Governo anticovid-19. Nem o julgamento afasta Netanyahu do poder

No final da primeira de duas reuniões no fim de semana entre os dirigentes do Likud de Benjamin Netanyahu e da Aliança Azul e Branca de Benny Gantz foi divulgado um comunicado em que dava conta de "progressos substanciais" nas negociações e que era de esperar um acordo final global nas próximas horas. Alguns meios de comunicação avançaram que cada um dos blocos teria 15 ministros..Benjamin Netanyahu não desistiu, não cedeu, não hesitou. Manteve-se no cargo de chefe do executivo como se nada fosse, apesar da crise política que dura há um ano e que três eleições inconclusivas só a aprofundaram. Além de ter um julgamento agendado por corrupção. Escassos cinco dias depois de um tribunal ter rejeitado o adiamento da primeira sessão do julgamento, a crise do covid-19 diminuiu a atividade dos tribunais, atirando a sessão inicial para final de maio..O antigo militar Benny Gantz foi a figura que nos últimos meses tentou formar uma coligação vencedora. A Aliança Azul e Branca foi formada no ano passado com o partido de Gantz, Resiliência de Israel, o Yesh Atid (centrista) do ex-jornalista Yair Lapid e o Telem (centro-direita), fundado pelo ex-ministro da Defesa Moshe Yaalon. A Aliança vai continuar com o nome, mas os outros dois partidos saíram em resultado do pré-acordo anunciado por Gantz..A eleição do início do mês viu os partidos anti-Netanyahu reivindicarem uma magra vitória no Knesset, 62 lugares em 120. Os partidos de direita e religiosos, que têm apoiado o primeiro-ministro, obtiveram 58 lugares..O presidente Reuven Rivlin incumbiu Gantz de formar governo, algo que se mostrou impossível quer nas eleições de abril e de setembro do ano passado quer agora, dadas as profundas divisões dentro do campo anti-Netanyahu. Em especial o partido nacionalista de Avigdor Lieberman, Yisrael Beiteinu, que se recusa quer a aliar-se a Netanyahu quer a juntar-se ao bloco dos partidos árabes, a Lista Conjunta..Proveito da emergência nacional.Primeiro-ministro desde 2009, Netanyahu sabe como poucos como se manter à tona no complexo sistema partidário israelita, que favorece a criação de acordos para formar maiorias parlamentares. Aproveitou a divisão da oposição e a crise que se aproximava do covid-19 e apelou para a formação de um governo de unidade nacional. Ofereceu a Gantz o cargo de primeiro-ministro de forma rotativa, mas o líder da Aliança Azul e Branca só ascenderia ao cargo dentro de 18 meses. O presidente Reuven Rivlin apoiou a iniciativa..Enquanto isso, o governo impôs severas restrições para conter o coronavírus, incluindo a proibição de movimentos não essenciais, e a controversa medida de rastrear possíveis portadores de vírus através dos seus telemóveis, tendo Netanyahu ordenado à agência de segurança interna Shin Bet para se ocupar desta missão de espionagem sem uma ordem judicial. Essa medida desencadeou críticas, uma vez que o Supremo Tribunal decidira na semana anterior que essa vigilância não poderia ir adiante sem a supervisão do Knesset..Boicote no Knesset.Ao mesmo tempo Netanyahu e os seus aliados concertaram-se para impedir o normal desenrolar dos trabalhos parlamentares. Boicotaram a reabertura do parlamento na segunda-feira para protestar contra os seus rivais centristas. Alegando a "grave crise sanitária" do coronavírus em Israel, o Likud acusou a Aliança Azul e Branca de "conduta odiosa, ditatorial e destrutiva". A disputa centrou-se em saber se Gantz usaria a pequena maioria dos deputados do seu bloco para moldar a composição de uma poderosa comissão parlamentar, que é responsável pela formação de outras comissões parlamentares. Quando o novo Knesset reabriu na segunda-feira passada, os deputados não chegaram a acordo sobre a composição da comissão, que é tradicionalmente negociada entre as diferentes formações do Knesset. Mas a coligação centrista levou o tema a votação, tendo em consequência os partidos leais a Netanyahu boicotado a votação. Em discurso para um Knesset quase vazio, Benny Gantz acusou Netanyahu de tentar "paralisar o Knesset"..Como se não bastasse, o presidente do Knesset, Yuli Edelstein, aliado de Netanyahu, não levou à ordem de trabalhos a votação para o seu sucessor. O Likud argumentou que Edelstein deveria permanecer como presidente até à formação de um novo governo. A Aliança Azul e Branca pediu ao Supremo Tribunal que se pronunciasse. Os juízes deram a Edelstein dois dias para agendar uma votação, mas este rejeitou o "ultimato" do tribunal, tendo argumentado que não cabia aos juízes definir a agenda parlamentar.."A decisão do Supremo Tribunal constitui uma intervenção grosseira e arrogante do poder judicial nos assuntos da legislatura eleita", disse Edelstein. "Não vou permitir que Israel mergulhe na anarquia. Não vou contribuir para a guerra civil", concluiu, tendo-se demitido do cargo na quarta-feira..Quando se pensava que Gantz iria aproveitar e apresentar um candidato da sua coligação, foi o próprio quem se candidatou ao cargo, uma jogada surpreendente e que sinalizou o fim do seu esforço para criar um governo sem Netanyahu. Uma vez eleito, na quinta-feira, Gantz apelou para a formação de um governo de unidade de emergência. "Estes são tempos incomuns e exigem decisões incomuns. É por isso que pretendo explorar a formação de um governo de unidade de emergência", proferiu no Knesset. "O povo de Israel está legitimamente a observar-nos e a esperar que continuemos a apoiar a sagrada batalha contra o coronavírus e os seus efeitos.".As reações foram imediatas, com Yair Lapid, do até então partido coligado Yesh Atid, a sentenciar: "Benny Gantz decidiu hoje separar a Azul e Branca e rastejar para o governo de Netanyahu. O que está a ser formado hoje não é um governo de unidade e nem um governo de emergência. É outro governo de Netanyahu. Benny Gantz rendeu-se sem lutar.".No domingo, Benny Gantz voltou a explicar-se perante os israelitas num texto publicado no Times of Israel.."Neste momento de crise, não tive outra escolha senão pôr a política de lado e escolher o único caminho que nos permite evitar as quartas eleições. Porque, num momento como este, levar as pessoas para as urnas novamente - muitas das quais perderam o seu meio de subsistência e estão cheias de ansiedade em relação ao futuro - é inconcebível. Escolhi o único caminho que posiciona Israel para combater eficazmente esta horrível pandemia: o caminho de um governo de emergência nacional.".Benny Gantz comprometeu-se em "nunca comprometer a democracia"..General de empates.As reações na imprensa não foram meigas, embora um ou outro comentador mostrasse compreensão para com o até agora líder da oposição. Também no Times of Israel Haviv Rettig Gur escreve: "Ele acredita que enfrenta dois Netanyahu, dois políticos cujas prioridades, no final das contas, não partilha." Um deles é Yair Lapid, até agora aliado na Aliança Azul e Branca, mas que "não pôde dar-lhe uma coligação estável no meio de uma crise nacional. O outro, Netanyahu, pode".."É difícil pensar num cenário mais humilhante para um partido que começou como alternativa ao regime corrompido e corrupto de Netanyahu e para o seu líder, um ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que foi a primeira pessoa, em mais de uma década, a desafiar com sucesso o governo de Netanyahu", lê-se num editorial do Haaretz.."Netanyahu tirou vantagem do patriotismo e da fadiga de Gantz", sentenciou Anshel Pfeffer, no Haaretz. Já para Yaron Avraham, do Canal 12, "só o tempo dirá se Gantz fez a jogada da sua vida ou o erro da sua vida".."Ele não é um traidor, e não é um herói. É apenas alguém de uma geração de generais que nunca conheceram uma vitória nas suas carreiras, apenas empates (...) Israel acima de tudo. E acima, Netanyahu", escreveu Nahum Barnea no Yedioth.

Governo anticovid-19. Nem o julgamento afasta Netanyahu do poder

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