Foi a última vez que os chefs portugueses tiveram de ir a Espanha receber as estrelas Michelin para os seus restaurantes. Na terça-feira à noite, numa cerimónia longa que decorreu no Palácio de Congressos El Greco, em Toledo, o diretor internacional dos Guias Michelin, Gwendal Poullennec, oficializou algo de que já há algum tempo se falava nos bastidores: Portugal e Espanha passam a ter cada um a sua gala e o seu guia Michelin..Em Toledo, Poullennec, numa gala claramente mais virada para os espanhóis (34 restaurantes premiados em Espanha e cinco em Portugal, sem contar com outras distinções com o mesmo nível de discrepância), sublinhou o envolvimento do Turismo de Portugal para a mudança ter acontecido. No final do evento, Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal disse ao DN que "é um reconhecimento do esforço e da evolução e do prestígio que a gastronomia portuguesa tem atualmente"..Questionado se essa autonomia trará mais estrelas para restaurantes portugueses e a tão almejada terceira estrela para Portugal (Espanha tem 13) disse esperar ter "muitas mais estrelas, mais gastronomia e principalmente muito mais foco no turismo de qualidade que é aquilo que queremos para o nosso país. Um guia e uma gala dedicada a Portugal é mais um passo. Não somos nós que decidimos, são os inspetores mas acho que é o reforço do esforço que já é grande de muitos restaurantes em Portugal para chegar às três estrelas"..Do lado dos chefs, um dos vencedores da noite foi José Avillez, que ganhou a primeira estrela para o seu Encanto (Lisboa), restaurante vegetariano que abriu há nove meses. No final da gala, à conversa com o DN, não escondeu a alegria: "É um momento de grande felicidade, é extraordinário termos conseguido em tão pouco tempo. É o primeiro restaurante vegetariano da Península Ibérica com uma estrela, um dos três da Europa e um dos poucos do mundo"..O chef, que tem também duas estrelas no restaurante Belcanto, em Lisboa, e uma estrela na Tasca, no Dubai, recordou o início do Encanto: "A certa altura achei que não iríamos conseguir fazer um restaurante 100% vegetariano que me orgulhasse, mas depois de muitos testes, muitas provas e alguns erros, chegámos lá". O chef fez questão de sublinhar o trabalho do João Diogo Formiga [sous-chef do Encanto] e de toda a equipa"..Outro dos restaurantes premiados foi o Kabuki, localizado no hotel Ritz em Lisboa. De acordo com o chef Paulo Alves, é um "orgulho máximo" no trabalho feito, "do diretor às pessoas da copa". "Esta estrela é uma reafirmação do grupo Kabuki em Lisboa"..Também em Lisboa, o Kanazawa do chef Paulo Morais, um restaurante japonês com apenas oito lugares, recebeu a sua primeira estrela. Paulo Morais confessou que não estava à espera e explicou a razão: "Nunca pedi para a Michelin me visitar e nunca tinha pensado na estrela pela filosofia do restaurante, só com oito lugares e sem rodar mesas". O chef, que em janeiro foi nomeado embaixador da cultura e gastronomia japonesa em Portugal, diz que agora é tempo de "gerir e partilhar" a conquista com a equipa e família. "Se atingimos a estrela é porque alguma coisa de bom fazemos. Este ano está a ser muito especial.".No Porto, e também com um restaurante com poucos lugares, o Euskalduna Studio, o chef Vasco Coelho Santos celebrou a conquista. "É um orgulho sobretudo depois da pandemia e termos sofrido tanto na restauração. Mas agora com um ano que tem corrido tão bem é a cereja no topo do bolo, é muito bom para o Porto e para Portugal. O restaurante, com o estilo que tem, é também o desbloquear de algo que estavam a adiar, e pode ser um caminho para todos os chefs que queiram abrir coisas diferentes, como consegui há seis anos. Eu e o Paulo Morais, que temos restaurantes pequenos, diferentes, de balcão, podemos provar que é possível ganhar estrelas com estes conceitos"..Julien Montbabut, o chef francês que há quatro anos decidiu apostar no Le Monumental, no Porto, deixando para trás um restaurante com uma estrela Michelin em Paris, explicou que esta "nova estrela" é um imenso orgulho e é uma recompensa pelo trabalho de toda a sua equipa. "Tem outro sabor ganhar uma estrela noutro país". Montbabut explica ao DN que a sua cozinha com génese e técnica francesa tem como objetivo "puxar pelo terroir que existe no Norte de Portugal"..Sobre as mudanças que o guia e a gala em Portugal poderão trazer, José Avillez não sabe se trará mais estrelas para os seus restaurantes. "Não faço ideia. Acho que nesta fase, acima de tudo, é um movimento comercial de um novo guia e uma nova gala, não sei até que ponto pode influenciar em termos de inspetores e das escolhas de restaurantes. Poderá mudar alguma coisa se se tiver em conta a análise e comparação dentro do território que esse guia abrange". Mas acrescentou: "Por um lado tenho alguma pena porque se algum dia ganharmos uma terceira estrela, gostava de ganhar junto dos colegas espanhóis, pessoas que muito admiro"..Sobre a próxima gala, o chef Paulo Morais diz que será ótimo. "Vim pela primeira vez à gala e percebi a dimensão que Espanha tem comparado com Portugal. Podermos ter a nossa própria gala e o negócio que a Michelin gere em seu redor vai ser bom para Portugal. E admirei muito a maneira com os espanhóis se automotivam"..Já o chef Vasco Coelho Santos admite que uma gala em Portugal irá ajudar os restaurantes portugueses: "Quem tem duas estrelas vai mais rapidamente, se calhar, atingir uma terceira. Acho que vamos conseguir ter mais visibilidade e acho que vai haver mais protagonismo para Portugal, que esta é sobretudo uma gala espanhola"..A próxima gala do Guia Michelin Portugal 2024 irá decorrer durante 2023. Nem a data nem o local foram já escolhidos..O jornalista viajou a convite da Michelin.filipe.gil@dn.pt