Guimarães ficou abalada com o primeiro Estalo!
O primeiro festival minhoto pós-desconfinamento foi pensado e preparado em pleno confinamento. Resultado: tinha de ter uma reatividade feroz. E assim nasceu o Estalo em Guimarães, a primeira edição de um festival punk que junta a BD/ilustração, música ao vivo e cinema. Terminou este fim de semana em Guimarães e levou a cultura punk aos vimaranenses em pleno Instituto do Design, uma sala com aragem lateral e cadeiras em distanciamento. Um festival anti-covid que foi, sobretudo, um statement para agitar uma cidade.
Num confronto multidisciplinar, a ideia foi programar processos de interação e potenciar a circulação comunicacional criando debate sobre as sociedades em rede. Um estalo forte para não deixar adormecidas culturas e subculturas fora do espaço mainstream.
Rui Ramos, da Motor, entidade que organizou o evento, disse ao DN que o festival esteve para ser adiado em função de todas as incertezas contingentes à situação pandémica: "avançámos porque queríamos colocar as pessoas a trabalhar, sobretudo músicos que estavam há tanto tempo forçados a uma paragem. Havia muita gente à espera que surgisse algo, mas depois tivemos que proceder a algumas alterações: o espaço do Instituto do Design não era o inicialmente previsto..."
Quem por Guimarães andou desde dia 4 não encontrou punks de crista nem moicanos de T-shirts com o A estampado de Anarquia. O Instituto do Design teve casas cheias sobretudo com a programação musical que incluiu Lavoisier, Otrotorto e Samuel Martins Coelho, projetos escolhidos não em função da relevância punk mas sim para meter esta gente a mexer.
"No Estalo trabalha-se os nichos e as culturas alternativas, mesmo apesar de ser aberto a todos. A sala teve sempre sessões e eventos de entrada livre", fria Rui Ramos. Curiosamente, na noite em que se exibida Dharma Guns (La Succession Starkov), de F. J. Ossang, uma tempestade com chuva torrencial e um calor tropical criou um cenário único para um filme de culto que nos levava para um preto e branco verdadeiramente punk numa realidade fantástica nas lagoas de São Miguel, nos Açores. Aliás, a força-motriz punk esteve bem mais visível na programação de cinema, pensada por Rodrigo Areias, cineasta vimaranense que propôs um duelo de visões de cineastas com afinidade: o francês Ossang e o lisboeta Edgar Pêra.
"Quando o Rui Ramos me pediu um conceito sobre uma programação de cinema punk tornou-se claro que só poderia pensar em Ossang e Pêra...Além do mais são amigos e têm uma longa obra. Curiosamente, conheci Ossang em pleno escritório do Pêra quando ele estava a ser alvo de uma retrospetiva na Cinemateca. São dois cineastas com uma proximidade pessoal e uma simbiose artística, uma simbiose ideológica, mas nada formal", contou Rodrigo Areias que apresentou os filmes diariamente.
O ponto alto destas sessões de cinema punk foi a exibição de Manual de Evasão LX94, de Edgar Pêra, projetado numa cópia de 35mm absolutamente inédita em Portugal e com novos ajustes de montagem. Trata-se de um dos seus mais míticos filmes, encomenda de Lisboa Capital da Cultura 1994. Além desta obra, Caminhos Magnétikos, o seu último filme, também teve exibição.
De Dharma Guns, exibido em DCP com uma qualidade de projeção única, o estalo que os presentes receberam talvez passe pelo seu ato profético: personagens com máscaras higiénicas e uma espécie de conspiração viral. Estávamos em 2010...
Manual de Evasão LX94, Dharma Guns, Caminhos Magnétikos e Le Tresor des Illes Chienes provaram mesmo que o cinema de ambos cineastas tem portas dialogantes. E provou-se também que Guimarães é sempre cidade segura para experiências cinéfilas.
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