Fundação Mapplethorpe diz que diretor de Serralves foi egoísta e pouco profissional
A demissão de João Ribas da direção do Museu de Serralves é um ato "egoísta" e "pouco profissional", considerou este sábado de manhã Michael Stout, presidente do Conselho de Administração da Fundação Mapplethorpe, após uma visita guiada à exposição do artista norte-americano, em que já não participou o diretor demissionário. Stout diz que foi surpreendido pela demissão que "tira o foco do talento do artista" e embaraça a própria fundação e o museu, "um dos mais prestigiados da Europa".
João Ribas demitiu-se na sexta-feira por considerar que a administração condicionou a mostra, ao exigir que um conjunto de fotografias colocadas numa sala ficasse restrito a maiores de 18 anos. Foi também avançado que a administração de Serralves, presidida por Ana Pinho, impediu a exibição da totalidade das obras. Ao Público, Ribas disse que "já não tinha condições para continuar à frente da instituição"
"Fiquei muito chocado ontem [sexta-feira] ao fim da tarde quando João Ribas me ligou a avisar que se iria demitir, mas provavelmente só final da exposição, daqui uns meses. Encorajei-o a ficar durante a exposição como uma responsabilidade profissional. É difícil para mim comentar situações como esta num país em que não estou familiarizado com as morais, a cultura, a história" disse aos jornalistas após já ter dito durante a visita guiada que "as informações que estão ser difundidas sobre censura não estão corretas".
Aos visitantes explicou, porque foi questionado durante a visita, que o diretor apresentou a demissão de forma incorreta, "pelos jornais", e que permitiu que "muitas inverdades fossem comunicadas".
"As exposições de Mapplethorpe passaram pelos mais proeminentes museus da Europa e este é um deles. Em muitos deles, incluindo o Hermitage, em São Petersburgo, o Grand Palais, em Paris, e uma série de museus americanos, foram deslocadas fotografias e colocadas em salas separadas, como aqui. Em alguns, os menores só podiam entrar acompanhados por adultos, outros limitaram a 14 anos, outros a 16. Nós nunca colocámos objeções. Nunca impusemos nenhuma regra. Se os museus, os seus diretores, os curadores sentirem que há imagens que devem ser exibidas separadamente, nós respeitamos", disse o responsável.
As críticas à atuação de Ribas foram fortes. "Penso que a decisão de João Ribas se demitir, desta maneira, revela uma total falta de profissionalismo e é inapropriada. Não há fotografias que tenham sido removidas, além das que ele próprio decidiu. Como podem ver algumas das fotos mais desafiantes estão aqui na exposição. Não entendo a sua posição", disse Michael Stout, para quem esta polémica "tira o foco do talento do artista" e por culpa de João Ribas.
Stout adiantou também que "só duas fotos foram removidas" e com conhecimento de João Ribas. "Em todas exposições, decide-se deixar de fora obras, é normal. Na minha opinião, nada foi removido por censura. Pediram para as fotos mais desafiantes não ficarem nesta sala principal para dar a oportunidade aos pais de evitar que os filhos as vejam. Colocaram a restrição de 18 anos, talvez isso possa ser alterado, não sei. Tudo aconteceu tão rápido, de forma tão dramática... João anunciou a demissão aos jornais antes de o fazer à administração. Para mim é uma atitude egoísta e egocêntrica. Para a Fundação Mapplethorpe, a administração agiu corretamente. O diretor é que não foi profissional", concluiu
A visita guiada teve uma boa afluência e durante a manhã houve muitos visitantes a entrar nas salas onde estão expostas 159 fotografias de Robert Mapplethorpe. As de cariz sexual mais explícito estão colocadas em duas salas onde o acesso é restrito a maiores de 18 anos. Algumas são imagens de sadomasoquismo e bondage, e outras com foco nos órgãos sexuais. À entrada está um aviso a chamar a atenção para o carácter mais explícito e eventualmente chocante, com a idade de 18 anos a ser exigida para o acesso.
João Pereira, 21 anos, foi dos participantes na visita guiada. "Gostei muito. Esperava ver mais algumas coisas, com mais fotos de bondage. Mas não critico, é uma escolha", disse o estudante de moda, que já conhecia a obra do autor antes de ir a Serralves. Aceita que haja restrições - "não é bom ter imagens de fisting [ato sexual com introdução da mão no órgão] numa sala onde podem estar crianças", diz -, mas discorda da proibição etária a menores de 18.
Já Teresa Nunes e Brenda Vidal, a primeira portuguesa e a segunda espanhola, confessaram ao DN que foram a Serralves por terem lido "toda a polémica nos jornais durante a manhã". As duas músicas não conheciam Mapplethorpe nem a sua obra. "Não conhecia mas gostei muito. As fotografias refletem, sobretudo, a maneira como ele vê as coisas", disse Teresa. Brenda acrescentou que a restrição de salas a menores de 18 anos "pode fazer algum sentido, mas hoje em dia está tudo acessível na internet a qualquer menor", tendo em conta que nenhuma criança irá sozinha a uma exposição, pelo que a decisão pode ser dos pais.
Conhecedor do artista e da obra, Samuel Lopes gostou da visita guiada e pretende voltar "para ver a exposição com mais atenção, já que é uma boa exposição". A proibição a menores de 18 anos "é excessiva", considera. "Normal é restringir, proibir não está bem." De resto, a demissão não lhe merece grandes comentários. Ri-se e atira: "As pessoas gostam de polémicas e os jornais ajudam nessas polémicas."
Entretanto, a Fundação de Serralves reagiu em comunicado e nega que tenha proibido a exposição de algumas obras de Robert Mapplethorpe, na exposição inaugurada na quinta-feira, por terem cariz sexual explícito.
"A Administração de Serralves não retirou nenhuma obra da exposição. Desde o início, a proposta da exposição foi apresentar as obras de cariz sexual explícito numa zona com acesso restrito", explica o conselho de administração, em comunicado. Sublinha ainda que a exposição é composta por "159 obras do autor, todas elas escolhidas pelo curador desta apresentação", que foi o próprio direto do museu, João Ribas. Quanto à demissão, não há qualquer comentário.
"Dado o teor de várias das obras expostas e sendo Serralves uma instituição visitada anualmente por quase um milhão de pessoas de todas as origens, idades e nacionalidades, incluindo milhares de crianças e centenas de escolas, a Fundação considerou que o público visitante deveria ser alertado para esse efeito, de acordo com a legislação em vigor", acrescenta.