Gramática da alma

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A gramática das línguas europeias está associada ao processo da formação dos Estados modernos. Por isso, Portugal atingiu, ainda em pleno século XVI, com os trabalhos pioneiros de Fernão de Oliveira (1536) e João de Barros (1540) uma segurança gramatical que ajuda a explicar o facto de o português ter sido uma das mais vigorosas línguas da ciência e da técnica desse século, onde brilha um dos picos da literatura mundial, Os Lusíadas de Camões. Numa altura em que o país está envolto numa crise política e económica que nos deixa entregues a uma incerteza existencial, consola-nos o espírito saber que uma equipa de quarenta académicos produziu esta portentosa e monumental Gramática do Português, a um tempo rigorosa e acessível ao vasto público. Ela percorre sobretudo o português padrão, contemporâneo e europeu, mas não esquece o português que se fala no Brasil e em África. Numa altura em que o sonho europeu de Portugal desembarcou num doloroso pesadelo, sabe bem recordar que o português é a sexta língua mundial com mais falantes nativos. Numa altura em que Portugal é tratado pelos seus aliados como um país derrotado numa guerra, é consolador saber que em quatro continentes existem países onde, desde o povo mais simples aos mais notáveis escritores de craveira universal, os matizes infinitos da vida se expressam numa língua daqui levada pelas caravelas. Esta gramática fala-nos do nosso maior ativo histórico: uma língua de onde se vê o mar, como escreveu Vergílio Ferreira, e que constitui uma pátria da inteligência e sensibilidade para todos os que nela se queiram acolher. Os autores desta Gramática do Português mostram-nos não só a substância da nossa identidade, como o caminho de disciplina e esforço que a poderá resgatar desta perigosa encruzilhada.

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