Governador cede a protestos, mas porto-riquenhos também não gostam da sucessora
O governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, cedeu após 12 dias de protestos e vai renunciar ao cargo no próximo dia 2 de agosto, às 17.00 locais, ou seja, 24.00 em Lisboa, admitindo ser incapaz de continuar à frente dos destinos da ilha depois da divulgação das mensagens machistas e homofóbicas que trocou com membros da sua equipa.
Nas ruas, o anúncio foi recebido com danças e alegria, mas assim que a festa acabou começaram as críticas em relação à sua sucessora, a atual responsável pela pasta da Justiça, Wanda Vázquez.
"Sinto que continuar nesta posição iria tornar mais difícil garantir que os sucessos que alcancei possam perdurar", disse Rosselló, de 40 anos, que antes tinha pedido desculpa sem conseguir acalmar as manifestações. Entre os êxitos que enumerou está a criação de novas indústrias ou a promoção de igualdade de pagamentos entre homens e mulheres. Insuficiente, frente aos escândalos de corrupção que abalam a ilha (com vários detidos) e às polémicas mensagens que vieram a público neste mês.
Eleito em finais de 2016 com a promessa de "construir um novo Porto Rico", em plena crise financeira profunda que levou a ilha a declarar a falência e a ficar sob controlo financeiro dos EUA, Rosselló viu os planos frustrados pela passagem do furacão Maria, em setembro de 2017. Oficialmente morreram 2975 pessoas, mas estima-se que o número real seja mais próximo das 4700, e só passados 11 meses foi possível restaurar a eletricidade a todo o território.
No meio de escândalos de corrupção, a divulgação das mensagens machistas e homofóbicas que Rosselló trocou com um grupo dos seus mais próximos colaboradores na aplicação Telegram foram a gota de água para os porto-riquenhos. As mensagens trocadas entre dezembro de 2018 e finais de janeiro de 2019, que ocupam quase 900 páginas, foram partilhadas por uma fonte anónima com o Centro de Jornalismo de Investigação de Porto Rico.
As mensagens incluem memes, comentários depreciativos, além de piadas sobre jornalistas, políticos e ativistas. A presidente da câmara de San Juan era apelidada de "comandante" e "FdP", enquanto outras mulheres com cargos políticos eram simplesmente "p***s". Outro dos alvos foi o cantor porto-riquenho Ricky Martin. "É tão machista que f**e com homens porque as mulheres não estão à altura. Puro patriarcado", escreveu Christian Sobrino, que ocupava vários cargos dentro do governo.
Desde que foram conhecidas as mensagens, já 14 membros do governo ou da equipa de Rosselló tinham-se demitido. Todos os que faziam parte do grupo de Telegram tinham sido afastados, exceto o próprio Rosselló, que todos os dias ouvia a rua gritar "Ricky, renuncia!".
Filho mais novo do ex-governador Pedro Rosselló, que liderou os destinos da ilha de 1993 a 2001, Ricardo Rosselló (mais conhecido como Ricky) é doutorado em Bioengenharia e Neurobiologia. Estudou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), estudou também nas universidades de Michigan e Duke, na Carolina do Norte.
Depois de ter trabalhado no desenvolvimento de novos medicamentos para o cancro no Centro Médico de Duke e no Instituto Médico Howard, voltou a Porto Rico para ser professor de Ciências Médicas em várias universidades da ilha.
A política estava-lhe, contudo, no sangue, tendo trabalhado nas campanhas eleitorais do pai em 2004 (quando perdeu por pouco as eleições para governador) e de 2008 (quando perdeu as primárias dentro do Partido Novo Progressista, PNP). Também trabalhou como assessor para os assuntos hispânicos do democrata Wesley Clark, que em 2003 foi candidato às primárias nos EUA, e codiretor da campanha de Hillary Clinton em Porto Rico, em 2008.
Mas foi à frente da organização Boricua É Hora! que se destacou. "Boricua" é um sinónimo de porto-riquenhos, já que significa "nativo de Borikén", o nome original da ilha antes da chegada de Cristóvão Colombo. Rosselló foi porta-voz desta organização que defendia o fim do estatuto de Porto Rico como Estado Livre Associado dos EUA.
Colónia espanhola até 1898, quando foi cedida aos EUA, Porto Rico tem um estatuto particular. Os seus cidadãos têm nacionalidade norte-americana e liberdade de movimento entre a ilha e o continente, mas não podem votar nas presidenciais - apesar de participarem nas primárias de democratas e republicanos. Estão representados no Congresso dos EUA, mas os seus representantes têm poderes limitados.
Em setembro de 2015 lançou a sua candidatura para ser o 12.º governador de Porto Rico, apesar de não ter verdadeira experiência política, sendo eleito em novembro de 2016. Entrou na La Fortaleza (o nome da residência oficial do governador) com a mulher e os dois filhos em janeiro de 2017, mas não vai chegar ao terceiro ano do mandato.
Segundo a Constituição de Porto Rico, no caso de demissão do governador (é a primeira vez que acontece) cabe ao secretário de Estado assumir esse cargo. Contudo, Luis Rivera Marín era um dos que fazia parte do grupo do Telegram e demitiu-se a 13 de julho. Assim, será a secretária da Justiça a tomar posse - a segunda mulher governadora da ilha (a primeira foi Sila Calderón, de 2001 a 2005).
Wanda Vásquez, de 59 anos, terá o desafio de assumir o cargo no meio dos escândalos, mas os manifestantes não acreditam que seja a pessoa certa, até porque estava demasiado próxima de Rosselló. E logo nesta quinta-feira de manhã voltaram às ruas.
"Vou tentar continuar a lutar, mesmo que acabe por sentir que sou a pessoa louca a gritar na rua", disse uma das manifestantes à Reuters. "Precisamos de limpar a casa totalmente", acrescentou.
Vásquez trabalhou como procuradora do distrito durante duas décadas e em 2010 foi nomeada diretora do Gabinete pelos Direitos das Mulheres. Depois de assumir o atual cargo, em janeiro de 2017, foi criticada por não ser suficientemente agressiva com as investigações anticorrupção que afetam membros do partido no poder, o Partido Novo Progressista. Além disso, segundo a AP, é acusada de não ter dado prioridade aos casos de violência de género.
Para piorar a situação, em novembro, o gabinete de ética governamental levou-a a tribunal depois de ter recebido uma queixa sobre a alegada interferência de Vásquez num caso de suspeita de roubo de propriedade governamental na casa em que vivia a filha. O juiz acabou por concluir em dezembro que não havia provas suficientes para a deter.