Freixo de Espada à Cinta, o último reduto da seda artesanal na Europa
Nas mãos de Júlia Braz residem por estes dias os segredos de uma tradição secular em Freixo de Espada à Cinta. É ela a "fiel depositária", como sublinha o historiador Jorge Duarte, da minuciosa arte de produção artesanal de seda que tem nesta vila do Nordeste Transmontano, na fronteira com Espanha, o seu último reduto em toda a Europa.
Ao longo dos últimos tempos, Júlia, que diz que aprendeu este ofício com "uma antiga tecedeira, já há mais de 30 anos", tem tido em Liliana Esteves uma dedicada aprendiza. São elas, atualmente, as duas únicas artesãs a manterem ativa, numa pequena sala do moderno Museu da Seda e do Território, uma arte que foi introduzida aqui pelos judeus no final do século XV e que já foi um importante motor económico da região.
"No século XVIII, Trás-os-Montes estava transformado num grande centro comercial de seda", lembra Jorge Duarte, diretor do museu. E este é um polo que o concelho quer voltar a dinamizar. Foi para isso que nasceu ali, há cerca de dois anos, a Casulo Dourado, associação da seda de Freixo de Espada à Cinta que, sob a supervisão de Jorge Duarte, procura "defender, preservar e recriar todo o processo de produção da seda, desde a criação do bicho-da-seda, passando pela extração e fiação até à tecelagem".
Sendo esta uma matéria-prima cara, os seus produtos manufaturados constituem autênticas preciosidades. Pequenos tesouros que vão saindo das mãos de Júlia e de Liliana ao longo de um minucioso processo em que a pressa é inimiga da perfeição que se requer - pode levar meses até à confeção final de uma colcha ou de um atoalhado, cujos preços podem atingir os 10 a 12 mil euros.
O ciclo de produção começa com a criação do bicho-da-seda, na primavera. "É dos casulos formados pelo bicho-da-seda que se extrai o filamento que vai dar origem à seda, mergulhando o casulo numa caldeira de cobre com água a 90 graus para desenrolar o seu finíssimo fio, cujo comprimento tem cerca de mil metros", explica Liliana Esteves. A partir daí, sucedem-se várias fases de produção que passam por instrumentos diversos como "o sarilho (onde 20 desses finíssimos fios são unidos num só), a dobadoura (onde o fio é dobado), o rodeleiro (que juntamente com o cubilho permite engrossar o fio), o fuso (para torção), de novo a caldeira (agora com água a ferver e sabão natural, para branquear a seda) e, finalmente, o tear", desfia a artesã. Tudo, repita-se, feito à mão. "Em média, sabemos que cinco quilos de casulos correspondem a um quilo de seda", diz Liliana.
A seda de Freixo de Espada à Cinta tem uma fama global. Até da China - o histórico maior produtor de seda a nível mundial, que durante séculos guardou os segredos da sericultura que deu origem a uma das mais importantes rotas comerciais da história (a rota da seda) - chegam vénias e manifestações de interesse.
O presidente chinês, Xi Jinping, que nesta semana visita Portugal, referencia-a no artigo de opinião que publica nesta edição do DN. E o museu foi contactado pelo maior jornal da República Popular da China, o People's Daily, interessado em conhecer o último reduto da seda artesanal na Europa. As afinidades ancestrais entre esta vila e o longínquo gigante oriental vão, de resto, para lá da sericultura - foi um freixiense, Jorge Álvares, o primeiro navegador europeu a chegar aos mares da China - e já deram origem a um protocolo cultural com a embaixada chinesa em Portugal.
Os chineses são uma fatia considerável dos turistas que aqui acorrem em busca dos tesouros de seda. Mas a maioria são ainda portugueses, seguidos de (muitos) brasileiros. "Há tempos, chegou aqui um professor universitário brasileiro, de Minas Gerais, que se meteu no avião até Lisboa, veio de táxi até Freixo propositadamente para comprar duas écharpes de 500 euros e depois foi apanhar o avião de volta", conta Jorge Duarte.
Mas este mercado de luxo é um nicho que não permite, por si só, manter a atividade regular das tecedeiras. "Não podemos ter os produtos mais tradicionais, mais caros, em stock. Só mediante encomendas", diz o diretor do museu. Por isso, "o que fazemos é pegar na tradição e modernizá-la", acrescenta, referindo-se a toda uma nova gama de subprodutos resultantes do ciclo de confeção da seda, de menor custo e mais facilmente escoáveis na oferta turística, como sabonetes, gravatas, porta-moedas, fios, licores extraídos da amoreira, entre outros.
Ainda assim, e apesar dos bons sinais deixados por estes dois primeiros anos de trabalho da associação Casulo Dourado, Jorge Duarte alerta que "é preciso um projeto integrado, a uns 20 anos, que envolva instituições de ensino, culturais e turísticas, para voltar a fazer da seda um polo de desenvolvimento importante para o concelho". Entre as coisas que faltam está, por exemplo, a certificação da seda de Freixo de Espada à Cinta, considerada "fundamental".
Se assim não for, a valiosa arte pode extinguir-se nas mãos de Júlia e de Liliana, as tecedeiras que vão preservando os segredos do ofício.
O texto que o DN publica do chefe de Estado Xi Jinping faz várias referências à história e à cultura das relações de Portugal e da China. Mas também nota casos atuais e aponta para o futuro.
Camões
O presidente chinês cita um trecho conhecido do Canto III d'Os Lusíadas, o poema épico de Luís de Camões. "Aqui onde a terra se acaba e o mar começa" é referência à localização de Portugal, ponto de partida da gesta marítima que chegou ao outro lado do mundo. Séculos depois, José Saramago inicia e termina O Ano da Morte de Ricardo Reis com variações do verso.
Azulejo
A porcelana foi um dos principais produtos que a China exportou para a Europa (e mais tarde para o Brasil) através dos navios lusos. E exerceu tal influência que os portugueses passaram a usar, até hoje, o típico azul e branco da porcelana chinesa no azulejo. E não só na cerâmica: as faianças portuguesas do século XVII são inspiradas em motivos chineses.
Língua
O líder da República Popular da China menciona um casal de professores que tem ensinado aos portugueses a língua e a cultura chinesas ao longo de décadas. Mas como o próprio igualmente identifica, existem hoje em Portugal quatro Institutos Confúcio. E na China há 17 universidades com cursos de português.
Futebol
A China tem como objetivo tornar-se uma potência do futebol e o país vive uma "febre do futebol português". Há cerca de uma centena de treinadores na potência asiática, quase todos em academias. Destaque para Vítor Pereira, campeão nesta época no Shanghai SIPG. Três futebolistas alinharam na Superliga: José Fonte (no Dalian Yifang), Vaz Tê e Orlando Sá (no Henan Jianye).
Pastéis de nata
Xi Jinping dá também um exemplo de trocas culturais através da gastronomia. Um exemplo recente como o futebol, mas doce. Na Expo de Xangai, em 2010, os pastéis de nata do pavilhão português foram um sucesso. Hoje a "tarte de ovo" já se encontra um pouco por todo o país.