Gonçalo Ramos. O feiticeiro de Olhão ganhou lugar na história com golos e mérito próprio
Gonçalo Ramos como Pelé, Eusébio ou Ronaldo. Assim se resume a fenomenal exibição do jovem avançado no Portugal-Suíça, que terminou com um triunfo português, por 6-1, e consequente passagem aos quartos-de-final do Mundial 2022.
Se começou o jogo como "o substituto de Cristiano Ronaldo", acabou a partida com os suíços com o nome próprio a ecoar pelo mundo inteiro, após marcar três golos, algo que só Eusébio, Pauleta e CR7 tinham conseguido em Mundiais por Portugal. Gonçalo tornou-se o segundo mais jovem de sempre a fazer três golos na fase eliminar. Melhor apenas e só Pelé, que fez o mesmo aos 17 anos em 1958. "Nem nos meus melhores sonhos pensava estrear-me a titular num Mundial com um hat-trick", confessou o algarvio, depois de ser o primeiro a marcar três golos num só jogo no Mundial 2022.
Introvertido, o jovem avançado do Benfica é um exemplo de como o trabalho compensa. Foi assim no Benfica e é assim na seleção. A primeira chamada aconteceu por mérito próprio, numa espécie de prémio pelo excelente início de época de no Benfica. Tinha oito golos marcados e três assistências para golo em 12 jogos quando foi chamado por Fernando Santos, depois da renúncia de Rafa Silva à seleção, antes do duplo compromisso de Portugal na Liga das Nações. Se muitos o viram substituto de Rafa, ele viu uma oportunidade para ser internacional por Portugal.
Nessa altura, um lugar nos 26 eleitos para o Mundial 2022 ainda era uma miragem pela juventude e pelo excesso de opções ofensivas. A concorrência diminuiu por força das lesões de Diogo Jota e Pedro Neto, mas foram os golos que continuou a marcar de águia ao peito - 17 em 24 jogos - que o colocaram na lista para de Fernando Santos. E se muitos o viam como terceira ou quarta opção ofensiva, ele viu uma oportunidade... para jogar um Mundial aos 21 anos.
Já no Qatar foi notícia por jogar no lugar de Cristiano Ronaldo e ele voltou a lembrar que foi titular por mérito próprio, que entrou para a história dos Mundiais com um hat-trick à Suíça, numa noite de sonho pessoal e coletiva, com a passagem da seleção aos quartos-de-final (jogo com Marrocos é no sábado).
Por isso nunca lhe digam que a vaga não é dele, porque é bem capaz de mostrar que é e por mérito próprio. Tem quatro golos em quatro internacionalizações - tinha marcado no particular com a Nigéria, antes da ida para Doha.
Natural de Olhão, Gonçalo é neto de Matias, antigo jogador e dirigente do Olhanense, e filho de Manuel Ramos, um antigo jogador do Farense da era Paco Fortes. Apesar de nunca ter visto o pai jogar, Gonçalo tem "o bichinho pelo futebol" graças a Ramos, que também representou o Lagoa, o Quarteirense, o Almancilense e o Salgueiros na I Divisão.
Numa entrevista à BTV, o avançado admitiu que ouve com atenção os conselhos do pai e que, depois dos jogos, tem sempre uma mensagem dele à espera. Uma tradição que manteve no Mundial. Após o hat-trick na estreia ligou à família ainda no balneário e depois já no hotel. O que disseram fica em família. O jogador pediu aos pais e aos amigos mais próximos para não falarem sobre ele durante o Campeonato do Mundo e, por isso, Manuel Ramos não quis falar ao DN.
Os pais viram o jogo da seleção no bar do Centro de Treinos e Formação do Benfica no Algarve e Baixo Alentejo, em Ferreiras, concelho de Albufeira, enquanto o outro filho - Lourenço, 11 anos - treinava. À rádio Observador, Manuel Ramos disse que a família está num "turbilhão de emoções" com o hat-trick do avançado e garantiu que, se o filho jogar com Marrocos, "irá corresponder da mesma maneira".
A história de Gonçalo é igual a tantas outras de miúdos que sonham ser jogadores de futebol. Foi no quintal dos avós, em Olhão, e no areal da praia do Farol que descobriu a bola. Tinha cinco anos quando o pai o levou aos treinos de captação do Olhanense. Foi integrado num grupo de 60 miúdos e, segundo o treinador, "não parava de dizer que queria ser jogador de futebol profissional, como o pai".
Tinha talento. Foi aprovado e integrado numa equipa com miúdos mais velhos. Quando foi jogar um torneio a Vila Real de Santo António, a equipa de Olhão ganhou o prémio fair-play, que consistia numa visita ao Benfica Campus, no Seixal. E foi assim que teve o primeiro contacto com os encarnados. Passou então a jogar na escolinha das águias, no Algarve.
Juntou-se à família benfiquista, no Seixal, em 2013. E aos 17 anos foi lançado na equipa B por Renato Paiva. "Olhava para o treino como um momento muito importante. Trabalhava muito, gostava de aprender e sabe ouvir", disse numa entrevista ao Canal 11 o agora técnico do Bahia, lembrando ainda o momento da "explosão física", que fez dele um goleador. "Ele jogava a 8 [médio], mas tinha tanto golo e finalizava tão bem nos treinos que começámos a colocá-lo como segundo avançado. A partir daí foi a grande explosão dele, quando começou a marcar golos de forma imparável em todos os escalões", contou Renato Paiva.
Pouco mais de um ano e meio depois de começar a jogar nos B, estreou-se na equipa principal pela mão de Nélson Veríssimo, a 21 de julho de 2020. E que estreia. Entrou aos 85 minutos e marcou dois golos, na visita ao Desp. Aves (4-0). O último jogador a marcar dois golos na estreia pelos encarnados tinha sido o galês Mark Pembridge, em 1998... ainda Gonçalo Ramos não era nascido (2001). E assim entrou para a história, por marcar por quatro equipas do Benfica na mesma época (juniores, sub-23, equipa B e equipa A). Um dos muitos recordes de precocidade que tem batido na Luz.
Já o comparam ao alemão Thomas Müller, do Bayern Munique. Ramos gosta da referência porque se revê na "inteligência posicional" e no "contributo para a organização defensiva da equipa", mas em plena sala de imprensa no Qatar, depois de receber o prémio de melhor em campo no Portugal-Suíça, assumiu que tem Ronaldo como ídolo e ainda Lewandowski e Zlatan Ibrahimovic como referências.
Define-se como um "avançado que tem golo", que "gosta de explorar todas as zonas de finalização". E segundo alguns colegas das seleção sub-19, que em 2019 foi vice-campeã da Europa, com Gonçalo Ramos como melhor marcador do torneio, tem muita sorte nos ressaltos. Por isso lhe puseram a alcunha de feiticeiro. Ele garante que é com trabalho e sem magia que a bola vai ter com ele. O resto é trabalho, intuição e ambição.
isaura.almeida@dn.pt