Desde criança que Angela Saini gosta de ciência e desde pequena que se habituou a ser uma das poucas raparigas no seu campo - do lançamento de pequenos foguetes na infância aos mestrados de Engenharia em Oxford e Ciência no King's College. Com o tempo, chegou a perguntar-se se seria diferente da maioria das mulheres. Até que começou a destapar o preconceito da ciência contra as mulheres - que não é apenas visível nos laboratórios atualmente, mas é basilar na ciência moderna, desde o Iluminismo, e afeta os estudos, resultados e o que pensamos que sabemos somos nós, defende. Aliás, os médicos chegaram a defender que "o desgaste mental exigido pelo ensino superior poderia retirar energia do sistema reprodutivo, prejudicando a sua fertilidade", escreve Saini..Serão as mulheres mais empáticas e os homens mais sistemáticos, por exemplo? Serão eles naturalmente promíscuos e elas recatadas? Serão elas e eles tão diferentes que parecem vir de planetas distintos? Ou é apenas má ciência? Para Saini, durante séculos, os cientistas (homens) ignoraram metade da humanidade ou olharam para ela com uma visão distorcida pelos preconceitos do seu tempo. Pior, argumenta, a ciência foi instrumentalizada para justificar as estruturas de poder que subjugavam as mulheres e outras raças. E ainda é..Porque quis escrever este livro? Esta não é a minha área académica de formação, porque estudei engenharia e, como jornalista de ciência, cobria a área das ciências físicas e não biologia. Mas quando voltei da licença de maternidade, e não estava em posição de escolher o trabalho que queria fazer, foi-me pedido que escrevesse sobre a menopausa, a história do último capítulo, e fiquei fascinada por existir claramente um preconceito a influenciar o tipo de ideias e teorias que as pessoas tinham e os resultados que conseguiam. Especialmente porque no dia-a-dia há tantos estereótipos e suposições sobre quem somos, sobre o que podemos e não podemos fazer, e quis ver o que diz a ciência, saber no que posso confiar..Mas descobriu muita ciência que não é confiável. Ficou surpreendida ao descobrir que os preconceitos podiam desempenhar um papel tão importante na ciência? Não fiquei chocada, mas a extensão do preconceito e a forma como ainda afeta o que achamos que sabemos é surpreendente, especialmente em áreas em que achei que as pessoas eram muito mais objetivas e tinham muito mais cuidado. E fiquei desiludida porque uma das razões para gostar tanto da ciência e escolher estudar engenharia foi porque achava que era um mundo de objetividade e racionalidade, que lidava com factos e não com emoções ou sentimentos subjetivos. É assim que nos vendem a ciência quando somos crianças, é o mundo dos factos, e na realidade não é assim que funciona. E se és um cientista sabes que não é assim, é só a forma como é retratada para o público. De cada vez que um artigo é publicado é como se fosse uma verdade absoluta e na realidade não é, é um processo..Mesmo que na semana seguinte seja publicado outro com uma teoria contrária... Sim, e é por isso que é confuso para o cidadão comum e uma das razões pelas quais as pessoas perdem a confiança nos cientistas, porque sentem que não podem saber o que fazem se estão sempre a contradizer-se e a mudar. Mas é assim que funciona o processo científico, é preciso ter ideias, testá-las, ver se as teorias se confirmam e, se não, ou se aparecem outras evidências, muda-se..Aponta no livro casos de cientistas que não mudam de todo e se agarram às teorias. Aliás, a ideia que fica é que se eu quiser passar a ideia de que os cérebros femininos e masculinos funcionam de formas muito diferentes basta entrevistar as pessoas certas. É possível fazer isso? É possível afirmar o que quiser se escolher os cientistas certos e isso é parte do problema, porque quem tem uma agenda política procura os cientistas que apoiam qualquer que seja o ponto de vista que querem passar e depois usam aquela ciência para elevar o ponto de vista. Podem ter de manipulá-la, distorcê-la ligeiramente para funcionar, mas conseguem fazê-lo e foi sempre assim. O meu último livro, que saiu em maio, Superior, é sobre ciência racial e neste campo temos provas claras disto. Sabemos que ao longo dos séculos as pessoas usaram a ideia de raça para justificar a escravatura, o genocídio e o colonialismo e muitas das piores atrocidades das últimas centenas de anos assentam nesta ideia e a ciência foi sempre cúmplice, os cientistas foram cúmplices. E é o mesmo na investigação sobre diferenças entre sexos: há forças no mundo que sempre reprimiram as mulheres e essas mesmas forças operam para afirmar que não podemos ter igualdade e usam a ciência e tentam abusar da ciência para defender esta visão. Portanto, a ciência sempre foi política e surpreende-me que as pessoas digam que não, que é sobre factos, que é neutra. Não é neutra porque é feita por humanos e nós não somos neutros, temos sempre um ponto de vista, um preconceito. E era isso que queria explorar, expor os preconceitos..Até os seus? Até os meus. Quando comecei a escrever Inferior eu também tinha estereótipos e pressuposições. Dada a minha experiência nas ciências, pensava que era diferente das outras mulheres, ao gostar de matemática e ciência. Não sou diferente das outras mulheres, apenas culturalmente e socialmente fui criada com outros princípios, ideias, e as outras mulheres nem sempre têm isso..É uma questão que nos fascina, as diferenças entre sexos. Porque há tanto interesse em procurar diferenças entre homens e mulheres? No livro por vezes compara com a investigação sobre diferenças entre raças, que deixou de ser aceitável, e que é o tema do seu livro mais recente... Há uma grande diferença entre a investigação sobre diferenças entre sexos e entre raças: a primeira é mainstream e há laboratórios e departamentos que são bem financiados para fazer este trabalho, por todo o mundo; com a segunda isso não acontece, é um tabu e apenas as pessoas nos extremos e à margem falam sobre a raça como se fosse real - a maioria dos biólogos aceita-o como uma construção social. Portanto, essa investigação é feita, embora nem sempre se chame assim, às vezes com eufemismos. Mas as pessoas que o fazem como antigamente estão nas franjas e em muitos casos completamente desacreditadas, e muitas vezes são apenas amadores. Mas para mim são afetadas pelos mesmos problemas. Vivemos numa sociedade racista e sexista e, enquanto isso acontecer, os cientistas que fazem este tipo de trabalho vão ser afetados por isso. Se a sociedade é sexista, a ciência é sexista..Mas considera sexista procurar diferenças, ou apenas normal? Estamos sempre a pensar nisso, como seres humanos, não conseguimos evitar. Sempre que alguém tem um bebé queremos saber o sexo da criança, e depois tratamos esse bebé de forma diferente conforme é rapaz ou rapariga, apesar de os bebés, naquela idade, não terem qualquer diferença. É uma questão com grande impacto cultural, o que significa ser homem, o que significa ser mulher? E todas as nossas relações são guiadas pelas ideias que temos sobre as diferenças entre homens e mulheres, quer no casamento, no trabalho e em todos os aspectos da nossa vida. Portanto, é normal que fascine os cientistas. Não é um tabu, porque sabemos que há diferenças entre os sexos biológicos, a nível dos cromossomas, do sistema reprodutor, hormonas. Portanto, a pergunta passa a ser "dado que sabemos que há algumas diferenças, então até onde vão essas diferenças" e é aí que está o grande ponto de interrogação e o que queria explorar..E a que conclusões chegou? Até onde vão essas diferenças entre homens e mulheres? Em primeiro lugar, a resposta é que não sabemos completamente, ainda há muito trabalho a fazer. O que sabemos é que as diferenças entre homens e mulheres não são profundas, especialmente as diferenças psicológicas e mentais, não são muito grandes. E é isso que a investigação continua a mostrar. Portanto, mesmo que as diferenças físicas pareçam indicar mais e as diferenças culturais, em termos do que se espera a nível de comportamento, sejam profundas, a nível psicológico não o são de todo..Mas no fundo é isso que queremos saber, não é? Há muito mais homens em posições de poder, em profissões bem pagas, nas ciências, e a questão é se há diferenças biológicas que justifiquem isso, como alguns afirmam ou pelo menos insinuam, incluindo cientistas. Certo. Podem existir diferenças biológicas ínfimas, não podemos afirmar com certeza que não. Mas, tendo em conta o que sabemos atualmente, o que posso afirmar com toda a certeza, categoricamente, e um ponto em que todos os cientistas concordam, é que de nenhuma forma as diferenças que vemos nos testes psicológicos são responsáveis pelas diferenças que vemos na sociedade. As diferenças na sociedade são enormes, as dos testes são minúsculas. Por isso, tem de haver outra justificação qualquer e tem de ser política, cultural, a forma como nos tratamos uns aos outros e as expectativas que pesam sobre o nosso comportamento. Até resolvermos essa parte da equação, não podemos realmente resolver o resto. Porque não estamos em iguais circunstâncias, não criamos as pessoas da mesma maneira, e assim nunca teremos a resposta a esta pergunta..Quando Darwin disse que as mulheres eram intelectualmente inferiores, uma das críticas respondeu que não era possível julgar-nos até que os nossos ambientes fossem iguais, porque não há um cientista que se atrevesse a tirar conclusões comparando pessoas a viver em ambientes e circunstâncias diferentes. Se criássemos as raparigas da mesma forma do que os rapazes, sem os expor a ideias sobre o que é ou não apropriado, sem estereótipos, então talvez conseguíssemos fazer essa experiência..Mas isso é impossível. Um exemplo: em Portugal, há uns meses foi publicado um estudo que dizia que seriam precisas cinco a seis gerações só para conseguir uma partilha equilibrada das tarefas domésticas entre homens e mulheres, nos casos em que ambos trabalham fora de casa. O que podemos fazer então? Quando falamos de igualdade no geral acho que cinco ou seis gerações é uma perspetiva otimista, porque há tanto para fazer. Isto não é apenas sobre as mulheres votarem ou terem direito a fazer os trabalhos que os homens fazem, é sobre uma mudança mental, sobre pensarmos de forma diferente uns sobre os outros e sobre nós próprios, perdermos estas ideias de superioridade e inferioridade, sobre os homens aceitaram papéis na sociedade que atualmente não desempenham e as mulheres fazerem o mesmo. Mesmo que leve quatro gerações, acho que será fantástico..Também há quem ache que já se fez tudo, que as mulheres já têm o suficiente, que não há mais mulheres nas ciências porque elas não querem. Surpreende-me sempre quando as pessoas dizem que as mulheres podem fazer o que quiserem, que têm liberdade para isso. Quanta liberdade existe quando sabemos que o sexismo é tão abundante na sociedade? Que para uma cientista é muito mais provável ter de enfrentar sexismo, discriminação e assédio sexual, quão livre é ela? Quão livres somos nós quando as mensagens da televisão e filmes nos dizem que as mulheres não nasceram para isto, que seria melhor e mais fácil fazerem outra coisa. Não somos livres, as escolhas que fazemos são mediadas pelo mundo em que vivemos. Não te podes sentir livre quando sabes que ser cientista significa trabalhar muitas horas e viajar e sabes que queres ter filhos, mas o teu parceiro não partilha as responsabilidades em casa. Portanto, esta ideia de que as mulheres são livres para fazerem o que querem e o mundo é sua ostra é apenas ridícula, porque não vivemos nessa sociedade. E estou farta dessa explicação porque tira a responsabilidade dos homens..Qual é a responsabilidade dos homens? Sabemos que as mulheres tentam entrar, estão bem representadas nas universidades, mas desaparecem quando subimos na hierarquia. Quais as razões para isto? Não conseguem ter sucesso em carreiras que estão desenhadas para que falhem - subestimamos a verdadeira dimensão do problema do sexismo, discriminação e assédio sexual nas ciências. É prevalente. Tenho dado muitas palestras desde que o livro saiu e não há nenhuma em que uma ou mais mulheres não venham ter comigo no final a contar-me histórias destas, sobre o quão difícil é ser uma mulher na ciência e sobre como querem sair. Muitas vezes em lágrimas, contam-me histórias de assédio e de como a universidade nada fez. E não é só na ciência. E nós não responsabilizamos os homens o suficiente para fazerem frente ao problema..Alguns dos estudos que questiona no livro são de cientistas reputados, como o de Simon Baron-Cohen [de Cambridge] sobre as diferenças entre bebés de um dia, que diz que estas são significativas e que as mulheres são mais empáticas, eles mais sistemáticos. Este estudo, por exemplo, teve imensa publicidade, foi reproduzido em livros de desenvolvimento infantil e é citado quando se discute as diferenças entre sexos. Refere muitas críticas, mas diria que é má ciência? Sim. Diria que sim. Críticos do Baron-Cohen nas neurociências chamam-lhe neurosexismo e acho que se algo que não foi replicado, especialmente algo com implicações tão profundas, se existiam grandes questões sobre o teste logo de início, então pode ser considerado boa ciência? Só porque foi revisto por pares e publicado não quer dizer que seja boa ciência. Neste caso é má ciência que saiu da academia e entrou no mainstream e está a afetar a forma como as pessoas pensam nos seus filhos e como os criam. Acho que o estudo devia, pelo menos, ter sido replicado antes de começar a ser usado como forma de justificar as diferenças entre sexos a partir do nascimento. Não é bom o suficiente. É um bom exemplo de como cada vez que lemos um estudo devemos usar o nosso sentido crítico e questionar, perceber o contexto, que estudos corroboram aquelas conclusões. E neste caso nenhum estudo diz nada semelhante. Não há nada..Mas há muitos problemas com a incapacidade de replicar estudos, ou de chegar às mesmas conclusões... Acho que sempre houve, não é como se agora houvesse mais más ideias. Mas acho que a forma certa de reagir a estudos que não foram replicados, sobretudo estudos como este que têm implicações profundas na forma como nos vemos, é esperar. O Baron-Cohen não precisava de falar sobre aquele estudo nos seus livros, e usá-lo como exemplo, quando ainda não tem provas suficientes..E como jornalista de ciência, acha que o problema é amplificado pela forma como os estudos são noticiados? Sim e eu compreendo as dificuldades quando se é jornalista e aparece um estudo sexy e o editor adora e sabe que vai dar imensos cliques, entendo a pressão. Mas especialmente agora quando há tanta pseudociência e notícias falsas online, quando o público está tão confuso, quando vemos negacionistas das alterações climáticas, pessoas que defendem que a terra é plana e movimentos antivacinação, o que publicamos tem consequências no mundo real. O movimento antivacinação está a matar crianças. Não é uma coisa sem importância. Temos a responsabilidade de ser cuidadosos, especialmente sobre raça e sobre sexo porque isso molda a forma como pensamos uns sobre os outros e também a política do mundo em que vivemos. Sabemos que o nacionalismo e o populismo estão a crescer, sabemos que há elementos que estão a tentar forçar as mulheres de volta a papéis tradicionais, o movimento antiaborto dos Estados Unidos, o que está a acontecer na Hungria e na Rússia. Há pessoas que adorariam que a ciência dissesse que as mulheres são naturalmente donas de casa e que não pertencem à esfera pública, e que os homens nasceram para liderar e estar no poder. Por isso, como jornalistas, como mediadores entre os cientistas e o público, temos de pensar de forma crítica sobre isto..Mas no livro também desafia a base do papel tradicional das mulheres. Aliás, diz o que papel das mulheres foi muitas vezes ignorado e desvalorizado pela ciência até as mulheres começarem a fazer ciência. A ciência parece ser escrita pelo vencedores, por quem manda? É sempre uma questão de poder. O conhecimento é uma arma poderosa e a ciência também, sempre foi. Por muito que queiramos pensar nela como objetiva, a ciência foi sempre usada como ferramenta por aqueles que estão no poder para reforçar o seu domínio. E isso é exatamente o que tem estado a acontecer, a ciência ocidental desde o Iluminismo excluiu deliberadamente as mulheres, o acesso às universidades e às academias científicas era-lhes negado. Que razão existe para fazer isto a não ser que exista uma vantagem para um determinado grupo, para manter o seu poder? Dado que a ciência é política, temos de entender estas hierarquias e dinâmicas de poder pelo que são e a forma como moldaram o aspeto da ciência, dominada por homens brancos durante séculos, mas também o tipo de investigação que é feito e publicado. O que esperamos que as pessoas no poder digam sobre elas? Vão dizer que merecem esse poder, que é natural. Não há argumento mais poderoso do que dizer o meu poder é natural, porque não se pode discutir com isso. Se disser o meu poder resulta de historicamente eu ter mais dinheiro, de o meu avô ter lutado contra esta pessoa e ter ganho e por isso agora estou no poder... é muito mais fraco do que dizer que é natural..Mas uma das questões que intrigam é como se criaram estas estruturas de poder, em que as mulheres foram completamente excluídas? Essa é a grande questão: porque dominam os homens? Não temos muitas respostas, porque não podemos viajar ao passado e ver exatamente como mudaram as circunstâncias das mulheres em algumas partes do mundo, e mudaram de forma diferente. Ainda existem algumas sociedades matriarcais, ainda existem sociedades em que as mulheres têm mais iniciativa sexual ou poder. E como em cada um dos casos as mulheres ficaram na posição em que estão agora é uma questão muito difícil de resolver. O que podemos dizer, acho, é que o patriarcado não foi sempre a regra, que teve uma origem. Acho que é uma pergunta por responder, mas acho que é uma questão histórica. O que sabemos é que as circunstâncias mudaram e que os homens depois consolidaram o poder, criando instituições religiosas, culturais e sociais que excluíram as mulheres ou as mantiveram subjugadas. É o mundo em que vivemos, mas acho que não há razão para não mudar..Argumentar que as diferenças são biológicas é um argumento para não mudar? Imaginamos que estas diferenças são biológicas, mas é apenas porque a cultura tem um impacto tão profundo que parece biológico. Tirando coisas óbvias como ter filhos, é a cultura que nos diz para tratar as crianças de forma diferente a partir do momento em que nascem, para vesti-las de maneira diferente, para lhes dar noções diferentes do que significa ser bem-sucedido. Cada pequeno aspeto da vida da criança é influenciado por fatores culturais e acumulam-se e acumulam-se até termos adultos diferentes. Devemos ficar surpreendidos com as diferenças entre homens e mulheres quando tudo o que fazemos é treiná-los para isso? Desmantelar isso é um enorme trabalho que levará gerações. Só espero, dado o panorama político atual, que ganhem as pessoas que querem justiça e igualdade e não as que querem fugir à razão e regressar a um mundo em que as mulheres são novamente dependentes. Isto não é mulheres contra homens, a mudança nunca acontece se só metade da sociedade quiser, precisamos de aliados..Tem falado neste livro como uma espécie de arma para as pessoas combaterem ideias erradas sobre as mulheres, até as propagadas pela ciência. Já o escreveu há dois anos. Como tem sido a experiência de divulgá-lo, sobretudo numa altura em que as pessoas parecem ignorar os factos? Tem sido duro e instrutivo. A resposta das cientistas, e de muitos homens cientistas, também tem sido incrível. TheGuardian descreveu-o como um grito de guerra e não sei se é tanto, mas ajudou um movimento que já existia para criar mudança na ciência. Mas, ao mesmo tempo, desde que comecei a escrever este livro, Trump foi eleito e houve tanta mudança política e uma reação contra os esforços de conseguir equidade de género e parte disso inclui a disseminação de factos pseudocientíficos, notícias falsas, ideias estranhas que vão buscar inspiração ao século XIX sobre homens e mulheres, quem somos e o que significa o género. É muito difícil convencer essas pessoas, que têm objetivos políticos e que estão à procura de ciência que apoie esses objetivos e usam isso para apoiar os seus preconceitos. É muito difícil debater com essas pessoas porque não querem ouvir os argumentos, o outro lado..Fez sempre esse esforço no livro, de ouvir os vários lados? Sim, fiz esse esforço. E há pessoas a quem consegui chegar. Já recebi e-mails de homens que me dizem ter mudado a forma como pensavam, mas está a tornar-se mais difícil por causa da internet e dos media sociais. Há tanto lixo a ser publicado online e as empresas não mostram qualquer responsabilidade. Então as regras que temos na sociedade sobre o discurso público na internet são atiradas pelo ar. É esse o nível de debate que se vê na internet, com as pessoas a atirarem lama. Não conseguimos ter uma conversa razoável quando há anónimos, sabe-se lá onde, a gritar repetidamente que as mulheres têm cérebros mais pequenos e são mais estúpidas. Espero que se faça algo sobre isto para que exista informação mais confiável, um debate melhor, e deixar para trás ideias irracionais como a de que a terra é plana. Mas para que isso aconteça é preciso reformar a internet. O que a internet criou não é um mercado de ideias em que ganha a melhor, é um sítio para pessoas com ideias malucas encontrarem-se umas às outras e ganharem força - o contrário do que se pretendia. Por isso temo pelo futuro. Jordan Peterson é o grande bestseller do momento e as ideias dele são disparates científicos, os cientistas não se dão ao trabalho de responder porque é um disparate tão grande. Nele temos o intelectual que merecemos com a internet, porque é esse o estado do debate.