Entre as exigências dos partidos nacionalistas que se esgrimem nos últimos dias no parlamento espanhol para garantir a viabilidade de um novo governo de Pedro Sánchez, as reivindicações de Nestor Rego são talvez as que menos encontrem um eco mediático. Mas, o único deputado do Bloco Nacionalista Galego (BNG), a cumprir um segundo mandato consecutivo pela formação em Madrid, conta também com um papel determinante na construção de uma cerrada maioria (com o apoio de pelo menos 176 dos 350 deputados), dentro da qual cada voto pode ser decisivo. Nas eleições de 2019, Rego tinha já conseguido obter várias contrapartidas do chefe de governo cessante em troca do seu apoio à investidura, como a suspensão da subida dos preços das portagens na AP-9, o principal eixo norte-sul da Galiza administrado pelo governo central, assim como o compromisso de Sánchez, no papel, de acelerar a transferência para o poder autonómico de competências como a gestão das costas galegas. Agora, o deputado do partido nacionalista de esquerda volta a apresentar-se como o único político galego a ter conseguido obter medidas concretas para reforçar a autonomia do território.."Há quatro anos votámos a favor de Sánchez porque se produziu um acordo que considerámos ter sido muito positivo, embora a execução tenha sido moderadamente positiva e é por isso que queremos ver agora um calendário claro, mesmo que o melhor elemento de pressão seja saber que o voto do BNG vai continuar a ser decisivo no Congresso dos Deputados"..Ao lado das exigências das formações independentistas como as catalãs Esquerda Republicana e Junts per Catalunya ou o partido basco Bildu, os nacionalistas galegos reconhecem que o caminho para a independência não faz parte das suas exigências imediatas a Sánchez. "O BNG não renuncia ao objetivo de uma Galiza soberana, pois esse é o nosso objetivo estratégico, mas tentamos atuar com realismo pois, para que o nosso projeto político possa avançar, necessita de ser iniciado pelo parlamento galego, onde, por agora, não contamos com uma maioria, como ocorre na Catalunha ou no País Basco". Fundado em 1982 para agrupar distintos partidos de esquerda e extrema-esquerda sob uma bandeira independentista, o "Bloco" só governou uma vez a Galiza, como sócio minoritário numa coligação com os socialistas galegos (PSdeG) de 2005 a 2009. Depois de uma travessia do deserto marcada por cisões internas em torno da questão de realizar alianças com partidos estaduais como Esquerda Unida ou Podemos, a formação ocupa desde 2020 a posição de segunda força política no parlamento autonómico com 19 deputados (face aos 42 do PP e os 14 do PSOE)..O partido obteve o seu melhor resultado de sempre nas municipais realizadas em março, que lhe permitiram uma conquista simbólica ao governarem pela primeira vez a capital galega, Santiago de Compostela, ainda que em coligação minoritária e com o apoio dos socialistas, depois do PP ter sido o partido mais votado, mas sem alcançar uma maioria absoluta.."O êxito do Partido Popular da Galiza reside nesta ideia de se identificar com os galegos, com essa ideia de galeguidade, aquilo que Fraga Iribarne classificava como a diferença galega, ao não pretender ser, nem fazer como os partidos nacionalistas bascos e catalães", recorda a politóloga María Nieves Lagares. A professora de Ciência Política na Universidade de Santiago (USC), tenta assim explicar as razões que levaram o PPdeG a ser um partido conservador ao mesmo tempo "unionista" e "autonomista", evitando até hoje o surgimento de um partido nacionalista de direita galego como o PNV basco ou a antiga Convergência e União e o atual Junts, na Catalunha..Uma exceção que explica, em grande parte, como desde a vitória nas primeiras eleições autonómicas galegas em 1981 até hoje, a formação conseguiu somar quase três décadas e meia de governação da Galiza em 42 anos, totalizando oito maiorias absolutas: quatro lideradas pelo fundador do PP, Fraga Iribarne, entre 1990-2005 e outras quatro, desde 2009, sob as rédeas de Alberto Núñez Feijóo. Este último, obrigado a abandonar o governo galego a meio-mandato, em maio do ano passado, para assumir a liderança nacional do Partido Popular como antecâmara de uma candidatura à presidência de Espanha, agora falhada..Xosé Luis Barreiro, politólogo e ex-vice-presidente da Xunta em meados dos anos 80, pela então Aliança Popular (AP) que se iria converter mais tarde no PP, resume hoje os êxitos eleitorais da formação evocando o facto de que, até hoje, "os socialistas governaram apenas seis anos e meio na Galiza, a última vez em coligação com um Bloco Nacionalista Galego em posição minoritária e apesar do PP ter sido o partido mais votado (perdeu a maioria por apenas um deputado)". Antigo diretor da campanha que levou a AP a vencer o sufrágio de 1981, o professor, hoje afastado da política ativa, reclama a autoria de uma estratégia, então sob o slogan "galego como tu", em que a identidade não passava pelo nacionalismo. "Nessa primeira campanha a Galiza não tinha uma história profunda de afeto à autonomia e o partido galeguista acabou por não conseguir eleger um único deputado. Eu propus que, em vez de concentrarmos a campanha nos processos históricos e no pedigree da nacionalidade que apostássemos numa ideia inovadora, a de que a Constituição nasce do estatuto que reconhece a condição de nacionalidade histórica (...) e a isso juntei a ideia da ocupação do território com organizações do partido que ainda hoje persistem, de forma a garantir uma grande capacidade de penetração social para acolher ideias, protestos ou petições e ao mesmo tempo para mobilizar o eleitorado quando é necessário", afirma Barreiro..Fraga resumiria a fórmula identitária ao afirmar sentir-se "profundamente galego, como forma de ser espanhol", precisamente depois de votar contra a introdução da língua galega no Senado espanhol em 2010. Em setembro passado, Feijóo tinha acolhido a entrada do galego no parlamento em Madrid com as restantes línguas cooficiais, com uma ameaça de recorrer ao Tribunal Constitucional para invalidar a reforma pressionada pelos nacionalistas..O fundo da mensagem persiste, no entanto, até hoje numa perceção da identidade galega que, para María Lagares também explica, por outro lado, o facto do partido de extrema-direita Vox não estar ainda representado no parlamento galego, ao contrário do que sucede noutras comunidades autónomas..Entre as três primeiras "nacionalidades históricas" reconhecidas pela Constituição espanhola democrática em 1978 - cujos estatutos de autonomia tinham sido aprovados nos anos 30 antes de serem interrompidos pela guerra civil e a ditadura de Franco - a Galiza é aquela onde o sentimento independentista regista um menor apoio entre a população. Apenas 8,8% dos galegos manifestavam estar a favor de um referendo sobre a independência do território face a 26,8% dos bascos (estudo CIS espanhol 2020) e 38,8% dos catalães que defendem a criação de um Estado independente (estudo CEO catalão de 2022)..A língua galega, reconhecida como língua cooficial com o catalão, o basco e o valenciano, mesmo depois de ter sido perseguida e reprimida pela ditadura como as restantes, representa a terceira língua mais utilizada em Espanha com quase dois milhões e meio de falantes. Nas últimas duas décadas o galego passou de ser a língua utilizada mais frequentemente do que o castelhano por 67,9% da população da autonomia para encontrar-se agora perto da paridade, ou ligeiramente abaixo do castelhano, dependendo dos estudos. Um fator que muitos especialistas atribuem a vários elementos, entre os quais o decreto aprovado pelo ex-presidente autonómico Alberto Núñez Feijóo sobre o plurilinguismo, pouco depois do PP ter recuperado a presidência do governo autonómico em 2009 e que na prática limitava a presença da língua galega no ensino público..Um panorama que, para Nestor Rego representa um espelho da governação do PP à frente dos destinos galegos, "é um partido distinto do PP nacional que, em alguns casos - quando lhe interessa - joga esse papel de força galega, mas nos momentos decisivos situa-se na linha do PP espanhol e contra qualquer avanço na autonomia galega"..Longe da pujança económica da Catalunha e do País Basco impulsionada pelo setor empresarial próximo dos setores nacionalistas conservadores, a Galiza situa-se hoje na média de Espanha em termos de PIB por habitante. Uma população envelhecida e uma evolução demográfica quase estancada nos últimos 25 anos, marcada por vagas de emigração sucessivas, revelam algumas das contraindicações da fórmula da diferença receitada pelos governos galegos. Com um crescimento acelerado, potenciado pelos fundos e projetos da União Europeia e por um conjunto de empresas com dimensão transfronteiriça que a afasta de um passado recente de fraca industrialização e ruralidade, o desenvolvimento da Galiza depende ainda, segundo a economista María Cadaval, da postura do executivo galego de não ousar reclamar mais do Estado central..A especialista em financiamento autonómico e descentralização evoca o exemplo da implicação recente da Xunta no projeto de corredor ferroviário de mercadorias do Eixo Atlântico (que inclui Portugal), ao final de quase 10 anos de intenso lobbying das autonomias do sul de Espanha, partidárias de um corredor mediterrânico. Cadaval lamenta também a falta de determinação das autoridades galegas em obter áreas de competência estatal atribuídas a outras comunidades através da revisão das suas "constituições" - o estatuto de autonomia. "Eu não acredito, como afirma por exemplo o BNG, que a Galiza tenha capacidade para reclamar competências ao nível fiscal como ocorre por exemplo no País Basco, que é um caso excecional em Espanha, percebo que a Catalunha também exija essa competência, pois é uma comunidade rica que é contribuinte sem ser recetora do sistema redistributivo autonómico espanhol, quando na Galiza se passa exatamente o contrário e não teria capacidade de assumir os custos que implicam todos os serviços sociais e sanitários que presta atualmente"..María Cadaval recorda como uma oportunidade perdida a tentativa falhada em 2008 - durante o governo PSdeG-BNG - de reformar pela primeira vez o estatuto de autonomia para atribuir mais competências ao executivo galego ao nível da gestão do litoral ou assegurar mais investimentos em infraestruturas por parte do governo central. "Estamos a falar obviamente da energia eólica marinha, das atividades industriais relacionadas com o mar, como a indústria conserveira ou o setor da aquacultura, o facto de não se ter aprovado um novo estatuto limita as capacidades da comunidade autónoma de potenciar áreas nas quais tem um conhecimento maior que o Estado central"..O atual governo galego, liderado pelo sucessor de Feijóo na presidência, Alfonso Rueda, encontra-se atualmente em litígio com o governo central, depois de ter aprovado uma lei sobre o litoral em que reclama competências exclusivas do Estado. Um gesto que chegou a ser apelidado por membros do governo de Sánchez como "uma declaração de independência" ao não ter em conta a via normal da reforma do estatuto de autonomia. Um documento que o PP se recusa sistematicamente a renegociar na Galiza, em grande parte por temer as consequências de ter de rejeitar a inclusão de uma possível referência ao conceito de nação galega no lote de modificações, como aconteceu aquando da revisão do estatuto catalão em 2006..Resta saber, dentro das exceções galegas zelosamente salvaguardadas pelo PP se a Galiza pode resistir às ondas de choque vindas do debate político em Madrid e quem sabe encontrar-se na mesma situação de quase empate técnico entre blocos nas próximas eleições autonómicas, ainda sem data marcada, mas que poderiam coincidir com as europeias em junho de 2024..No início da semana passada, o parlamento galego realizava o debate anual sobre o estado da autonomia, ao compasso das vibrações que agitam o futuro de Pedro Sánchez. Mais de um ano depois de ter chegado ao poder, Alfonso Rueda, apresentava-se como uma garantia de continuidade, depois do fracasso de Feijóo em reunir uma maioria de votos em torno da sua candidatura. Na oposição, liderada pelo BNG, Ana Pontón, a presidente da formação na crista da onda provocada pelos resultados eleitorais do partido, apresentava-se como a única alternativa ao PP, com Nestor Rego a reunir-se, na terça-feira em Madrid com Sánchez, para recordar o peso do Bloco sobre os destinos do próximo possível executivo. Os socialistas galegos, a terceira força no parlamento autonómico, juntavam-se às vozes da oposição que prenunciavam um fim de ciclo do PP, ao mesmo tempo que na bancada dos visitantes, Xosé Ramón Besteiro, acompanhava o debate..O atual braço direito de Pedro Sánchez para as negociações em Madrid, anunciava no mesmo dia a sua candidatura às primárias do PS galego, disposto a defender as cores do partido nas próximas autonómicas e talvez também a preparar-se para mediar o mesmo tipo de negociações dentro de meses em Santiago. O Sumar, o partido da também galega Yolanda Diaz, sem contar ainda com presença no parlamento galego, posicionava-se também na corrida, quando a ministra cessante de Sánchez que forjou pontes entre setores nacionalistas e partidos centralistas na Galiza se encontra agora a tentar obter os mesmos resultados com catalães, desta vez em favor de Sánchez..Xosé Luis Barreiro não descarta que o cenário de quase empate entre forças se possa repetir em Santiago, com os olhos postos no Vox e em outras candidaturas à direita, mas sublinha: "acho que quando começar a legislatura espanhola, mesmo que se consiga obter uma maioria, a instabilidade e a confusão que poderão surgir, poderão também ajudar o PP galego a manter essa maioria absoluta nas próximas eleições autonómicas"..No seu discurso do debate sobre o estado da autonomia, Alfonso Rueda, exercitava, uma vez mais, o mantra dos conservadores galegos, em tom pré-eleitoral, apresentando a Galiza como "previsível" e "segura" com um exemplo contrário à vista, "estamos a ver como se está a dar prioridade às exigências da Catalunha, da Esquerda Republicana e também de Bildu e como se está a deixar de lado as necessidades da Galiza", mas também com uma advertência ao Estado Central, "nós não queremos mais do que os outros, mas também não queremos que nos tirem aquilo que temos para dá-lo a outros".