Grandes imparidades, maus modelos de risco?

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1- Os bancos têm ao seu dispor, há largos anos, modelos de avaliação do risco de crédito, tecnicamente bem desenvolvidos e testados nacional e internacionalmente. Modelos estes que são submetidos ainda à apreciação dos supervisores e auditores internos e externos.

Pelas regras internas dos bancos, a fixação de limites de crédito a qualquer mutuário deve ser submetida ao exame prévio do modelo de análise de risco. Daí decorre que a operação proposta ou é recusada ou é aprovada. Neste caso, são fixados os planos e o prazo de reembolso, a taxa de juro a cobrar, assim como as contragarantias consideradas adequadas.

Os modelos de risco não encerram, em si mesmo, ciência absoluta e definitiva, mas, contrariamente ao que muitas vezes é afirmado, não penso que os elevados prejuízos ou imparidades de que a banca tem vindo a sofrer se devam à inconsistência ou fragilidade dos modelos de avaliação do risco utilizados.

2- Ajuizando o tipo de governance dos bancos onde mais se concentram imparidades, podemos detectar traços comuns desaconselháveis.

No caso de bancos privados, não eram pouco frequentes os conflitos de interesses de accionistas que eram também mutuários. A não haver essas entorses de governance, não será legítimo perguntar quais seriam os accionistas privados de referência que suportariam que as direcções e gestão dos seus bancos lhes apresentassem, em anos recentes, prejuízos de milhares de milhões de euros?

No caso de bancos públicos não são poucas as vezes em que nos critérios de nomeação dos gestores sobrelevam razões de ordem partidária. Houve até uma situação em que gestores de um banco público aí financiaram accionistas de um banco privado na aquisição de acções e depois estes levaram aqueles para este mesmo banco, pisando-se a ética, a supervisão e diversos outros valores.

No caso da CGD, como se há-de compreender a passividade do accionista, o Estado, perante a evidência do descalabro para os contribuintes ocorrido entre 2005--2015? Nesse período a CGD, em termos acumulados, contribuiu para as receitas gerais do Estado, distribuindo dividendos de 1584 milhões de euros e pagando impostos em IRC de 174 milhões, porém exigiu aos contribuintes cerca de 2950 milhões em aumentos de capital, apresentou-lhes prejuízos de 884 milhões e evidencia imparidades de 10 090 milhões.

As contas de 2016 ainda não foram publicadas, mas tudo indica que o que "vem por aí" seja ainda de gravidade acrescida, com a chamada dos contribuintes-accionistas a reforçar o capital da CGD em valores relativamente avultados.

3Não é entendível como ainda não foi alterada a forma de contratação dos auditores externos dos bancos. Defendo, como outros defendem, que em vez de ser contratada pelo próprio banco a empresa que o vai auditar, aquele deveria pagar a verba devida à CMVM. E deveria ser esta a responsável pela contratação dos auditores para os bancos. A independência dos auditores perante os auditados sairia reforçada com o consequente reflexo nos resultados das auditorias. De outra maneira, como é que se pode justificar que os mesmos auditores há muitos anos a trabalhar para um banco - e com acesso aberto a toda a informação - às vezes relatem imparidades substantivamente mais elevadas do que as que haviam identificado poucos meses antes?

4A acrescer ao "filtro" dos modelos de avaliação de risco, qualquer limite de crédito tem de ser decidido, ou ratificado, por um "colégio" com poderes para a operação em causa. O princípio geral consiste em não haver operações aprovadas apenas por um único interveniente.

De notar também que os auditores internos e externos não esbarram em quaisquer impedimentos de informação, secretismos das carteiras, restrições de acessos informáticos, obstáculos a reunir com qualquer responsável.

As carteiras de crédito são, ainda, disponibilizadas aos supervisores, sendo obrigatório um reporte especial para o BdP de todas as responsabilidades de empresas, ou conjunto de empresas que entre si constituam um grupo, e que ultrapassem o fixado montante de "grandes riscos". Em qualquer momento é bem conhecido o universo dos grandes clientes de crédito dos bancos.

Não obstante, certo é que, mesmo com tantos "filtros", as imparidades atingiram nos últimos anos valores inimagináveis, se bem que mais nuns do que noutros bancos. Um exame fino ao universo dos clientes responsáveis pelas imparidades conduzir-nos-ia muito certamente à conhecida "regra 80-20": em números redondos, cerca de 20% dos causadores das imparidades são responsáveis por cerca de 80% do seu valor. E não seria de admirar que se constatasse que várias das grandes operações passaram ao lado ou por cima do "filtro" dos modelos de avaliação de risco.

A crise financeira internacional de 2007-08 explica muita coisa, mas não explica tudo. E a busca explicativa deve incidir sobretudo na 1.ª década do século. Muito mais do que nas técnicas de avaliação do risco, as razões de tão elevadas imparidades devem ser procuradas, também, na qualidade, no profissionalismo, na independência, por vezes na ética de gestores e ainda na inadequação do tipo de governance das instituições e no alheamento dos auditores e supervisores à época.

E é causa de desalento que, em bancos nacionalizados ou sob intervenção do Fundo de Resolução, as imparidades, que tanto prejudicaram accionistas e contribuintes, também clientes, tenham acabado, por acção ou omissão de governos e autoridades europeias, em bons negócios para estrangeiros, bancos ou fundos.

* Economista

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