Gavião. Como 55 casos de covid-19 atiram um concelho para risco extremamente elevado
As ruas do Gavião estão desertas. Desde que se ouviu na televisão que o concelho, com quatro freguesias, estava incluído no grupo de risco extremamente elevado que "há pessoas que se recolheram em casa e nunca mais foram vistas em lado nenhum". A imagem é-nos dada pelo presidente da câmara municipal, José Pio. Mas ainda "há quem continue a desvalorizar e a correr riscos e a colocar os outros em risco", salienta o autarca.
De acordo com o mapa de risco elaborado pelas autoridades de saúde, o concelho do Gavião aparece no início da tabela dos que regista uma incidência muito elevada de casos de covid-19. É o terceiro com maior número de casos por 100 mil habitantes, 1931 casos, mas a verdade é que tais estimativas assentam numa base que está muito longe da população real. "A população que serviu de base à estimativa é de 3300 habitantes, é a que consta dos cadernos eleitorais e os menores de 18 anos", explicou ao DN José Pio.
Mas a matemática é a matemática e a fórmula usada para as estimativas está definida pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças, e baseia-se na "incidência cumulativa a 14 dias de infeção por SARS-CoV-2/covid-19 correspondendo ao quociente entre o número de novos casos confirmados nos 14 dias anteriores ao momento de análise e a população residente estimada, por concelho, a 31 de dezembro de 2019, pelo Instituto Nacional de Estatística", lê-se na explicação do Boletim da Direção-Geral da Saúde que divulgou os 113 concelhos incluídos no mapa de risco.
DestaquedestaquePortugal conta neste dia 9 de dezembro com mais 4097 casos e mais 70 mortes. Ao todo, tem 332 073 casos de covid-19 e já vai em 5192 óbitos.
A verdade é que o Gavião está neste mapa devido aos 55 casos registados, há 15 dias, e que começaram num surto do lar da cidade. "Neste momento, há 55 casos, 38 foram registados no lar da cidade, entre funcionários e utentes, e os outros na comunidade", referiu José Pio. A origem do surto está num funcionário da instituição, que terá contagiado colegas, utentes e depois pessoas próximas que integram a comunidade. Até agora, foram registados dois óbitos, 19 já recuperaram da doença.
Mas José Pio admite ter alguma preocupação "apesar de acreditar que a situação caminha para o controlo absoluto". Desde essa altura, que a autarquia tem vindo a testar todos os funcionários e utentes do lar, "foram feitos mais de 750 testes na instituição. A autarquia adquiriu testes rápidos e não há um funcionário que entre ao serviço e não seja testado". Hoje (quarta-feira, dia 9), "foram feitos logo pela manhã cem testes", e a verdade "é que no início do surto e da testagem encontrámos alguns casos assintomáticos e mais dois idosos do lar que tiveram sintomas, mas há dias que o rastreio não nos traz casos novos", refere.
O autarca confessa ser um otimista por natureza, acredita que a população do Gavião começará a viver melhores dias muito em breve, "espero que o Natal seja bem mais sossegado do que estes últimos 15 dias", até porque, "a maioria da população tem sido cumpridora e os comerciantes também, cumprindo os horários e as regras definidos pela Direção-Geral da Saúde", assegura José Pio.
O Gavião é um pequeno concelho, entalado entre dois concelhos vizinhos, Crato e Nisa, e a zona centro do país, entre Mação e Abrantes. Desde 2011 que tem vindo a perder população. Na altura, os Censos registavam 4131 habitantes, agora há 3300. Mas não está sozinho nesta situação de risco extremamente elevado. Marvão, Nisa e Portalegre, sede de distrito, estão na mesma situação.
Nesta quarta-feira, a página da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano registava 638 casos ativos no distrito de Portalegre, nesta cidade o maior número de casos, 244, depois Gavião, 55, Crato, 51, Marvão, 46, Nisa, 45, Elvas 40, Alter do Chão, 36, Campo Maior, 20, Ponte de Sor, 15, Arronches, 11, e Avis, 10.
O Alentejo e o Algarve são as regiões do continente que menos têm sido afetadas pela pandemia de covid-19. Há quem diga que, neste caso, tem valido o facto de estarem numa zona do interior, isolada, e com uma densidade populacional reduzida.
DestaquedestaqueDesde o início da pandemia, o Gavião apenas registou duas situações com casos de covid-19, e ambas começaram em lares. A primeira foi em Belver, um lar com nove casos, na primeira fase da pandemia. E, agora, outro lar que conta com 38 casos que já passaram também para a comunidade.
No Gavião, por exemplo, conta José Pio, desde o início da pandemia que se registaram apenas duas situações com casos, e ambas começaram em lares. "Na primeira fase, estivemos muito tempo a zeros, estávamos satisfeitos, mas depois tivemos um lar em Belver que teve nove casos de covid-19, e agora foi este surto de há três semanas." Por agora, têm a registar duas mortes de pessoas idosas, mas que são filhos da terra.
Uma terra em que as pessoas não percebem como é possível estar classificada de risco extremamente elevado. "A câmara tem feito uma grande sensibilização nas redes sociais e até de porta a porta através do nosso departamento de comunicação social, tentando explicar a situação e no sentido de que as regras da DGS sejam cumpridas. Tem sido um trabalho diário e intenso e acho que está a resultar. É cada vez mais difícil ver-se pessoas que não estejam a ir para o trabalho ou que tenham de fazer compras de bens essenciais. Com as autoridades policiais também temos tido uma estreita colaboração no sentido de evitar situações incumpridoras."
A parte mais penosa é o silêncio, as portas fechadas e as ruas desertas, mas, mesmo assim, a autarquia tem incentivado o consumo no comércio local, tentando atenuar o impacto junto dos comerciantes da região. O Movimento de Apoio às Empresas do Gavião lançou uma raspadinha e distribuiu aos comerciantes, para que sejam dadas a quem fizer compras no comércio local acima de dez euros. Os prémios vão desde cem euros, 50, 30, e há muitos no valor de 20 euros e até de um euro. E a adesão "excedeu todas as expectativas - as pessoas têm feito as suas compras dentro da localidade e os comerciantes já pediram mais raspadinhas", argumenta José Pio.
Os negócios mais afetados ainda são o da restauração e o dos bares, onde "as quebras de consumo são elevadas", explica o autarca, que afirma terem sido "tomadas todas as medidas possíveis e acredito que nos próximos dias muitos dos infetados estejam já recuperados e possamos passar um Natal com alguma tranquilidade".
Entretanto, esta sexta-feira, o município de Gavião, anunciou a decisão de encerrar vários equipamentos públicos na sequência da inclusão na lista de concelhos com risco extremamente elevado de transmissão da covid-19.
No comunicado, o município explica que decidiu ainda suspender o transporte municipal solicitado pelas associações e efetuar a higienização de "todos os locais mais frequentados" do concelho, nomeadamente as principais ruas, junto aos lares, centro de saúde, farmácias, supermercados, entre outros espaços.
"Será criado uma equipa específica que promoverá periodicamente a desinfeção e higienização de contentores e respetivas pegas, tampas e marcos de deposição", lê-se no documento.
Atualizado às 13:18 de 11 de dezembro