As declarações da atual bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, sobre a presidente da Câmara Municipal de Portimão foi a gota de água para um grupo de representantes da classe de enfermagem decidir agir contra o que considera ser "um comportamento que atenta contra a dignidade e liberdade dos outros", justificou ao DN Manuel Lopes, enfermeiro de formação, professor na Universidade de Évora e ex-coordenador da Rede Nacional de Cuidados Continuados..Em causa estão as declarações da bastonária sobre a vacinação da presidente da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, e outras publicações na sua página pessoal de Facebook. .Este grupo de profissionais, que integra desde elementos da academia, gestão e prestação de cuidados, todos elementos da Ordem, enviou hoje uma participação disciplinar contra a bastonária ao Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros. Como referiu ao DN Manuel Lopes, que é o primeiro subscritor, "a participação seguiu por e-mail e vai ser enviada ainda hoje por carta registada"..Manuel Lopes explicou ainda que para se apresentar uma participação à Ordem bastaria apenas uma assinatura, mas em 24 horas outros se juntaram a ele e ao incómodo que diz sentir em relação ao comportamento da bastonária. E, ao final da manhã, afirma: "Este movimento vai num crescendo. Tenho a caixa de e-mail e de mensagens cheias com declarações de pessoas que querem subscrever a participação". .Um movimento que começou precisamente com Manuel Lopes. "Sinto-me incomodado com um comportamento e declarações com uma linguagem completamente desbragada que têm vindo num crescendo e que são um atentado à dignidade dos outros e à própria classe", argumenta. Um comportamento, diz, que não pode pautar a atuação de uma pessoa que exerce funções num organismo de representação profissional de muitos milhares. "Este tipo de comportamento não pode acontecer no desempenho de funções oficiais. É o Estado que também está em causa", sublinha..Ana Rita Cavaco comentou na sua página de Facebook o facto a justificação da presidente da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, quando veio a público que teria sido vacinada indevidamente contra a covid-19. Na altura, Isilda Gomes explicou que a vacinação se justificava com o facto de pertencer ao grupo de cidadãos com obesidade e hipertensão o que levou a bastonária dos enfermeiros a colocar em página o seguinte comentário: "A Gorda fura filas. Malvada a hora em que nasci magra". Depois deste comentário, a bastonária atacou ainda Daniel Oliveira, que a tinha criticado na coluna que escreve no jornal Expresso. "O Daniel Oliveira e outros que como ele não passam de um esterco que fala de mim para ter palco e nunca ganhou eleições na vida", continuando:"Não existem sobras de vacina, seu esterco. Defensor de fura filas. Aprende a não falares do que não sabes, não é a tua área. A tua área é mais vigarices com graus académicos. Eu sou mestre, tu não, cumprimentos ao teu Pai". Uma publicação que acabou por ser apagada do Facebook..Para o grupo que assina a participação, tal é inqualificável. "Nunca numa sociedade com valores, se pode permitir que o exercício do direito à liberdade de expressão, que defendemos intransigentemente, se transforme num constante desrespeito a pessoas e a instituições. A democracia ensina a ouvir as vozes que de nós discordam e a construir, numa base de diálogo e de respeito mútuo, o caminho que consideramos o mais adequado para o bem-estar de pessoas e comunidades. Numa sociedade onde os gritos são mais frequentes que os diálogos, onde a ofensa gratuita é o instrumento de excelência para a instalação e a manutenção de um qualquer status, todos teremos a perder"..O DN contactou a Ordem dos Enfermeiros para saber se a bastonária teria algum comentário a fazer a esta participação disciplinar por parte de alguns dos seus pares e a resposta que recebeu foi: "Não comenta". Recorde-se que é a primeira vez na história da Ordem dos Enfermeiros que tal acontece, embora seja também uma situação inédita nas ordens profissionais. .A tomada de posição deste grupo de 18 personalidades surge também depois de a ex-bastonária dos enfermeiros, Maria Augusta Sousa, uma das enfermeiras que encetou a luta pela criação da ordem, juntamente com a primeira bastonária, Mariana Diniz, ter pedido publicamente desculpa à classe e à sociedade portuguesa pelo comportamento da atual bastonária..Na missiva, o grupo de enfermeiros de marca-se assim publicamente "das atitudes da Enfermeira Ana Rita Cavaco e, no respeito pelos Estatutos da OE, apresentamos participação disciplinar ao Conselho Jurisdicional esperando que este cumpra a sua função, apurando o que houver a apurar e atuando para pôr termo a este constante desrespeito pelo Estatutos, pelos membros da Ordem dos Enfermeiros, e em última análise pela Enfermagem como um todo e pela comunidade que a Ordem dos Enfermeiros, por delegação do Estado, se comprometeu a servir"..DestaquedestaqueGrupo de 18 enfermeiros diz esperar que "as instituições saibam atuar exemplarmente junto dos que prevaricaram". .Não se sabe o tempo que o Conselho Jurisdicional poderá levar a avaliar a participação contra Ana Rita Cavaco e a decidir o seu futuro, mas um dos caminhos poderá ser mesmo a expulsão..O grupo considera que neste tempo de pandemia "os enfermeiros são dos cidadãos mais intensamente expostos aos desafios, e nem sempre com os meios e os recursos necessários para a prática de excelência que o Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (EOE) defende". Assume mesmo que "muitas decisões foram erradamente tomadas. Alguns casos vindos ao conhecimento geral na comunicação social retratam um comportamento que não é aceitável no âmbito de um Estado de direito. Em relação a esses casos, esperamos que as instituições saibam atuar exemplarmente junto dos que prevaricaram. No entanto, o sucedido não justifica o claro e público desrespeito, por qualquer enfermeiro, do seu Código Deontológico em particular, e do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros em geral.".Os 18 elementos argumentam que o momento atual "pede rigor na discussão, elevação na ação, informação baseada na evidência para população e decisores políticos, nunca esquecendo os direitos humanos e as regras de uma sã convivência comunitária tão necessária para um bom nível de saúde e para encontramos os caminhos necessários para vencer os desafios com que nos confrontamos"..Por isto mesmo, e por considerarem que as afirmações atribuídas à enfermeira Ana Rita Cavaco e veiculadas na comunicação social ferem o acordo estatutário pelo qual todos devem zelar, este grupo solicitou ao Presidente do Conselho Jurisdicional e nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 71º do EOE, a respetiva intervenção urgente, descrita na alínea f) do nº 6 do artigo 32º do EOE. Mais, defendem ainda que, "por muito complexa que seja a situação atual, o desrespeito pelo Estatuto da Ordem dos Enfermeiros não pode ser a solução!"