Há cursos para professores sem um único candidato e a maioria não chega aos dez

Há um problema grave de renovação do quadro de professores nas escolas públicas, aponta a Fenprof, que está reunida em congresso.
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Um dos cursos de formação de professores do país não teve sequer um único candidato este ano letivo, outro teve apenas uma candidatura e do total de 21 cursos superiores nesta área, mais de metade (12) não chegou aos dez alunos. O retrato negro é exposto pela Federação Nacional dos Professores no seu programa de ação para os próximos três anos, aprovado esta sexta-feira no 13º congresso da Fenprof. Para a maior organização sindical portuguesa do setor, este é um dos maiores desafios que se coloca a uma profissão envelhecida, de onde sairão mais de dez mil professores para a reforma nos próximos anos e onde há apenas cerca de cem com menos de 30 anos.

Ainda recentemente o DN noticiou que dentro de uma década o país terá professores em falta, citando os últimos dados oficiais de diplomados em mestrado integrados da área de Ensino, que datam de 2016 e apontavam para menos de dois mil alunos a saírem das Escolas Superiores de Educação. Mas a situação terá piorado drasticamente de lá para cá, mostra o levantamento feito pela Fenprof no trabalho preparatório para o seu congresso, com registos do ano letivo 2018/2019.

Dos 21 cursos de formação inicial de docentes lançados este ano letivo pelas instituições de ensino superior, em 12 houve menos de 10 candidatos, sublinha a federação. Num caso só houve mesmo um candidato e noutro nenhum. Para este ano, na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior, apenas se preencheram 693 vagas dos 1024 lugares disponíveis em cursos de formação para a docência; nos dois anos anteriores ainda haviam sido mais de mil os que entraram na primeira fase.

Mais, apenas 519 candidatos manifestaram como primeira opção o acesso a cursos de formação de professores, quando no ano anterior tinham sido 853. "Se tivermos em conta que apenas 1,5% dos jovens portugueses admitem ser professores, bem abaixo da média de 5% verificada na OCDE, prevê -se uma situação muito complicada já num futuro próximo", admite a Fenprof.

Isto porque a escala etária da profissão está completamente desequilibrada, a pender para os pontos mais próximos da idade da reforma. A federação liderada por Mário Nogueira socorre-se dos últimos dados publicados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que dizem respeito ao ano de 2017, para mostrar que a idade média dos docentes está a bater nos 50 anos: Educação PréEscolar - 50 anos; 1.º Ciclo - 47 anos; 2.º Ciclo - 50 anos; 3.º Ciclo e Secundário - 49 anos.

No extremo oposto, uma dramática falta de renovação - dos 125 493 docentes que exerciam atividade na rede pública em 2017, só havia 424 professores (0,39%) até aos 30 anos, número que, em março de 2018, o Ministério da Educação atualizou para 121.

Mais de 15 mil reformas em dez anos

Entre 2014 e 2018 aposentaram-se cerca de 4500 professores, contabilizando os dados da Caixa Geral de Aposentações (CGA), e prevê-se que até 2023 mais de 11 mil se reformem. Ou seja, em menos de dez anos, o país terá perdido mais de 15 mil professores apenas por aposentação. A Fenprof ilustra com exemplos por anos: em 2018 aposentaram-se 669 educadores e professores, em 2019 prevê-se que sejam cerca de mil e em 2023 reunirão os requisitos para a aposentação cerca de 3500 docentes.

Situação com "consequências dramáticas", alertam os sindicalistas, que passam desde logo pela falta de passagem de testemunho geracional nas escolas, onde chegarão profissionais "cujos cursos de formação inicial já foram concluídos há largos anos, uma década ou mais, e que, desde então, têm estado em outras atividades ou, na melhor das hipóteses, nas designadas atividades de enriquecimento curricular (AEC)". Como o DN noticiou no final de maio, e a Fenprof agora reforça, "há o risco já iminente de, em diversos grupos de recrutamento, deixar de haver docentes qualificados para substituir os que saírem".

Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio e autor do blogue Arlindovsky, apontou ao DN alguns dos grupos disciplinares onde as carências são mais graves, como o Inglês, a Geografia e a História. Já Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE), destaca Lisboa e Algarve como as zonas do país onde as dificuldades são maiores. "A grande maioria dos professores que ainda não estão colocados é do norte do país. Com ofertas de horários incompletos, para alugar uma casa, assegurar as deslocações, nenhum professor ganha o suficiente. Nalguns casos, não há professores. Noutros, já não há professores disponíveis para irem pagar para trabalhar".

Regime de aposentação para professores

"A profissão docente necessita de um urgentíssimo rejuvenescimento; é uma questão essencial para o futuro", resume a Fenprof num dos principais pontos reivindicativos para os próximos três anos, o que exige ao governo a criação de um regime de aposentação específico para os professores. Uma exigência que não passa pelo chamado regime de pré-reforma criado recentemente, que até já levou à entrega de centenas de pedidos de requerimentos na Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares, para obrigar o governo a clarificar o processo. "Neste momento, a situação na profissão é tão grave que até a tomada de medidas relativas à aposentação requer cuidados para não ocorrerem ruturas, uma vez que, em algumas escolas, o corpo docente já está todo acima dos 50 e, mesmo, 55 anos".

Isso mesmo é enfatizado pelo presidente da ANDE, para quem a solução ideal não passaria pela reforma antecipada da generalidade dos docentes mais velhos e sua substituição pelos mais novos, mas sim por adotar "medidas de transição", como reformas parciais. "Temos o exemplo de Inglaterra onde, a partir dos 50 anos, a maioria dos professores já só estão nas escolas 50% do tempo, para ajudarem a fazer a transição para as novas gerações. Seria importante que os mais velhos saíssem paulatinamente, com alguma calma, e fossem sendo substituídos pelos mais novos".

Já para atrair jovens para a profissão docente, a Fenprof defende medidas que passam pela criação de condições de estabilidade de emprego e profissional, pela valorização social e material dos profissionais e pela melhoria das condições de trabalho nas escolas. E que passam ainda "pelo reconhecimento também discursivo e simbólico da importância social do trabalho dos docentes, ao invés das campanhas promovidas em sentido oposto".

"Aqui não há segredos, assume a federação dos professores, "há é que passar das palavras aos atos e investir nos recursos humanos da educação, que têm sido o principal alvo das políticas de corte no setor. As políticas educativas, no futuro, não poderão deixar de ter em conta a necessidade de valorizar a profissão docente".

Tempo de serviço, precariedade, horários e prova de conhecimentos

Do conjunto de prioridades apontadas pela Fenprof para a futura revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD) está também, desde logo, a reivindicação que marcou os últimos meses da atividade dos sindicatos da Educação e que levou mesmo a uma iminente queda do governo: contabilizar o tempo de serviço que cada docente já cumpriu e posicioná-lo de acordo com essa contabilização.

"A Fenprof defende a contabilização total do tempo de serviço, admitindo-a de forma faseada. Nem assim o governo aceitou, mantendo uma posição de completa intransigência. A Fenprof continuará a exigir o indispensável respeito pelo trabalho dos professores e o seu tempo de serviço, recorrendo a todas as instâncias que se considerarem adequadas, sejam as políticas ou as judiciais".

No ponto a valorização da carreira, o que mais importa para a Federação Nacional dos Professores não é rever a estrutura de carreira neste momento - "embora motivos não faltassem, como, por exemplo, encurtar o leque salarial, aproximando o ingresso dos valores de topo" -, mas repô-la como ela se encontra definida no ECD "e não como resulta de múltiplos ataques, atropelos e subversões".

Outra prioridade é regularizar os horários, garantindo que o horário de trabalho dos professores é, efetivamente, de 35 horas semanais. "É indispensável consagrar que a componente letiva do horário integra toda a atividade desenvolvida diretamente com alunos; que na componente não letiva de estabelecimento enquadram-se as reuniões, bem como toda a atividade que o docente tem de realizar para satisfação das condições de normal funcionamento das escolas e junto da comunidade educativa; que a componente de trabalho individual é integralmente respeitada e que as horas de descanso, lazer e vida pessoal e familiar dos docentes o são também, não sendo sistematicamente reduzidas por força da constante marcação de reuniões e outras atividades a desenvolver para além das 35 horas semanais".

Os dois últimos de cinco "aspetos prioritários a defender num processo de revisão do ECD" dizem respeito ao combate à precariedade - "nas escolas, cerca de 15% dos docentes mantêm vínculos precários; muitos há dez ou mais anos, ainda que estejam a satisfazer necessidades permanentes", a que se somam cerca de 15 mil professores das Atividades de Enriquecimento Curricular "a trabalhar em situação de grande precariedade, com horários, em geral, muito reduzidos, persistindo ainda os recibos verdes, os atrasos no pagamento e o baixo valor de uma atividade que é paga à hora" - e à eliminação definitiva da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, a polémica PACC que o atual governo eliminou mas ainda continua consagrada no Estatuto da Carreira.

"Os fascistas Trump e Bolsonaro"

O 13.º congresso da Fenprof arrancou esta sexta-feira, no Fórum Lisboa, com o Governo e o PS na mira das críticas do secretário-geral, Mário Nogueira, que não esqueceu o primeiro-ministro, acusando António Costa de hipocrisia por "tecer loas" pré-eleitorais aos professores. Mário Nogueira disse aos professores que estes chegam a este congresso "de cabeça levantada", porque lutaram muito, ainda que não tenham conquistado tudo, muito por culpa, acusou, de um Governo que "foi intransigente ao longo de mais de ano e meio, tempo de duração de uma das mais longas farsas negociais na Educação".

O secretário-geral que será reeleito para novo mandato de três anos - os últimos à frente da Fenprof, como já admitiu - disse que "em Portugal, o dinheiro só não falta para os bancos", criticando ainda os milhões de euros perdidos para a corrupção, ironizando que há mais nomes de operações judiciais contra a corrupção, como a Operação Marquês, Face Oculta, e-Toupeira, entre outras, do que nomes para tempestades que têm assolado o país.

O discurso terminou a garantir a continuidade da luta que será decidida em congresso, depois de já ter lembrado a manifestação nacional de 5 de outubro, véspera de eleições, e de ter lembrado ameaças à educação que se vivem em alguns pontos do mundo, como o caso do Brasil, com uma delegação sindical representada no congresso, onde nas últimas semanas houve manifestações contra a política educativa de Bolsonaro.

Ainda no plano internacional, Mário Nogueira criticou o avanço do capitalismo, que "usa os meios que tem ao seu dispor, desde logo os meios de comunicação social, para, sem decoro, manipular em massa, não se coibindo de mentir e, assim, falsear a realidade e branqueia políticos que, contrariamente ao que por vezes se ouve, não são populistas, são mesmo fascistas, como Trump, Bolsonaro, o sujeito que homenageia a tortura e os seus executores, mas também Órban, Salvini, Strache, Marine le Pen, entre outros".

Os novos Órgãos Dirigentes da Fenprof vão ser eleitos pelos mais de 650 delegados ao Congresso neste sábado, o último dia do congresso.

Com P.S.T.

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