Gulbenkian quer reduzir emissões nacionais de carbono até 3%
Ajudar o país a cumprir a atingir a neutralidade carbónica até 2050 é um dos grandes objetivos do projeto Carbono Azul, apresentado pela Fundação Calouste Gulbenkian a propósito do Dia Mundial dos Oceanos, assinalado esta quarta-feira. Trata-se de uma iniciativa focada na preservação e no restauro dos ecossistemas do território marítimo português, de forma a reduzir as emissões de CO2 e a mitigar os efeitos das alterações climáticas. "Além disso, o projeto vai desenhar as medidas para garantir que estes ecossistemas continuam com a sua função de remover carbono da atmosfera", enquadra Filipa Saldanha, responsável pelo Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável.
Para isso será essencial, numa primeira fase, mapear e caracterizar, do ponto de vista científico, todos os ecossistemas existentes em Portugal Continental. Este trabalho será feito em parceria com a Associação Natureza Portugal (ANP/WWF) e com o Centro de Ciências do Mar (CCMAR) em nove áreas pré-definidas - Parque Natural da Ria Formosa, Reserva Natural de Castro Marim, Estuário do Arade, Ria de Alvor, Estuário de Mira, Reserva Natural do Estuário do Sado, Reserva Natural do Estuário do Tejo, Ria de Aveiro e Lagoa de Óbidos. "Vamos identificar que tipo de ecossistemas é que lá existem, o seu tamanho e estado [de conservação]", acrescenta a representante da fundação. Este processo acontecerá entre junho e novembro deste ano.
Mas qual é, afinal, a importância de conhecer e preservar este património natural? Os ecossistemas costeiros - constituídos por mangais, sapais e pradarias marinhas - são organismos que conseguem capturar e armazenar carbono. Estas plantas "acumulam carbono a uma taxa muitíssimo superior à das florestas", são mais eficientes e "extremamente importantes para a mitigação das alterações climáticas", explica o investigador Rui Santos, do CCMAR.
O especialista aponta para uma eficiência "8 a 30 vezes superior" à registada nas florestas. O problema, sublinha, é que a área ocupada por estes ecossistemas tem vindo a diminuir abruptamente ao longo dos últimos anos, tendo sido registado "um declínio de cerca de 50%". Em grande medida, o seu desaparecimento deve-se à destruição por ação humana que implica consequências que o perito considera graves. "Não só deixam de capturar e sequestrar o carbono, mas tudo o que foi sequestrado ao longo das centenas e milhares de anos (...) volta para a atmosfera em forma de CO2", alerta.
A urgência de agir é, por tudo isto, evidente, considera o projeto Gulbenkian Carbono Azul. Após a identificação e caracterização destas zonas na costa portuguesa, a segunda fase da iniciativa prevê a implementação de medidas para a conservação e o restauro, quantificando o carbono absorvido e os respetivos custos. "A Fundação Calouste Gulbenkian dará o primeiro passo ao ser a primeira instituição a investir" numa das nove áreas definidas, revela Filipa Saldanha, que não confirma, para já, um montante concreto. O valor será, no mínimo, "suficiente para compensar a pegada de carbono da fundação em 2021", dando seguimento à estratégia de reduzir o impacto ambiental da sua atividade. No total, a entidade terá de compensar 2.238 toneladas de dióxido de carbono equivalente.
Concretizar o plano traçado pelo projeto - que será oficialmente apresentado durante a Conferência do Oceano das Nações Unidas, a 27 de junho, em Lisboa - dependerá, também, de um processo colaborativo com as entidades públicas responsáveis pelo território marítimo português. "Já começámos conversações com o Ministério do Ambiente e da Ação Climática e o Ministério da Economia e do Mar", adianta Filipa Saldanha, que acrescenta que "a recetividade é positiva". De acordo com o investigador Rui Santos, a captura e o sequestro de carbono pelos ecossistemas marinhos não estão previstos no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. "Pretende-se que sejam considerados nas metas nacionais de mitigação e nas estratégias nacionais de sequestro do carbono", refere. Um estudo recente, cita o especialista, "mostra que se pararmos a degradação e restaurarmos os ecossistemas" será possível "remover cerca de 3% de todas as emissões globais anuais de carbono".
Por fim, a terceira fase do Gulbenkian Carbono Azul passa por "advogar a constituição de um mercado de carbono azul em Portugal", ou seja, uma forma de incentivar empresas e outros agentes económicos a investir em ações de proteção e restauro para compensar a sua pegada carbónica, detalha Filipa Saldanha. "Seria muito bom que para o ano, no final do primeiro trimestre, conseguíssemos ter algumas empresas já comprometidas", remata.
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