Se tudo correr como previsto, o Knesset (Parlamento) israelita vai aprovar neste domingo à tarde a formação do chamado "governo de mudança", composto por 28 ministros e seis vice-ministros de oito partidos, da esquerda à direita do espectro político, pondo fim a um consulado de 12 anos de Benjamin Netanyahu. O acordo final entre os partidos foi firmado na sexta-feira, pelo que é um dado quase adquirido. Quase, porque o acordo das oito formações traduz-se no voto favorável de 61 deputados em 120, sem margem para ausências ou deserções de última hora..Segundo o Canal 12, próximos de Netanyahu jogaram uma última cartada ao tentarem aliciar o líder do partido Azul e Branco, Benny Gantz. A jogada passava pela demissão de Netanyahu e um acordo que daria ao militar a chefia do governo por três anos. Mas o atual ministro da Defesa (que irá manter o posto se a coligação se formar e será um dos vice-primeiros-ministros) rejeitou a oferta..Recorde-se que num anterior acordo de coligação, Gantz e Netanyahu iriam alternar no cargo de primeiro-ministro, mas o Executivo caiu antes de Gantz chegar a número um. Na quinta-feira, segundo o Jerusalem Post, Gantz reconheceu junto dos militantes sentir-se frustrado pelo facto de não ser ele o futuro primeiro-ministro, após dois anos e meio a tentar liderar uma alternativa..A hora é de Naftali Bennett. O seu partido ficou em quinto e elegeu apenas sete deputados, mas o acordo dá-lhe o cargo de chefe do governo nos primeiros dois anos. Bennett é um ultranacionalista religioso que apoia a expansão dos colonatos e que se opõe a um Estado palestiniano. Mas arrisca-se a que a coligação se desmorone se alienar os parceiros de coligação, a começar pelo partido árabe Lista Árabe Unida. Na prática, é muito provável que haja uma continuação da abordagem atual, que é a de gerir o conflito com os palestinianos sem tentar acabar com ele..Acordo assinado abre caminho a governo de mudança em Israel.Para já, o "governo de mudança" quer virar a página de Netanyahu e adotar uma agenda sem grandes ambições e aceitável para os israelitas de todas as ideologias e crenças. "O governo irá trabalhar para toda a população israelita, religiosa, secular, ultraortodoxa, árabe, sem exceção, como uma só", disse Bennett na sexta-feira. E acrescentou: "Trabalharemos em conjunto, em parceria e por responsabilidade nacional, e acredito que seremos bem-sucedidos.".O seu primeiro grande desafio será o de chegar a um consenso sobre um Orçamento, o primeiro desde 2019. O acordo prevê a aprovação de um Orçamento no prazo de 145 dias a partir da tomada de posse. Depois, sim, poderão seguir-se reformas económicas e investimentos em infraestruturas. Nesse capítulo, a Lista Árabe Unida esperará decerto a recompensa pela entrada histórica de um partido islâmico num governo de Telavive e esperará mais meios para habitação, transporte e segurança nas comunidades árabes..O acordo assinado entre o segundo partido mais votado, Yesh Atid, de Yair Lapid, e o Yamina, de Bennett, prevê que Lapid substitua Bennett no dia 23 de agosto de 2023 e até lá desempenhe o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. E prevê a constituição de dois blocos dentro do Executivo. Lapid irá liderar o bloco que inclui o seu partido e ainda Azul e Branco, Meretz, Partido Trabalhista e Yisrael Beytenu. Já Bennett irá liderar o bloco Yamina, que além do seu partido tem apenas o Nova Esperança, de Gideon Sa"ar, antigo ministro da Educação de Netanyahu. Sa"ar, além de ministro da Justiça, será vice-primeiro-ministro..Apesar de o bloco liderado por Bennett ter eleito apenas 13 deputados e o outro 49, cada bloco terá o mesmo poder no gabinete. Por fim, o presidente do Knesset será escolhido entre as fileiras do Yesh Atid. Espera-se que o eleito seja Mickey Levy..Netanyahu não desiste e procura fraturas no "governo da mudança".E Netanyahu? A imprensa israelita dá conta de que há vários membros do Likud a querer o seu lugar de líder partidário. Mas ninguém está à espera que 'Bibi' saia de cena. Como líder da oposição e chefe do maior partido no Parlamento, Netanyahu deverá continuar a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para derrubar o governo. O plano mais viável para evitar a condenação por acusações de corrupção é tentar evitá-la sentado no gabinete do primeiro-ministro, à frente de uma coligação que lhe conceda imunidade. Nesse plano, o primeiro visado é o "traidor" Bennett, que havia garantido, acusa, não se coligar com a esquerda..A raposa.Em 1996, Benjamin Netanyahu tornou-se no primeiro-ministro mais novo do Estado de Israel, com 46 anos. Regressou ao poder anos mais tarde e um quarto de século depois é recordista em longevidade, manobrando como poucos o sistema político israelita. O seu legado é controverso e, aos 71 anos, enfrenta um julgamento que o pode levar à cadeia..O pai da coligação.Popular como pivô, Yair Lapid seguiu os passos do pai e trocou o jornalismo pela política. Fundou o Yesh Atid ("Há Um Futuro") em 2012, partido centrista e secular que logo nas primeiras eleições se estabeleceu como força política a ter em conta. Após Netanyahu não ter conseguido apresentar um governo com maioria parlamentar, Lapid, de 57 anos, recebeu do presidente a mesma missão. No dia 2 de junho, a uma hora do fim do prazo, alcançou um inédito acordo..O ultranacionalista.Ex-chefe de gabinete de Netanyahu, Naftali Bennett há muito rompeu com o Likud, numa deriva cada vez mais nacionalista e à direita. Acabou como líder da aliança de pequenos partidos, Yamina, e desde o ano passado tem como objetivo suceder ao mentor. Aos 49 anos, tem tudo a seu favor, mas a sua inflexibilidade face aos palestinianos levanta interrogações..cesar.avo@dn.pt