Filme dividiu brasileiros sobre forças especiais."Homem de preto, qual é a sua missão? É invadir favela e deixar corpo no chão." .Na capa diz que este foi o livro que inspirou o filme. Mas a verdade não é bem essa. Parece que as vontades surgiram quase em simultâneo. Do antropólogo Luiz Eduardo Soares que, depois de escrever Cabeça de Porco, sobre os jovens que se envolvem no tráfico, já tinha planeado escrever um outro livro, nos mesmos moldes, mas sobre a polícia que combate esse tráfico. De José Padilha, o realizador que fez o documentário Ônibus 174 e que queria agora entrar no mundo do BOPE - o Batalhão de Operações Especiais. E de André Batista, major que pertenceu ao BOPE e andava há algum tempo a matutar na melhor forma de contar suas memórias. A este trio juntou-se um outro polícia, Rodrigo Pimentel, e os encontros entre todos ou parte deles sucederam-se durante meses, com as duas obras nascendo a par. O resultado acabou por sair primeiro em livro, em 2005, com o título A Elite da Tropa. E dois anos mais tarde em filme, como Tropa de Elite. E se o livro já tinha ateado o rastilho, o filme caiu como uma bomba cujos estilhaços não se ficaram pelo Brasil.."O objectivo era mergulhar no universo policial, relatar a intervenção quotidiana mas procurando uma dimensão subjectiva, a face humana", explica, numa conversa telefónica com o DN, Luiz Eduardo Soares. Queria "mostrar os bastidores, as vísceras" da polícia do Rio de Janeiro, sobretudo "a experiência-limite do BOPE, que é uma unidade de combate, guerreira, com uma prática de brutalidade que não tem comparação com nenhuma outra força policial do Brasil"..Grupo restrito de polícias (até há algum tempo eram apenas 150), tropa de elite mesmo, treinada como se fosse para a guerra mas que, afinal, vai "só" subir o morro e combater os traficantes, tão armados quanto os polícias. "No BOPE somos levados ao limite", acrescenta, num outro telefonema, o major André Batista. "É um batalhão de guerra urbana. Ali lidamos com a morte todos os dias. Isso deixa-nos mais insensíveis mas ao mesmo tempo mais maduros, começamos a dar valor a outras coisas."."Sangue frio em minhas veias, congelou meu coração, nós não temos sentimentos, nem tampouco compaixão.". Livro e filme são contados na primeira pessoa mas por narradores diferentes. No livro, a voz é a de um policial negro, de classe baixa, policial que procura conciliar o quotidiano "de Indiana Jones tupiniquim com a rotina de estudante" de Direito (é a história verdadeira de André Batista que, no filme, corresponde à personagem André Ramiro). No filme, a voz é a do capitão Nascimento, à espera do seu primeiro filho, pressionado pela mulher para sair do BOPE, que procura um substituto para poder, enfim, ter uma vida normal (e que corresponderá à história verdadeira de Rodrigo Pimentel)..Em ambos prevalece a ideia de que o BOPE é um lugar especial dentro da polícia. Um lugar onde não cabe a corrupção. Onde o orgulho de ser um dos "caveirinhas" é superior à tentação de receber uns trocados por fora. Em contrapartida, são ou tornam-se corruptos quase todas as outras personagens (sobretudo na segunda parte do livro, já não contado na primeira pessoa mas como uma dramatização onde se abordam os meandros do poder). "A corrupção atravessa o crime, a polícia, a política. Há poucos que resistem mas, ainda assim, há um espaço no sistema para o policial honesto e bem-intencionado", garante Luiz Soares. Este elogio do BOPE é acompanhado por uma certa desculpabilização dos seus elementos: "Eles são treinados para serem cães de guerra. De certa forma são vítimas." O que este autor tentou fazer foi mostrar a ambivalência e as contradições do polícia - "É um herói brutal mas angustiado." Mostrar que ele é um homem comum em circunstâncias especiais..E que circunstâncias. Treinos esgotantes onde os aspirantes ao BOPE entoam cânticos de bravura e se preparam para o pior. Subidas à favela, por entre tiros de espingarda. Torturas impensáveis. Linguagem crua. "Tudo o que está no livro é verdade, aconteceu mesmo", garante Luiz Eduardo Soares. "E queríamos contá-lo de forma realista, para trazer o leitor para o teatro de operações, provocar-lhe intimidade com o horror. Para que todos possam ter a dimensão da guerra que acontece no Rio de Janeiro." No Brasil, o livro abriu um debate sobre o papel da polícia. "Só o facto de ter posto toda a gente a falar da segurança é positivo", diz André Batista. Um primeiro passo para a mudança que tarda.."Malditos cães de guerra, somos apenas selvagens cães de guerra."