Teve uma agenda preenchida em Lisboa, com encontros com o primeiro-ministro António Costa, o presidente da câmara, com empresários e a apresentação do Festival de Teatro Clássico de Mérida. Como está hoje a relação entre Extremadura e Portugal? Diria que a relação entre a Extremadura e Portugal está muito próxima de ser perfeita. Como em tudo na vida, as pessoas têm influência. As pessoas não aproximam os territórios, mas fazem com que não se afastem. Além da habitual boa relação entre Extremadura e Portugal há, a nível pessoal, uma excelente relação com o primeiro-ministro António Costa..É importante, para si, ter aqui um governo socialista também? Além de companheiro socialista, ele é um bom amigo há muito tempo. Quando ele se candidata às eleições, eu venho fazer campanha a Portugal, como se as eleições também fossem minhas..É presidente do governo da Extremadura desde 2015 e antes já o tinha sido de 2007 a 2011. Sente-se um privilegiado por poder governar em maioria absoluta? Sem dúvida alguma, ainda mais no cenário atual. Eu acho que grande parte do salto que a Extremadura vai dar,nos próximos meses e nos próximos anos, é graças à maioria absoluta desta legislatura. Porque não tenho que perder tempo em discussões inúteis. Em Espanha sabemos muito de discussões inúteis....É isso que tem acontecido no governo nacional? Tem sido muito difícil. Apesar de o governo ter sido capaz, estando em minoria, de aprovar leis fundamentais para os espanhóis. A reforma laboral foi uma lei transcendental, nestes anos, que permitiu que, pela primeira vez, numa terra como a Extremadura a maior parte dos contratos sejam por tempo indefinido..Mas a coligação histórica entre PSOE e Unidas Podemos tem sido complicada também... Sim, porque em Espanha não tínhamos cultura de governos de coligação. Foi preciso começar por demonstrar que o caminho se faz andando. Mas evidentemente é muito mais cómodo trabalhar sem ter de, para tudo e todos os dias, estar a formar uma maioria..Tem havido muita polémica. Acha que este governo chega ao final do mandato? Sim, estou convencido de que sim, porque falta muita coisa para fazer. E são anos muito importantes, com tudo o que diz respeito ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência e, no ano que vem, Espanha tem a presidência da União Europeia, que é também um momento muito importante. Estou convencido de que a legislatura não vai terminar antes do final do próximo ano..Mas foi crítico do facto de o governo precisar dos independentistas da Catalunha para poder governar. Acha que Pedro Sánchez conseguiu lidar bem com a situação? O que se demonstrou é que não havia outra opção. E se for preciso aprovar coisas importantes, como que haja um salário mínimo para os trabalhadores e trabalhadoras, se os não-independentistas se desentendem e é preciso ter o voto dos independentistas... eu teria gostado que fosse de outra maneira, mas como não foi possível, foi a única forma de conseguir avançar..E com o escândalo das escutas telefónicas aos líderes independentistas catalães não acha que se corre o risco de perder o apoio e o governo cair mais cedo? Acho que isso vai passar e que ficará o que é verdadeiramente importante. Que são as mudanças e as reformas de que Espanha necessita..Então a Catalunha já não é um problema em Espanha? O ambiente na Catalunha - estive lá na semana passada - já não tem nada a ver. Acho que o gesto do governo de indultar os presos do processo fez com que muita gente, na Catalunha, suavizasse a sua opinião. Criticava-se muito o governo de Espanha e o governo de Espanha tirou-os da prisão. Acho que foi um gesto de magnanimidade, que permitiu que o ambiente seja outro na Catalunha..Defende uma reforma do estatuto das autonomias? Na Extremadura não temos previsto fazer mudanças. Fizemo-lo há alguns anos. O que é preciso é mudar a Constituição, quando chegar a essa altura..Em que pontos? No que afeta as autonomias. Mudar o Senado, para que seja a câmara onde estão presentes as autonomias, para que, quando haja leis que afetem as autonomias, sejam discutidas primeiro no Senado e não no Congresso. Porque está a produzir-se um fenómeno curioso. Há cada vez mais representantes territoriais no Congresso, de tal forma que o Congresso parece o Senado e o Senado fica em terreno de ninguém. Pode ser que algum dia se consiga reformar a Constituição e fazer a reforma do Senado..O que está a dizer é que no Congresso há agora mais pequenos partidos regionais. Na Extremadura há esse fenómeno? Agora não..Mas esse é um cenário possível nas próximas eleições? Eu acho que não vai acontecer. Respeito muito o voto dos cidadãos, são eles que decidem, mas duvido que vá haver. Porque nós fazemos muito para representar todas as pessoas, incluindo da chamada Espanha vazia. Nós, diante de um projeto de uma magnitude extraordinária, como o das baterias de lítio, levámo-lo aos lugares que têm maiores dificuldades..Em Castela e Leão, as eleições de fevereiro ditaram um governo de coligação entre o PP e o Vox e as sondagens para as eleições na Andaluzia, este mês, também apontam nesse sentido. E na Extremadura, é um cenário que prevê? Que força tem o Vox? Neste momento não sabemos. Eles não conseguiram eleger representantes nas eleições anteriores [2019], ficaram próximo, mas não conseguiram representantes. Não sei como evoluiu o voto nos últimos anos. Vamos esperar para ver o que acontece na Andaluzia..Mas o que pensa do Vox nalguns destes governos autonómicos? Não é bom para o país, entre outras coisas porque a radicalidade nunca é boa para nada. Mas além disso porque não acreditam numa grande parte das coisas que já estavam consolidadas em Espanha, que o PSOE e o PP tinham conseguido normalizar. As grandes reformas que quando o outro chega ao governo não as muda. E a primeira coisa que quer fazer o Vox é livrar-se das autonomias. O Vox é um partido que está na radicalidade e não é o que a Espanha precisa..Acha que a culpa do crescimento do Vox foi do PP,por ter dado espaço à extrema-direita para crescer? São muitos fatores. Um pode ter sido a corrupção que houve. Uma parte dos eleitores que votavam no PP ficaram chateados com os casos de corrupção que houve no PP e optaram por procurar uma nova força. Mas não podemos fazer leituras simples. Os diagnósticos são sempre mais complexos. No Vox há uma parte de voto de protesto, de enfado, e podem juntar-se para votar no Vox, como há uns anos se juntaram para votar no Podemos, gente que não partilha necessariamente de toda a ideologia do Vox..E que impacto pode ter a eleição de Alberto Núñez Feijóo para líder do PP? Acho que o que pode contribuir é que todo o voto do Ciudadanos vai para o PP. O Alberto é alguém que gera menos rejeição, porque já leva muitos anos na política. Em qualquer caso, ganharia se, em matérias de grandes temas do Estado, puder haver acordos [com o PSOE]. Não pode haver nem um dia mais sem um acordo para a renovação do poder judicial. É uma anomalia democrática..Parece-lhe que ele está disponível para isso? Espero que sim. Conheço-o bem e tenho-o em alta estima..Dentro do PP da Extremadura também manteve boas relações com o seu opositor, José Antonio Monago, que agora está de saída. O que espera que saia dali? Será uma etapa nova que eles terão que gerir e resolver. Eu dedico-me a governar e a organizar o meu partido, o que já me dá trabalho..Mas li que o convidou para reuniões importantes, por exemplo, para este investimento chinês da megafábrica das baterias de lítio. Mesmo com maioria absoluta pensou ser importante ter o seu apoio? Sim, porque passa à empresa uma mensagem muito positiva. Estamos a falar de um investimento de 2500 milhões de euros que vai ser feito para a construção de uma capacidade total de 30 Gigawatts, em três fases de dez cada uma, que para nós é muito importante. É o grande investimento da nossa história. Que a Envision e Acciona tenham acreditado em nós, estamos muito agradecidos e estou convencido de que esta fábrica não será a única..Em Portugal estamos a debater a questão das minas. Não houve esses problemas na Extremadura? Sim, houve e há, com a situada próxima de Cáceres. Agora vão apresentar um novo projeto e vamos ver, quando o apresentem, se cumpre ou não a normativa vigente. Há outras minas que estão em processo de autorização. Mas estes projetos não estão apenas vinculados a que haja ou não minas, porque se não houver minério, importa-se de outro sítio..E deu algum conselho a Portugal sobre este tema? Para que quem vive em redor das minas entenda a extração, tem de haver um benefício local. Uma parte da transformação do mineral tem de ser feito ao lado da mina, para que se repercuta em emprego e riqueza dos cidadãos desse município..Em relação ao Festival de Teatro Clássico de Mérida. Já é um ponto de atração para muitos portugueses... Já temos uma percentagem elevada de portugueses que já vêm todos os anos, já são fixos..É importante, além da ligação económica, haver esta ligação cultural entre os povos? Sem dúvida. Mas a ligação vai mais além. Para nós, Portugal é uma referência. Disse isso ao primeiro-ministro. Desde Espanha, olhamos para Portugal com muita simpatia pelo nível de acordo que há, pelo desenvolvimento, pelas medidas... e o entendimento entre Pedro Sánchez e António Costa é muito bom. Estão os dois a lutar juntos pela Península Ibérica na União Europeia. É uma sorte ter os dois neste momento como primeiros-ministros. Espero muito da cooperação entre Espanha e Portugal. O papel que nos toca desempenhar, junto com Itália e Grécia, no futuro da Europa é muito importante. A voz do Sul é mais importante do que nunca..No fim de semana passado, os britânicos festejaram o Jubileu de Platina da rainha Isabe II. Já em Espanha, a visita do rei emérito Juan Carlos esteve envolta em polémica. Acha que o governo está a lidar bem com esta situação? Eu sou uma pessoa que acredita que a monarquia prestou um grande serviço ao nosso país, mas é verdade que o rei Juan Carlos cometeu muitos erros e não pode ser castigado por ser rei e pelas prescrições. Estou absolutamente comprometido em ajudar o chefe de Estado, o rei Felipe VI, num momento difícil para todos. Mas eles encarnam a monarquia e a chefia do Estado e o que temos de fazer é ajudá-los com tudo o que estiver ao nosso alcance, porque assim estamos a ajudar a imagem de Espanha..Não há um debate sobre o fim da monarquia? Nestes momentos acho que não é uma prioridade. Eu assisto a muitos atos com Felipe VI e há uma percentagem cada vez mais elevada da população que gosta dele e que o respeita. Estou convencido de que vai ser o futuro..susana.f.salvador@dn.pt