Governo tem até amanhã para convencer Bruxelas
Afinal pode ser precisa mais austeridade. Bruxelas fez ontem uma espécie de ultimato a António Costa. O governo tem até amanhã para explicar porque não reduz o défice estrutural ao ritmo a que a Europa pede. A luz verde ao esboço do Orçamento para 2016 (OE2016) pode estar em risco. O executivo considera o aviso "normal". A oposição diz ser a "oportunidade" para o PS apresentar um OE "realista". A Comissão Europeia - adiantado ontem na edição online do DN - pede ao governo para explicar "as razões por que Portugal planeia uma redução do défice estrutural em 2016 muito abaixo do recomendado pelo Conselho em julho".
O vice-presidente responsável pelo euro, Valdis Dombrovskis, e o comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, querem uma correção dos números apresentados no esboço do OE para que no final a descida do défice estrutural seja de 0,6 pontos percentuais do produto interno bruto (PIB) potencial e não de 0,2 pontos como anunciou Mário Centeno.
No fundo é isto: ou Portugal aplica mais medidas de contenção (corta despesa, aumenta receita), o que fará o défice nominal descer abaixo dos 2,6% prometidos, ou assume que a economia vai crescer menos, que tem menor potencial, e com isso justifica um ajustamento orçamental estrutural proporcionalmente maior sem alterar medidas. Num tom muito duro, os dois altos dirigentes europeus avisam que podem exigir a submissão de um esboço orçamental "revisto o mais cedo possível". Até amanhã, "29 de janeiro", diz a carta.
Em relação a 2015, as notícias são más. Dombrovskis e Moscovici consideram que o país violou mesmo o pacto e que vão esperar pelos dados do INE e do Eurostat para avançar com o processo de défice excessivo.
É grave porque a ser assim haverá implicações no registo de despesas já neste ano. O país será excluído do tratamento "mais flexível" em matéria de inscrição de certas despesas públicas, como investimentos em infraestruturas prioritárias, tecnologia ou capital humano.
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O que é o saldo estrutural?
O saldo estrutural não é mais do que uma medida sintética que tenta medir o esforço efetivo do país na redução do défice, já que é expurgado dos efeitos do ciclo económico. O que os comissários estão a dizer é: ou Portugal corta mais o défice nominal (OE diz que cai para 2,6%, a Comissão quer mais) e deixa o cenário macro (dito por muitos como irrealista) mais ou menos como está, ou refaz o cenário macro e prova que a economia pode ficar mais fraca do que se pensa (perde potencial), o que tende a ampliar o esforço orçamental proposto no esboço (medido em percentagem do PIB potencial).
As regras europeias estão desenhadas para obrigar os países a medidas de restrição permanentes (estruturais), de maneira a reduzir a acumulação de défices e de dívida. No caso de Portugal, esta lógica é perniciosa porque obriga o governo a tentar mais contenção, o que pode fazer descarrilar a retoma, já de si frágil, a pôr em xeque a criação de emprego e a reduzir o potencial produtivo da economia a prazo.
A conjuntura (favorável ou desfavorável) influencia "automaticamente" o défice (no caso de Portugal) e o grau de intervenção do governo na economia. No caso de a retoma ser mais fraca do que se prevê, o valor dos impostos a receber tende a ser menor; os subsídios de desemprego a pagar podem aumentar. Estes estabilizadores automáticos agravam o défice, mas o efeito pode ser descontado na avaliação final do défice. É isso que o saldo estrutural tenta medir.
Recorde-se que em 2014, na altura em que foram entregues os esboços do OE para 2015, França e Itália foram censuradas por falta de ambição no saldo estrutural e acabaram por recalcular medidas, fazendo a vontade a Bruxelas. Itália recuou em 3,3 mil milhões de euros em alívio de impostos (mais receita); França idem; e reviu em alta poupanças com juros.
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Governo diz que é "normal"
Pouco depois da notícia do DN, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado a desvalorizar a carta da Comissão Europeia, dizendo: "Este pedido enquadra-se no processo normal de decisão da Comissão e já foi feito a outros países, como França e Itália."
O primeiro-ministro António Costa disse que "não há nenhuma razão para colocar [outro cenário que não a aprovação do Orçamento]". "Vamos dar esses esclarecimentos" e há "bons argumentos", e destaca a parte mais amistosa da carta dizendo que é "um sinal muito positivo" o facto de Bruxelas se mostrar disponível para desenvolver "um diálogo construtivo".
O otimismo de Costa não chegou ao ex-ministro Fernando Teixeira dos Santos. Ao Diário Económico, Teixeira dos Santos afirmou: "Do ponto de vista formal" não há "grande margem de manobra para a Comissão Europeia aceitar o esboço do Orçamento do Estado, pois é o garante do Tratado Orçamental".
Oposição à boleia de Bruxelas
A oposição - que tem alertado para a falta de rigor das contas socialistas - foi à boleia dos avisos de Bruxelas para criticar o draft do Orçamento do executivo.
Fonte próxima da direção do PSD diz que este tipo de aviso "não é assim tão normal, pois não acontecia desde 2004". A posição oficial não foi tão longe e ficou a cargo do líder parlamentar. Luís Montenegro diz que a posição de Bruxelas "não surpreende", pois o PSD já tinha "alertado para o irrealismo e inconsistência de algumas das previsões que o governo tinha apresentado." É "uma oportunidade para que o governo possa introduzir as correções que possam dar mais consistência e realismo à propostas".
Também João Almeida, do CDS--PP, considera que é a prova de que "ninguém acredita no cenário que o governo está a apresentar". O centrista entende que o aviso é um "chumbo" e diz que o CDS não se conforma e fará várias questões a Mário Centeno aquando da apresentação do Orçamento do Estado.
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