Hoje falamos de água por duas razões distintas, ambas aquosas: a primeira, porque estive no casamento dos queridos Rita e Pedro, em Montemor, onde um grupo de cante alentejano entoou, e muito bem, o clássico, inevitável, Dá-Me Uma Gotinha d"Água; a segunda razão prende-se com o facto, esse bem sabido e bem triste, de a Rússia ter destruído a barragem de Nova Kakhova, na região de Kherson, para dificultar o avanço das tropas ucranianas..Enquanto escrevo, há notícia do rebentamento de uma segunda barragem, esta ao longo do rio Mokri Yaly, a oeste de Donetsk, o que significa que os russos estão a meter água por todos os lados, recorrendo a métodos bélicos tão clássicos e inevitáveis como aquela música transtagana..Há dias, Bruno Cardoso Reis, sempre sabedor, recordava o uso das águas como arma de guerra, citando três casos: "A Holanda rebentou os seus diques em 1672 para parar as tropas invasoras de Luís XIV. A China fê-lo no rio Amarelo, em 1938, para travar os invasores japoneses. A União Soviética fê-lo na região de Zaporizhzhia para tentar travar a invasão nazi em 1941" ("A barragem, a falácia do cinzento e a ofensiva da Ucrânia", Observador, de 10 de Junho de 2023)..Sobre esta matéria, li há pouco um livro que recomendo, Guerre et eau. L"eau, enjeu stratégique des conflits modernes (Paris, Robert Laffont, 2021), da autoria de Franck Galland, um dos maiores especialistas europeus sobre as questões geopolíticas, estratégicas militares ligadas à água, fundador do Aquasureté e perito consultor do Ministério da Defesa de França..Da leitura desse livro apercebemo-nos de que, ao longo da História, as águas suscitaram três problemas militares distintos, ainda que interligados: o primeiro é o mais imediato e mais óbvio, o da água como problema logístico para as tropas em campanha; o segundo decorre do uso das águas como arma de guerra ou instrumento de combate, e o terceiro, enfim, o mais vasto e mais importante de todos, de mais longo alcance, é o da água, ou da sua falta, como causa de conflitos e de guerras..Ariston Men Udor -- a frase de Píndaro, que à letra poderíamos traduzir como "o primeiro elemento é a água" ou, mais poeticamente, "a água é o princípio de tudo", foi inscrita, não por acaso, numa das estações de bombeamento de águas subterrâneas que durante a Segunda Guerra, e na sequência do desembarque na Normandia, os Aliados fizeram construir no Norte de França. O trabalho foi levado a cabo -- neste caso em Saint-Gabriel-Brécy -- pelo 13th Airfield Group, dos Royal Engineers britânicos. Um dos oficiais desse grupo, por certo mais culto e versado nas literaturas clássicas, lembrou-se de colocar à entrada da estação das águas aquela divisa de Píndaro, também presente nas salas de banho romanas de Bath, em Inglaterra: Ariston Men Udor, "a água é o princípio de tudo", nunca o esqueçamos..A água foi uma das principais preocupações na logística do Dia D, pois era essencial que a operação não fracassasse por falta de um elemento tão básico e tão essencial como a água, fosse para dessedentar as tropas exaustas, fosse para garantir a sua higiene, fosse para o serviço dos hospitais de campanha, fosse, enfim, para refrigerar as máquinas de combate. No final do mês de Junho de 1944 tinham desembarcado na Normandia qualquer coisa como 850 mil homens e 150 mil veículos. O momento crucial, do ponto de vista operacional e logístico, foram as primeiras 48 horas subsequentes ao desembarque, quando, de uma assentada, como um relâmpago, 72.515 britânicos, franceses e canadianos e 57 mil norte-americanos desaguaram numa extensão de areal de 80 quilómetros, em território hostil, sob fogo nazi. Teria sido uma tragédia, um desastre imenso, se aquela imensa mole de gente ficasse parada no terreno, à mercê do inimigo, por falta de combustível e de alimentos, mas sobretudo, acima de tudo, por falta do elemento mais primordial e vital de todos: água para beber. Não podendo correr riscos, pois ninguém poderia prever ao certo o ritmo a que se processaria o avanço das tropas anglo-americanas, nem ninguém poderia prever ao certo se encontrariam fontes de água potável em território francês (até porque os alemães as poderiam ter envenenado ou contaminado), o comando dos Aliados mobilizou quantidades astronómicas do líquido precioso, levadas pelas Water Transport Companies umas vezes nos navios que carregavam as tropas, outras em navios-tanques especialmente adaptados para o efeito. Prepararam-se portos artificiais, os famosos Mulberry, para acolher carros de combate e munições, mas também gigantescos depósitos de água, capazes de darem de beber a milhares de soldados, cujas necessidades básicas foram estimadas em um galão por dia (4,546 litros); para não correr riscos, duplicou-se a carga para dois galões diários por cada soldado. E, a acrescer a tudo isso, muita água para os hospitais e para as enfermarias de campanha, cujo consumo médio por dia era ainda maior: 10 galões de água - ou seja, 45 litros - por cama. Como se não bastasse, surgiram habituais imprevistos: a dada altura, devido ao calor de Verão nos solos calcários normandos, foi necessário regar abundantemente as pistas de aviação; sem água, sem muita água, não teriam existido aviões no ar nos Dia D e seguintes..Contou-se também, é óbvio, com os recursos hídricos existentes em França, pois teria sido impossível garantir o avanço dos Aliados até Paris ou até à Alemanha apenas com água trazida do lado de lá da Mancha. Por isso, e muito antes do Dia D, procedeu-se a um levantamento minucioso e exaustivo dos aquíferos gauleses, trabalho levado a cabo por uma equipa liderada por dois homens: o tenente-coronel W. B. King, veterano dos geólogos militares da Primeira Guerra, e o major Frederick Shotton, estudante de Geologia em Cambridge que se voluntariou para a linha da frente. Graças a eles foi possível elaborar 25 cartas extremamente precisas de todos os recursos hídricos existentes no solo e no subsolo entre Calais e Cherburgo, coroando o esforço feito desde 1940 pelo Inter-Services Topographic Department (ISTD), com o apoio de geógrafos, geólogos e técnicos franceses da Resistência. Quando hoje vamos ao Ashmolean Museum, em Oxford, um dos museus mais belos do mundo, nem sequer sabemos que nas suas caves funcionou este serviço topográfico secreto e que aí existia, nas vésperas do Dia D, uma gigantesca maquete das costas da Normandia (como também não nos apercebemos de que um outro serviço congénere, este ainda mais secreto, o SOE - Special Operation Executive, esteve sedeado, durante a guerra, no Museu de História Natural de Londres)..A água, de facto, desempenhou um papel decisivo no desenrolar do conflito de 1939-1945 e o êxito da guerra-relâmpago dos alemães na Polónia, em França, no Norte de África é indissociável do esforço que, desde 1937, vinha sendo feito por Ernest Kraus, professor da Universidade de Munique, sob a égide do qual foi criado um grupo técnico de geologia militar que daria lugar aos Wehrgeologen-Gruppen, os quais, com rigor germânico, fizeram o levantamento de todos os terrenos a conquistar pelo Reich. Quando, em Fevereiro de 1941, o quartel-general nazi decide enviar tropas para auxiliar os italianos, em guerra com os britânicos no Norte de África, logo decide também integrar nessa força uma unidade de geologia militar. A Wehergeologenstelle 12, explica-nos Franck Galland no livro atrás citado, foi absolutamente crucial para garantir o êxito do Afrika Korps no Egipto e na Líbia, e, não por acaso, estava colocada na dependência directa de Rommel, um homem que se apercebeu, desde o início da guerra no deserto, que ali, mais do que em qualquer outro lugar, a água era uma das chaves para o sucesso ou para a derrota. Anos depois, num livro escrito em 1952, onde se faz um balanço da campanha nazi no deserto, o general Alfred Toppe afirmou que nessa campanha um Panzer necessitava de 50 litros ao dia para percorrer 100 quilómetros diários nas areias de África e que a sua tripulação de três homens precisava, no mínimo, de 22 litros de água potável por dia. Para alcançar esse objectivo, as Divisions-Wasserbau-Kompanie deveriam assegurar um mínimo de 120 metros cúbicos de água por dia: 100 de água potável e 20 de água para refrigerar os motores dos carros de combate. Quando o calor aumentava, cresciam as necessidades de água: cinco litros diários para cada soldado, um litro para arrefecer os motores dos camiões e dois litros para refrigerar os veículos blindados. Além de companhias especializadas na captação e na distribuição de água, compostas por 75 camiões, cada qual com 85 jerricãs de 20 litros, criou-se uma unidade pioneira, uma companhia especializada na dessalinização de água por destilação (Kompanie für Wasserdestillation). O mais curioso de tudo é que, segundo nos diz Franck Galland, aquele livro do general Toppe foi uma autêntica "bíblia" para os americanos quando estes desencadearam, em 1991, a Operação Tempestade no Deserto, a qual seguiu pari passu os ensinamentos de Rommel e dos seus generais, especialmente na questão vital dos recursos hídricos..Questão tão vital quanto, no decurso da batalha do Norte de África, os ingleses, para dificultarem o avanço dos alemães pelo Egipto, tinham envenenado os poços de água com hidrocarbonetos, uma técnica impiedosa mas que tem sido usada em inúmeros conflitos. E aqui entramos na segunda dimensão belicista do H2O: não já não a da importância da água para a logística militar, mas a do uso da água como arma de combate, tal qual os russos agora estão fazendo com as barragens da pobre Ucrânia. Diga-se, em abono da verdade, que é táctica bem antiga: em 1914, e para não ir mais longe, as defesas franco-belgas abriram as eclusas de Furnes e de Noordvart e provocaram uma inundação gigantesca para travar ou retardar o avanço das tropas germânicas. O caso mais conhecido seria, porém, o dos Dambusters ("destruidores de barragens") do 617.º Esquadrão da Royal Air Force. Há um par de meses, nas páginas do Expresso, escrevi o obituário de um dos elementos desse esquadrão lendário: Johnny Johnson, falecido em Dezembro passado, aos 107 anos, participante na famosa Operação Chastise, uma acção ultra-secreta que destruiu ou danificou três barragens nos rios Eder, Möhne e Sorpe vitais para alimentar a indústria do Ruhr e o esforço bélico nazi. Em apenas duas noites, 16 e 17 de Maio de 1943, com uma enorme audácia, os aviadores da RAF conseguiram lançar no coração das barragens germânicas um engenho poderoso e letal, as "bombas saltitantes", concebidas pelo engenheiro Barnes Wallis. O comandante do grupo, Guy Gibson, era um jovem que aos 24 anos já era considerado um veterano de guerra, com mais de 170 missões no currículo e, dos 133 homens envolvidos na Operação Chastise, de nacionalidades diversas (britânica, australiana, canadiana, neozelandesa, americana), 53 morreriam em combate e outros três seriam presos. Dos 19 bombardeiros Lancaster que se fizeram aos ares, oito seriam abatidos e, como dano colateral, no rebentamento das barragens morreriam cerca de 1600 civis, a maioria dos quais soviéticos presos e usados como mão-de-obra escrava pelos nazis. Quando ordenou a destruição das barragens ucranianas, Vladimir Putin sabia o que fazia e, como sempre, estava atento à História..A História mostrou-lhe -- e mostra-nos -- diversos exemplos de uso da água como arma de combate: também no decurso da Segunda Guerra, Chiang Kai-chek mandou dinamitar os diques do rio Amarelo para travar a progressão do exército japonês, com isso provocando inundações numa área de 50 mil quilómetros quadrados e dezenas de milhares de mortos..A História mostra também que, no Vietname, os americanos destruíram centenas de diques e de barragens para dificultarem os movimentos dos vietcongues, e que essa acção foi tão ou mais decisiva do que a das bombas incendiárias e dos ataques de napalm. Anos depois, no final dos anos 70, numa conferência humanitária internacional, o representante do Vietname do Norte insistiria, vezes sem conta, na necessidade de proibir aquelas tácticas de "guerra hidrológica", as quais, na opinião do diplomata vietnamita, tinham sido mais lesivas para o seu país e o seu povo do que uma bomba de hidrogénio..No Vietname, os americanos utilizaram, parece que sem grande sucesso, uma outra técnica aquosa, desenvolvida desde os anos 40 e de que já aqui falei ("A Glória da Manhã", DN de 20/11/2022): a criação ou manipulação das nuvens para fins militares. Durante a Segunda Guerra, os cientistas Irving Langmuir e Vincent Schaefer colaboraram com a General Electric num programa para criar nuvens artificiais para dissimular o armamento, o qual se estenderia pelo pós-guerra e daria azo, em 1947, ao Projecto Cirrus, com vista a alterar a trajectória dos furacões e tufões. Durante a Guerra Fria, americanos e soviéticos gastaram fortunas em projectos militares para controlar o clima através das nuvens, e em 1957 o comité para esse efeito nomeado pelo presidente dos EUA fez uma afirmação lapidar, infelizmente actual: "Alterar o clima pode ser uma arma mais poderosa do que a bomba atómica." No decurso da Operação Popeye, em 1966, a América despejou toneladas de químicos sobre os céus do Laos e outros tantos no Vietname e no Camboja para aumentar as chuvas e antecipar a chegada das monções, com vista a perturbar os movimentos do inimigo. Não foi uma loucura do passado: em 1999, a Organização Meteorológica Mundial anunciou que 24 países levavam a cabo mais de uma centena de projectos de alteração do clima. A China, sempre ela, está na vanguarda do mal, sendo o país que actualmente mais investe na manipulação climática, cerca de 40 milhões de dólares ao ano. Em 2008, por ocasião das Olimpíadas de Pequim, foram definidas 20 zonas em redor da capital chinesa nas quais se fizeram concentrar as nuvens e as chuvas, longe da cerimónia de inauguração dos Jogos. E, um ano depois, por ocasião do 60.º aniversário do Partido Comunista Chinês, foram disparados para o ar mil foguetes contendo iodeto de prata, para que a chuva não ensombrasse as festividades e a parada militar. Bonito..Resta-nos a terceira dimensão bélica do H2O: a água como fonte e causa de guerra. Desde o final dos anos 90, quando os efeitos do aquecimento global começaram a tornar-se mais evidentes, inúmeros especialistas garantem que os próximos grandes conflitos serão travados em disputa pelos recursos escassos, como alimentos e, sobretudo, água. O mais curioso de tudo é que foram os maiores poluidores os primeiros a terem consciência disso: em 2003, Peter Schwartz, antigo responsável pelo departamento de prospectiva da Shell e consultor da CIA, escreveu um relatório para o Pentágono, em conjunto com Doug Randall, no qual se afirmava que a energia, os alimentos e a água irão, a breve trecho, substituir a ideologia, a religião e o orgulho nacional como causas preponderantes dos conflitos humanos..Hoje isso parece uma banalidade, mas o facto é que ainda não a compreendemos em todo o seu alcance. Resistimos a encarar aquilo que nos mostra, por exemplo, o Atlas Mundial da Água - Defender e Proteger o Nosso Bem Comum, de David Blanchon (Guerra & Paz, 2022), como resistimos a acreditar nos números da OCDE, que nos dizem que em 2050 40% da população mundial, cerca de 3,9 mil milhões de pessoas, viverá em regiões afectadas por stresse hídrico; ou que nos dizem que em 2050 a procura por água aumentará 55% relativamente ao ano 2000..É estranho, para dizer o mínimo, que aqui, neste canto da Europa, continuemos a ignorar ou, pelo menos, a não prestar a atenção devida a coisas decisivas que se passam do outro lado do mundo. Entre elas a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), fundada em 2001 pela China, pela Rússia, pelo Cazaquistão, pelo Quirguistão, pelo Tajiquistão e pelo Usbequistão. Já antes, muito antes, em 1996, tinha sido criada uma organização chamada Cinco de Xangai. E, mais decisivamente ainda, em 9 de Julho de 2017 a Índia e o Paquistão, vencendo as suas históricas dissidências, passaram a integrar a OCX. Enquanto aqui pelas Europas continuamos a maldizer a NATO e a América, a Oriente surgiu um colosso, detentor de 20% do PIB mundial e de 42% da população desta Terra..Pois bem, em Julho de 2019, enquanto por cá andávamos entretidos com os amores da Georgina & Ronaldo, ou outra coisa que o valha, os membros da OCX assinaram a declaração de Bisqueque (capital do Quirguistão), na qual se reconheceu que nos últimos 20 anos a disponibilidade de água por habitante tinha diminuído de uma forma dramática em muitos dos países da organização, reduzindo-se em 14,4% no Cazaquistão, em 22,1% no Quirguistão, em 33,4% no Tajiquistão, em 24,3% no Turquemenistão e em 25,7% no Usbequistão. Ou seja, e em suma, a Ásia Central encontra-se em profundo stresse hídrico e, pasme-se, 60% da sua superfície é já hoje desértica. Lembremo-nos do mar de Aral, que nos anos 60 -- já no nosso tempo! -- era duas vezes o tamanho da Bélgica e em poucos anos esfumou-se, desapareceu do mapa, perdendo nove décimos da sua área, fruto da criminosa e estúpida política da URSS. Em poucos anos, repete-se, extinguiu-se um lago de água salgada com o dobro do tamanho da Bélgica..Na Ásia Central, insiste-se, 60% da terra é já desértica e dois terços da população de uma vastíssima região depende a 90% da água trazida por apenas dois cursos de água, o Amur Dária e o Sir Dária. Sucede que as nascentes desses dois rios se encontram no Quirguistão e no Tajiquistão, a dupla de países "hidro-dominantes" da Ásia Central. A água é vital não apenas para o consumo ou a higiene humana, mas também para as hidroeléctricas e para o fornecimento de energia, pelo que se pressentem já conflitos grandes, terríveis, em torno dos rios e dos escassos lagos. A construção pelo Tajiquistão da monumental barragem de Rogun está já a suscitar enormes temores nos países vizinhos, sendo essa a causa da tensão patente, insanável, entre o Tajiquistão e o Usbequistão, que teme, e bem, que a barragem venha a destruir as culturas de algodão usbeques, fundamentais para a economia do país..Mais perto de nós, a Grande Barragem do Renascimento Etíope irá levar certamente, mais cedo ou mais tarde, a um grave conflito entre o Egipto, a Etiópia e o Sudão, e se quisermos vir ainda mais perto, mesmo que sem contornos tão belicistas, lembremos o que aconteceu entre Portugal e Espanha por causa da seca do ano passado. Uma notícia de há poucas semanas: em Espanha, o passado mês de Abril foi o mais quente desde que existem registos e as barragens do país vizinho estão a menos de 50% da sua capacidade de armazenamento; em 2022 choveu em Espanha menos de 80% do que seria normal, mesmo numa época de seca controlada. As bacias hidrográficas que afectam Portugal estão assim: a do Tejo, a 61% da sua capacidade; a do Douro, a 69%, e a do Guadiana, imagine-se, a 34% da sua capacidade (cf. Expresso, de 10/5/2023)..Alguém de bom senso pode negar que, mais cedo ou mais tarde, iremos ter graves conflitos diplomáticos com Espanha por causa da água? Não seria mais prudente e avisado começarmos já a preveni-los? Não deveríamos estar atentos à evolução do regadio em Espanha, que consome 80% de toda a água das suas barragens?."Entre pedras e pedrinhas/Alguma gota há-de haver", assim diz, esperançosa, a letra da Gotinha d"Água, a música com que começámos estas linhas. A realidade, porém, mostra-nos outra coisa bem diferente: por este andar, qualquer dia não teremos água nem sequer debaixo de pedras e de pedrinhas. Razão para a pouparmos e gastarmos melhor. Infelizmente, quase dois mil milhões de litros de água perdem-se em Portugal antes de chegar ao consumidor: dos cerca de 8,2 mil milhões de litros de água captados para consumo humano, apenas 1,94 mil milhões chegam às torneiras dos portugueses; o desperdício nas condutas daria para abastecer um milhão de pessoas; cerca de 25% da água que passa nas condutas de abastecimento em Portugal é desperdiçada (TSF, de 26/8/2022). Melhorar o abastecimento de água e combater o seu desperdício não deveria ser uma aposta de todos? Num país ameaçado pela seca, se um quarto da água se perde nos nossos canos, melhorar as condutas e a rede não deveria ser uma prioridade das prioridades para os financiamentos PRR e outros fundos congéneres? Perguntas que ficam no ar, ou no mar, e que decerto se perderão no caudal das notícias do dia-a-dia, na espuma dos casos e casinhos de que se fazem as misérias do nosso quotidiano. Aqui as deixo, porém, na esperança de que água mole....Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.