"Gesto de amor", diz Gilberto Gil ao receber Honoris Causa

Distinção pretende "honrar, através de Gilberto Gil, a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo", segundo o reitor João Sàágua.
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Foi com lágrimas de emoção, serenidade e bom humor que o cantor e compositor Gilberto Gil recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Nova de Lisboa na tarde de ontem. "Um gesto de amor, encharcado de afeto e carinho desse Portugal, que estreita os laços entre povos irmãos e culturas contíguas", resumiu o artista, sob fortes aplausos do público no auditório.

O brasileiro de 81 anos figura agora na lista da mais alta honraria académica da instituição, após cerimónia que integrou as celebrações do cinquentenário. De acordo com o reitor João Sàágua, Gil foi escolhido por representar os valores de arte e cidadania, que são os mesmos da Universidade."Na arte, representa valores da energia criativa, da alegria sã, harmonia cósmica e da compreensão profunda da Humanidade. Na cidadania, os valores da liberdade, diversidade, igualdade e da democracia", disse.

O reitor acrescentou que são valores "certamente essenciais na sociedade hoje". Ao mesmo tempo, afirmou que a homenagem também se estende além-mar, por "honrar, através de Gilberto Gil, a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo".

A cerimónia contou com uma leitura resumida da biografia do cantor responsável por compor mais de 600 canções, muitas das quais conhecidas em todo o mundo, como Esperando na Janela, Aquele Abraço e Andar com Fé. A carreira política, de luta contra a ditadura, de defensor das causas ambientais e de viajante pelo mundo em busca de inspirações para as músicas, da África aos Estados Unidos, também tiveram lugar na apresentação.

Com frequência, as letras do baiano são estudadas na universidade, tanto nos cursos de Ciências Sociais quanto nas Ciências Musicais. Por isso, foi lida uma breve análise de algumas músicas de Gilberto Gil, que demonstrou a boa memória ao sorrir, fechar os olhos e sussurrar os versos: "Quem nem lá, na ilha do medo, que nem lá, na ilha do frade, quem nem lá, na ilha de maré."

Em outro momento, o brasileiro sorriu e chorou ao ver o artista Júlio Resende tocar ao piano a música Cálice, que representa, até hoje, a luta contra a ditadura no Brasil. O coro da Universidade e o público também entoaram a canção, escrita em 1973 juntamente com Chico Buarque - que recebeu, em abril deste ano na cidade de Lisboa, o Prémio Camões, com atraso de quatro anos.

Este não foi o primeiro título do género recebido por Gilberto Gil. A mesma honraria foi concedida pela Universidade de Aveiro, em 2006, e pela Universidade de Berklee, em Boston, há dois anos. No mesmo sentido, em agosto, Caetano Veloso foi agraciado com este galardão pela Universidade de Salamanca, em Espanha.

Após a cerimónia, o compositor conversou com os jornalistas, agradecendo novamente a distinção recebida, que acredita ser importante na união entre Brasil e Portugal. O ex-ministro da Cultura brasileiro ressaltou que o país vive um novo momento, definido como "melhor" após a eleição de Lula da Silva e a derrota de Jair Bolsonaro.

"Vejo retomado um caminho de diálogos amplos, variados, entre o povo e as instituições. Vejo o Brasil melhor. Vejo o fortalecimento das instituições republicanas, democráticas, que sofreram leves ameaças, vejo uma restauração da ordem democrática no seu nível mínimo desejável", elencou. Gilberto Gil ocupou a pasta da Cultura entre 2003 e 2008, nos Governos anteriores de Lula da Silva, com o qual mantém amizade.

O baiano também avaliou o trabalho da atual ministra, Margareth Menezes, que esteve em Lisboa recentemente para ouvir demandas de imigrantes que atuam na área da Cultura em Portugal. "Em todos esses conceitos relativos ao que seja vida cultural ou papel do Estado, a Margareth tem noções muito claras a partir dos 30 anos de atuação como artista musical e militante político-social", avaliou.

Sobre o papel da música no atual panorama mundial, com guerras e conflitos em andamento, Gil ressaltou que é de "balsamizar esse corpo todo no sentido de torná-lo mais suave, mais flexível, mais aberto e afeto às coisas do afeto e do amor", referiu.

Gil está na Europa com a família, onde sobe ao palco na tournée Aquele Abraço. Na agenda constam três concertos em Portugal, dois em Lisboa e um no Porto. Depois, regressa ao Brasil, onde mais apresentações estão marcadas. Para 2024, já está confirmada a mesma tournée na Austrália.

amanda.lima@globalmediagroup.pt

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