Rui Reininho (R.R.), Toli César Machado (T.C.M.) e Jorge Romão (J.R.) são agora figuras de livraria, por mérito de Onde Nem A Beladona Cresce (ed. Porto Editora), a biografia escrita por Hugo Torres. Com 35 anos de canções e de concertos, estão a subir ao palco para comemorar, em Guimarães e em Lisboa, essa longevidade notável. Vão levar convidados: Javier Andreu (cantor dos La Frontera) e Isabel Silvestre (ambos presentes no disco Rock in Rio Douro e nos concertos de estádio, em Alvalade e nas Antas), bem como Rita Redshoes. Para a conversa trazem ideias e confissões..Primeira pergunta, primeira provocação: há uns anos, seria impensável marcar uma entrevista com os GNR para as dez e meia da manhã... O que mudou?.R.R. - Já há uns anos que esta é a nossa hora....T.C.M. - Nós já trabalhámos de noite, mas é muito cansativo... Aguenta-se uma semana ou duas, não mais... Eu lembro-me, quando chegava a altura de compor, de me deitar já com os passarinhos a cantar (risos). Mas é horrível, muito mais desgastante....R.R. - E já há uns anos que deixámos de gravar à noite... A última experiência foi com o Remy Walter [produtor do disco A Valsa dos Detectives, de 1989], em que ficávamos até às quatro, cinco da manhã para depois concluirmos que os melhores takes tinham sido feitos ao princípio da noite e o resto ia para o lixo....J.R. - Também tem um bocado a ver com a família, com os filhos, o ter que os levar à escola... De dia rende mais, isso é indiscutível..Segunda provocação: há uns anos, talvez não houvesse uma biografia oficial e autorizada....T.C.M. - A iniciativa foi da Porto Editora, não foi nossa... Mas até terá começado antes, quando percebemos que não tínhamos uma relação próxima com os fãs. Agora, fazemos uns jantares em Espinho, organizados com a ajuda de um amigo, com umas 40 ou 50 pessoas que vêm de todo o país. Isto acontece há uns cinco anos e descobrimos que havia gente com muita informação e com muito interesse pelo percurso dos GNR....J.R. - Os fãs até começaram por nos pedir um DVD [a gravar agora, nos concertos de Guimarães e de Lisboa] mas acabou por chegar primeiro a biografia....T.C.M. - Com tantas entradas e saídas, com músicos convidados, já andava tudo um bocado baralhado. E a biografia permite responder a uma série de questões que se punham sobre o grupo. Além disso, tem a ver com a longevidade....R.R. - Pois, não é um ano, não são dois, não é nada que se pareça com o caso do Justin Bieber (risos), até pelo peso que ganha a palavra escrita... O livro não é um fim, atenção, está lá escrito que "continua"....T.C.M. - Daí, também, a inclusão de uma canção original, no disquinho que vem lá dentro... Nós colaborámos, com entrevistas individuais e coletivas, e pediram-nos esse acrescento, que foi a canção [O Arranca-Coração]. Além disso, por sugestão da editora, conseguimos que o trabalho fosse feito por alguém que não estivesse conotado connosco, que não fosse daquelas pessoas que sentimos próximas, um dos "suspeitos do costume"....Ter uma biografia disponível ou um disco novo à venda: é igual, parecido ou diferente?.T.C.M. - É muito diferente... Além do mais, hoje ninguém tem interesse por um disco (risos)....R.R. - Eu notei isso na apresentação, na Casa da Música: nós chegámos aos 400 autógrafos (eram numerados...). Isso seria impossível numa sessão de lançamento de um disco..Mesmo que não vos conheça, fica a perceber com o livro que os GNR são um grupo em que as pessoas estão bem arrumadas, mas não se veem todos os dias....T.C.M. - Não, nem vamos juntos para férias. Estamos juntos enquanto trabalhamos e isso já ocupa muito tempo. Se calhar, está aí o segredo da nossa longevidade (risos)... Claro que somos amigos, que estamos presentes se há algum problema, se algum de nós não está bem....Mas não praticam a ideia do grupo quase como uma seita religiosa....R.R. - Não, não... E depois há interesses diferentes, há ritmos distintos. Mas essa distância é vital, até para haver tema de conversa. Nós falamos muito no tempo em que estamos em viagem. Se vivêssemos sempre juntos, em sessões contínuas, tornava-se sepulcral, não havia mundo para discutir....J.R. - Não fazemos férias juntos, não bebemos copos. Agora, estivemos no concerto do Tim [anteontem, quinta-feira, no Coliseu do Porto] mas fomos "convocados" coletivamente....R.R. - Devemos-lhe isso: há um ano estávamos a fazer os Coliseus em autoprodução e ele foi dos que se mostrou logo disponível. Nessas alturas, faz-se uma triagem dos colegas. Por exemplo, há os que defendem sempre que a malta do Porto se deve unir mas depois nunca podem, nunca lhes dá jeito, quando aparecem as oportunidades de mostrar essa cumplicidade....Por falar no Tim e nos Xutos & Pontapés, hoje ainda fazem sentido as rivalidades de outros tempos? Lisboa versus Porto, e por aí fora?.R.R. - Nós sempre tivemos uma boa relação com os Xutos. Deve ter sido o grupo com quem trocámos mais camisolas no fim dos jogos... Sempre entrámos nos camarins deles - e eles nos nossos - para ir comer os croquetes....T.C.M. - Quanto ao Porto e a Lisboa, também não há nada. Temos mais gente na equipa técnica de Lisboa, músicos convidados de Lisboa, descobrimos muito boa música - caso dos Capitão Fausto, de que todos gostamos - e não valorizamos por ser de Lisboa ou do Porto....O que mudou na Música Portuguesa para permitir essa normalização? Passa pelo facto de o mercado de ter encolhido e de se venderem menos discos?.T.C.M. - Penso que sim, que as pessoas acabam por estar mais unidas porque têm a noção da crise que rebentou e que "rebentou" um bocadinho connosco, músicos, de uma forma geral....R.R. - Atenção: isso não deve ser confundido com algo que se passa no Brasil e, em parte, vai acontecendo por cá, que é toda a gente entrar nos discos de toda a gente, sempre os mesmos....T.C.M. - Há uma certa pandilha que faz isso - e é muito pouco criativo. Além de não se saber quem enche as salas, se são os cabeças de cartaz ou os convidados....Entre os tempos iniciais dos GNR e os dias de hoje, as coisas tornaram-se mais fáceis ou mais difíceis....R.R .- Hoje há mais visibilidade imediata....J.R. - ... Mas é muito mais efémera. Acho que seria mais difícil hoje conseguirmos este trajeto, de construção de carreira....R.R. - Hoje, por exemplo, seria muito mais difícil sermos capa de revista, fosse ela generalista, do coração ou mesmo especializada em música. Agora, só se a Rita Pereira olhasse para nós ou dissesse que tinha ido a um concerto dos GNR com o Cláudio Ramos (risos)....Em matéria de edições, vocês fizeram o caminho ao contrário - passaram de uma grande editora para o financiamento próprio....R.R. - Nós fizemos sempre tudo ao contrário..T.C.M. - Tem uma componente interessante: a liberdade de controlar o que fazemos, quando sai e por aí fora....R.R. - E o facto de o reportório ser nosso. Do reportório antigo, nós ainda hoje temos que pedir autorização nem que seja para uma música passar numa novela. O catálogo não é nosso. É a escravatura branca....T.C.M. - No lado mau, está o investimento....R.R. - Temos que ir ao mealheiro..J.R. - No último disco [Caixa Negra, 2015], estivemos quase para recorrer ao crowdfunding..R.R. - No meu caso, foi-se o Porsche dos 60 anos e veio o Caixa Negra. Mas gostamos muito de o ter feito..O livro aborda as vossas hipóteses e batalhas de internacionalização. O que falhou?.R.R. - Houve momentos em que falhou a parte editorial. Em 1985, fomos a Madrid tocar ao Astoria e depois a editora, multinacional, andou seis meses a discutir percentagens de cá para Espanha. O disco acabou lançado por uma independente... Ora aí também se esfumou a possibilidade de uma digressão de 52 datas, em Espanha, com os Heroes del Silencio, que podia ter mudado tudo....E pelo lado do Brasil?.T.C.M. - Aí, houve uma edição pela EMI do Psicopátria....R.R. - ... De que nunca recebemos um tostão....T.C.M. - ... Mas o Brasil é muito mais complicado, é preciso estar lá..J.R. - E nós teríamos ido, se houvesse financiamento. Mas não houve. E não havia forma de sermos nós a pagar uma estadia de três meses....O facto de os GNR terem tantos "hinos" ajudam ou atrapalham na construção dos alinhamentos, onde é suposto aparecerem também as canções novas?.T.C.M. - Nuns casos, ajudam; noutros, atrapalham... Não há grande vontade de tocar algumas, mas tem que ser... E há canções em que nem dá para fazer arranjos diferentes..R.R. - O espetáculo ficou mais longo: em vez de escolher, soma-se....O palco ainda é um prazer ou tornou-se apenas uma necessidade?.T.C.M. - No meu caso, continua a ser um prazer imenso. Sabendo que tenho uma vantagem, uma vez que mudei de instrumentos [bateria e acordeão para guitarras e teclados]. Ao princípio, ainda me assustei porque o meu lugar em palco também mudou, deixei de estar resguardado lá atrás... Mas é um novo desafio..Vamos ao momento arqueológico. Na primeira entrevista que fiz com os GNR, há 35 anos, foi dito isto: "Soltem o rock, mas prendam o Madi!". A frase é atualizável?.T.C.M. - Então não é!... As coisas andaram para trás, o que nós combatíamos voltaram todas e hoje tornaram-se moda....R.R. - O Marco Paulo, hoje, parece quase o Beethoven....T.C.M. - ... Ou o Roberto Carlos... O que me espanta é isso ser aceite por extratos que supostamente têm outras bases, com mais responsabilidades. GNR & Convidados.Multiusos de Guimarães, hoje , 22.00.Campo Pequeno, Lisboa, dia 12, 22.00.Bilhetes de 20 a 50 euros