicando os deputados (de 24 para 52), desde as eleições gerais de abril. O Vox ainda há onze meses não tinha um só eleito, até em dezembro passado eleger deputados no parlamento regional da Andaluzia. O sucesso do partido de extrema-direita só disparou depois da tentativa do referendo independentista da Catalunha.
Durante as recentes décadas de democracia, a vida política espanhola tem sido conduzida de forma alternada pelos partidos líderes dos dois blocos de esquerda e direita, PSOE e PP. Quase hegemónicos nas suas áreas, os dois governaram, ou sozinhos ou em alianças com partidos regionais autonómicos. A irrupção do independentismo catalão e o consequente empurrão que isso deu à extrema-direita espanhola conduziram ao impasse geral, agora decretado e sem fim em vista.
Hoje, no seu Twitter, David Jiménez, ex-diretor do jornal El Mundo e recentemente entrevistado pelo DN, explicou a ascensão fulgurante do Vox: "Os meios de comunicação deram ao Vox os escaparates, os independentistas deram os esteróides, o Ciudadanos e o PP, a legitimidade, e Sánchez, a oportunidade - um trabalho de equipa..." Os jornais com a sua irresponsabilidade, os independentistas na sua natural função de tratar Espanha como inimiga, a direita na cobardia em não se livrar de cúmplices infrequentáveis e o líder do PSOE, com a sua tolice política marcando eleições sem esgotar as alianças, criaram, pois, este Vox medonho. Mas se, como bem diz Jiménez, este é insuflado pelos independentistas, a saída do impasse em Espanha exige dupla resposta.
O independentismo sequestrou o PSOE numa posição dúbia por causa das necessárias alianças deste à sua esquerda (Podemos) e com autonomistas moderados. Sem vigor nem clareza em impor aos seus naturais aliados que Espanha não se discute, o PSOE arrisca-se a passar por cúmplice do ataque à unidade do país. Por seu lado, o Vox chantageia o PP e o Ciudadanos a impô-lo como aliado (com o já o é nos governos da Andaluzia e de Madrid) em políticas liberticidas e racistas.
As eleições de ontem, como demonstrou o uso de "pactómetros" impossíveis de alianças (meras somas), assinalam o impasse dos jogos políticos. Pois é, o tempo é de outra coisa mais difícil: política. Urge uma discussão clara, inteligente e com vontade, dos que dão prioridade a Espanha: contra a extrema-direita e os independentismos. E nessa frase, da esquerda à direita, o "e" é imprescindível.