Um simples acaso - um cavalo desgovernado provocar uma queda de proporções inimagináveis, que deita por terra todos os favoritos - pode custar, ou render, muito dinheiro. Mas isso não afeta (só aumenta) a febre de apostas em torno da "mais famosa" corrida de obstáculos do mundo. Com 300 milhões de libras (cerca de 350 milhões de euros) em jogo e um acaso lendário na memória - foi há 50 anos que um cavalo desgovernado lançou Foinavon para a vitória mais improvável de sempre -, corre-se hoje, a partir das 17.15, no hipódromo de Aintre, Liverpool (Inglaterra), a 170.ª edição da Grand National..As emoções ainda estão bem frescas na memória de quem lá estava em 1967. "Lembro-me de pensar: "Espero que nenhum destes cavalos desgovernados [após os seus jóqueis terem caído nos primeiros obstáculos] faça algo estúpido"; "Desmoronaram-se à minha frente, como um baralho de cartas"; "Fiquei lá enterrado e, quando me levantei, já não conseguia encontrar o meu cavalo. Foi algo inacreditável", recordaram os antigos jóqueis Johnny Leech, Eddie Harty e Stan Mellor (por ordem), esta semana, ao jornal The Guardian..Popham Down, que se perdera do jóquei Macer Gifford ao tentar saltar o primeiro dos 30 obstáculos da corrida, arrastou mais de uma dezena de cavalos para o abismo, à passagem do 23.º: tocou em Rutherfords, o cavalo de Leech, originando um efeito bola de neve que fez todos os favoritos caírem naquele monte de terra e vegetação. Só os mais retardatários, com tempo para abrandar a marcha e contornar os equídeos desorientados que por ali se aglomeravam, conseguiram passar incólumes. E quem se chegou à frente, para surpresa geral, foi o desacreditado Foinavon..O cavalo, montado por John Buckingham, era dos mais improváveis vencedores da Grand National. O seu triunfo tinhas odds de 100/1, ou seja, pagava 100 libras por cada uma apostada. E era tão desconsiderado que nem o treinador, John Kempton, nem o dono, Cyril Watkins, se deslocaram ao hipódromo de Aintree para vê-lo correr...No entanto, Foinavon ganhou mesmo, entrando para a lenda do Grand National, com tanta fama como o colapso de Devon Loch, propriedade da rainha-mãe, a poucos metros da meta, em 1956, ou a tarde de glória de Aldaniti e Bob Champion, em 1981 (o cavalo estava em idade de reforma, o jóquei com cancro, mas ambos resistiram e inspiraram o filme Champions). São esses episódios que alimentam a esperança dos apostadores..As estimativas apontam para 300 milhões de libras de apostas em torno da prova, intitulada "a mais famosa corrida de cavalos do mundo". "Espera-se que mais de 15 milhões de britânicos apostem neste evento", estimou Simon Clare, da casa de apostas Coral, ao Daily Mirror. E, num fim-de-semana com jornada da Premier League (futebol), Masters (golfe), Grande Prémio da China (Fórmula 1) e dérbi londrino entre Saracens e Harlequins (râguebi), calcula-se que o volume total de apostas venha a rondar os 550 milhões de libras (644 milhões de euros). "Será um fim-de-semana de sonho para os fãs de desporto, em que se podem bater todos os recordes", perspetivou Nicola McGeady, da Ladbrokes..Ora, nesta 170.ª edição da Grand National, com 40 cavalos e jóqueis em luta pelo maior prémio monetário em corridas do género na Europa (657 mil euros para o vencedor), já estão bem definidos os favoritos. São os conjuntos Vieux Lion Rouge/Tom Scudamore (10/1), Definitly Red/Danny Cook (11/1), More of That/Barry Geragthly (12/1) e Blacklion/Noel Fehily (12/1)..No entanto, com 30 obstáculos pela frente, ao longo de cerca de sete quilómetros, nenhuma previsão é segura. Em 2016, venceu, de forma surpreendente, o teenager David Mullins, com Rule The World (33/1) - impedindo Leighton Aspell de se tornar o primeiro jóquei a triunfar em três anos consecutivos. Hoje, Mullins, com Stellar Notion, volta a não ser favorito (40/1). E ninguém está a salvo de uma queda provocada por um cavalo desgovernado.