A Polícia Judiciária deteve nos primeiros seis meses do ano 68 pessoas, na maioria homens, por abuso sexual de crianças e constituiu ainda 248 arguidos (identificados mas não detidos). No conjunto, em média, a PJ fez quase dois arguidos por dia (1,7) por um crime que é transversal a todas as classes sociais. Os alegados abusadores são homens, na maioria dos casos.. E se a realidade ainda nos mostra que este é cometido entre quatro paredes, praticado na maioria entre familiares, também acontece ser muito utilizado como instrumento na disputa parental por um filho, em casais em separação..Colocado no Tribunal de Família e Menores do Barreiro, o juiz António Fialho já apreciou muitos casos de alteração da responsabilidade parental por causa de um processo-crime que está a correr e em que o pai do menor é visado por abuso sexual. O processo Casa Pia tornou "muito frequentes as alegações de abuso sexual em casos de disputa parental", adiantou o juiz, acrescentando que atualmente "nos mesmos casos são mais frequentes as denúncias de violência doméstica". Como explicou, as queixas por abuso sexual - na maioria dos casos apresentadas pela mãe dos menores contra o pai - chegam aos tribunais de família e menores por via da transferência da responsabilidade parental (que pode vir a ser alterada devido ao processo-crime)..Muitos dos casos de abuso sexual de crianças não chegam sequer aos tribunais por medo ou por vergonha das vítimas em contar o que se passou, adianta fonte judicial..Os números da Judiciária dizem-nos que as participações por este crime diminuíram ligeiramente neste ano, se compararmos períodos homólogos. No primeiro semestre de 2014, a PJ deteve 74 pessoas por abuso sexual de crianças e constituiu 315 arguidos. Na maioria dos casos, os crimes são praticados entre familiares (o pai, o tio, o padrasto) e são marcados por um véu de vergonha e silêncio que se pode prolongar por anos. Já os casos de falsas denúncias e instrumentalização do crime por pais em divórcio e em disputa pelos filhos não estão contabilizados nem são consensuais no meio judicial.."Nunca assisti a casos falsos".A experiência da magistrada Dulce Rocha, vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança, que também trabalhou muitos anos como procuradora em tribunais de família e menores, é a de que "não existem falsas denúncias, ou se existem são uma ínfima minoria". Dulce Rocha é perentória: "Nunca assisti a casos falsos". "Todos os estudos que conheço dão uma percentagem mínima de casos arquivados por as denúncias serem falsas. Aliás, acho que essa questão é usada para a descredibilização das vítimas." Dulce Rocha recorda ter trabalhado em processos em que o abusador sexual era o pai, o tio ou o avô, com as denúncias apresentadas pelas mães dos menores que chegaram a presenciar os atos..Família ilustre no banco dos réus.O fenómeno do abuso sexual é transversal a todas as classes sociais. Atualmente, está a ser julgado nas Varas Criminais de Lisboa um processo por abuso sexual de criança que começou por ser arquivado pelo Tribunal de Instrução Criminal por falta de indícios do crime e depois, em sede de apreciação de recurso na Relação de Lisboa, acabou por haver a decisão contrária, de mandar para julgamento. Trata-se de um caso que envolve uma família ilustre. No banco dos réus, Frederico Abecasis David Cardigos, 45 anos, ex-diretor regional dos Assuntos do Mar dos Açores, e sua mãe, Maria Leonor Braga Abecasis, 73 anos, filha de um major-general e sobrinha de um antigo presidente da Câmara de Lisboa (Nuno Krus Abecasis)..O pai e a avó são acusados de terem infligido vários abusos sexuais à criança, entre os Açores e Lisboa, de julho de 2012 a maio de 2013, segundo o despacho de acusação a que o DN teve acesso. O menor tinha 3 e 4 anos à data dos factos. Os alegados abusos começam quando Frederico Cardigos se separa de Carla Cook e é fixado o regime provisório de responsabilidades parentais, passando a criança a ficar com o pai por períodos de 15 dias. No dia 10 de novembro é a segunda sessão e prevê-se a audição da irmã de Maria Leonor.