Governo salomónico a gerir Proteção Civil e Forças Armadas
O poder político manteve a equiparação do presidente da nova Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) a subsecretário de Estado, considerada inaceitável pelas chefias militares, mas limitou-a às iniciativas de proteção civil.
Essa alteração no estatuto daquela autoridade consta da lei orgânica que cria a ANEPC, que sucede à Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e foi publicada esta segunda-feira em Diário da República.
A proposta de equiparação a subsecretário de Estado do presidente da PC, tenente-general Mourato Nunes (na reforma), recebeu parecer negativo unânime do Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM) - desde logo porque aquela figura passaria a estar protocolarmente acima dos comandantes da Marinha, Exército e Força Aérea.
O Governo - e o Presidente da República, que promulgou o diploma - manteve essa alteração no estatuto do líder da PC, que dá direito a "gabinete próprio", mas incluiu uma alínea no mesmo artigo 12º a especificar que esse estatuto só "é aplicável às iniciativas de proteção civil, ocupando o presidente da ANEPC, nas demais iniciativas, a posição imediatamente seguinte à dos Chefes dos Estados-Maiores dos ramos das forças armadas".
Note-se que a formulação "chefes dos Estados-Maiores dos ramos" não existe enquanto tal, pois a figura correta é "Chefes de Estado-Maior" - o que fontes militares ouvidas pelo DN indicam como exemplo que as Forças Armadas não foram ouvidas sobre um diploma que as abrange enquanto agentes de proteção civil.
Isso está assumido no preâmbulo do diploma, onde se lê que "foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Liga dos Bombeiros Portugueses" - que foi a principal opositora da nova lei preparada na sequência dos trágicos incêndios de 2017.
O presidente da ANPC ocupava até agora a 45ª posição na lei das precedências protocolares, a par das restantes altas autoridades do Estado - com exceção das autoridades Marítima Nacional (AMN) e Aeronáutica Nacional (AAN), assumidas pelos chefes militares da Marinha e da Força Aérea, respetivamente.
Agora, em todas as situações não relacionadas com a proteção civil, o presidente da ANEPC fica logo a seguir aos chefes dos ramos (21ª) e ao lado dos deputados da Assembleia da República (22ª).
Segundo uma das fontes, a inclusão daquela alínea restritiva do estatuto do presidente da ANEPC na versão final da lei aparenta ter sido "algo cozinhado à pressa por civis perante o parecer" do CCEM dado em fevereiro.
O DN procurou obter um comentário do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), enquanto presidente do CCEM e principal conselheiro do ministro da Defesa, mas ainda sem sucesso.
O novo diploma introduz outra mudança na relação entre Defesa e Administração Interna, ao retirar por completo da tutela do ministro João Gomes Cravinho a área do Planeamento Civil de Emergência (PCE) - ligada à NATO - e transferi-la para a tutela do ministro Eduardo Cabrita.
O PCE já estava colocado na PC desde 2012, mas a Lei de Defesa Nacional (2014) matinha o ministro da Defesa como coordenador do Conselho Nacional de PCE e responsável pela definição da respetiva política nacional. Agora, aquele conselho passa a ser presidido pelo presidente da ANEPC e o Sistema Nacional de PCE passa para a tutela do ministro da Administração Interna (por delegação do primeiro-ministro).