No governo, mesmo em off, ninguém admite que a dimensão e o impacto da greve dos motoristas de matérias perigosas tenha apanhado de surpresa o executivo. Os gabinetes dos ministérios envolvidos, Ambiente, Economia e Trabalho, reiteram que o executivo atuou quando era suposto..O pré-aviso de greve foi entregue a 1 de abril e as duas partes em conflito foram chamadas a acordar os serviços mínimos, como estabelece a lei. Como não se entenderam, o executivo decretou os serviços mínimos em 11 de abril, quatro dias antes da greve. "Só quando o governo se apercebeu de que esses serviços mínimos não estavam a ser cumpridos é que acionou a requisição civil. Não há muito mais que se possa fazer", disse ao DN uma fonte de um destes gabinetes. Se, por absurdo, o pré-aviso tivesse sido entregue há um ano, não haveria mais a fazer..O problema não é de reservas, apontam fontes governamentais, mas de transporte. Um exemplo apontado é o do Aeroporto do Porto, onde nunca houve problemas: a infraestrutura é alimentada por um pipeline, sem necessidade do combustível ser transportado por camiões, como em Lisboa e Faro..A requisição civil foi acionada menos de 24 horas depois de a greve se ter iniciado, algo pouco habitual, sublinharam essas fontes. O comunicado do governo é remetido às redações pelas 07.30 da manhã de terça-feira. Aí se lê que "o governo aprovou [nessa terça-feira], por via eletrónica, uma resolução do Conselho de Ministros que reconhece a necessidade de proceder à requisição civil dos motoristas de matérias perigosas em situação de greve"..A seguir, o executivo constatou que o sindicato e os trabalhadores estavam a desrespeitar também a requisição civil, pelo que os representantes destes foram recordados pelo governo de que assim desrespeitavam a lei. O executivo socialista acionou ainda uma situação de alerta..Segundo o despacho dos gabinetes dos ministros da Administração Interna e do Ambiente e da Transição Energética, esta "declaração da situação de alerta determina o imediato acionamento das estruturas de coordenação institucional territorialmente competentes das forças e serviços de segurança, bem como das estruturas da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, para efeitos da execução das medidas". Na prática, o governo autoriza militares e forças de segurança a conduzirem camiões em caso de necessidade..As associações representativas do setor também não quiseram adiantar mais sobre as diligências tomadas pelo governo e o timing escolhido, talvez por estarem em processo de negociação..No debate quinzenal, na manhã desta quarta-feira, António Costa já tinha rejeitado dramatizar a questão da crise energética, reiterando que o governo fez o que lhe competia. O líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, retratou um "país em sobressalto" e questionou Costa sobre como atuou preventivamente o executivo e por que é que os serviços mínimos tinham sido definidos só para as regiões de Lisboa e do Porto. O primeiro-ministro procurou logo ali retirar pressão à sua equipa, recordando que este é um conflito de empresas privadas com os seus trabalhadores e que o governo tinha atuado naquilo que a lei prevê: fixou serviços mínimos e, no desrespeito por estes serviços, estabeleceu a requisição civil..O PSD deu-se por satisfeito com as primeiras explicações de Costa e Negrão mudou de tema. De madrugada, no Twitter, Rui Rio, que se tinha recusado a criticar o governo por uma crise que não é da sua responsabilidade, fez um apelo "direto": "Para que os serviços mínimos a aplicar à greve na distribuição de combustíveis se alarguem rapidamente a todo o território nacional. Não faz sentido que estejam restringidos a Lisboa e ao Porto.".Já o CDS voltaria ao tema, de forma bem mais crítica, pela voz de Assunção Cristas, que insistiu em saber se o primeiro-ministro podia garantir "tranquilidade" aos portugueses e se haveria serviços mínimos estendidos ao país todo. Cristas desesperou com as respostas cada vez mais sintéticas de Costa e acusou o chefe de governo de não ser "capaz de perceber que há mais país além de Lisboa e Porto". "Asseguraremos tudo o que seja necessário assegurar", repetiu-se o primeiro-ministro..Marcelo estranha, socialistas criticam Presidente.Já Marcelo Rebelo de Sousa veio deixar avisos ao executivo. Segundo o Expresso, "para o Presidente é incompreensível que o governo tenha desvalorizado a situação depois do pré-aviso de greve que data de 1 de abril. O argumento de que antecipar o alarido social não convinha a ninguém não convence Marcelo, que espera ver o governo a intervir de forma mais ativa para que "a questão de fundo" - as reivindicações laborais em jogo - também comece a ser desbloqueada"..Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "o conflito é com privados mas mexe com o interesse público. Não basta negociar a garantia de serviços mínimos, é preciso começar a negociar a questão de fundo"..O incómodo entre os socialistas é por enquanto dito sob anonimato. Fontes ouvidas pelo DN classificaram esta intervenção do Presidente da República como "irresponsável" por estar "a dar força" a um grupo que está a "pôr em causa" a vida de "dez milhões" de cidadãos.