Nuno Prates não mora na freguesia de Alvalade, em Lisboa, mas tem lá a sua oficina de jardinagem. E detestava olhar todos os dias para o mau estado do canteiro à entrada do prédio situado na rua General Pimenta de Castro, entre a Avenida dos Estados Unidos da América e o Bairro das Estacas. Apaixonado por plantas e especialista em jardins, nomeadamente na adaptação de plantas tropicais a Portugal, resolveu dar-lhe outro ar. Nuno revela ao DN que "dali nasceu um belo canteiro, cultivado de forma diferente do que é habitual para os padrões da Junta de Freguesia"..O pior estava para vir. Certo dia, estava Nuno Prates a trabalhar, quando ouviu barulho de máquinas à porta do seu atelier. "Eram jardineiros da Junta de Alvalade a destruir o canteiro. Alguns moradores não gostaram e foi iniciada uma campanha nas redes sociais. O movimento foi liderado por Leonardo Rodrigues, estudante de Comunicação Social, que eu nem conhecia", explica. As reivindicações não caíram em "saco roto", com o órgão executivo a reconhecer o erro e a pedir desculpa a Nuno. "Veio à minha oficina um alto funcionário da Junta pedir-me desculpa", recorda..E foi a partir deste infeliz acontecimento que surgiu a ideia de deixar o cuidado dos jardins aos próprios moradores, desde que sejam seguidas regras bem definidas. Curiosamente, o próprio Nuno Prates e Leonardo Rodrigues contribuíram com uma série de ideias que viriam a ser aproveitadas para a elaboração do regulamento, que está publicado no site oficial da Junta..Entre as regras a cumprir destacam-se: tratar o jardim com plantas ornamentais (medicinais e aromáticas), frequentar ações de formação que a Junta considere obrigatórias e assegurar a limpeza e segurança dos espaços e respetivos acessos. Entre as proibições, conta-se a impossibilidade de efetuar qualquer tipo de instalação ou construção sem autorização da Junta (nomeadamente instalações para animais domésticos) e a proibição do uso de herbicidas e pesticidas químicos..Contactada pelo DN, a Junta de Freguesia de Alvalade explica que atualmente gere três parques hortícolas, respondendo a uma procura constante por esta tipologia de equipamento. "Como seria de esperar, o risco de conflito é um fator sempre subjacente, visto não existirem títulos que as legitimem nem regras bem definidas para a sua utilização. Assim, por forma a colmatar estas lacunas, surgiu a ideia de criar um regulamento que previsse, além da agricultura, também a jardinagem urbana, firmando um conjunto de regras sobre o que pode ou não ser feito e sobre o modo de atribuição destes espaços a um determinado particular", acrescenta a Junta de Freguesia..Existem dois critérios-base para a seleção dos "jardineiros": a disponibilidade, correspondente à capacidade de afetação de tempo à atividade da jardinagem urbana e a ligação à freguesia, referente ao elo de conexão entre o candidato e a freguesia (se é morador, residente temporário ou se encontra noutra situação). Em caso de eventual empate, surge o fator da proximidade..Está ainda prevista a atribuição direta de espaços integrados na rede de pequenos jardins urbanos de Alvalade a utilizadores que, de acordo com o levantamento realizado pelos serviços da autarquia, já ocupem o espaço com atividade de jardinagem e de modo comprovado. É igualmente possível aceder à autorização para utilização de espaços externos a esta rede mediante avaliação da proposta do interessado. Esta modalidade de "candidatura espontânea" pode ser realizada através de formulário próprio, em que os cidadãos descrevem o que pretendem realizar no espaço em causa, assim como a sua motivação para a prática da jardinagem urbana..A Junta garante "orientação técnica a todos os que pretendam iniciar-se nesta atividade, aconselhando, por exemplo, quais as espécies que melhor se adaptam a cada espaço urbano e ao clima geral de Lisboa". Refira-se ainda que foi desenvolvida uma sinalética que permite a identificação destes pequenos jardins..O primeiro jardim foi atribuído a Nuno Prates, com a licença número 1, tendo depois disso sido já atribuídos mais seis pequenos jardins. A Junta de Freguesia de Alvalade tem a expectativa desta iniciativa "venha a ser replicada por outras freguesias e até municípios"..O jardim de Nuno Prates vai crescendo formoso e com nome próprio - Jardim das Plantas Doadas. "Muitas pessoas conheceram a história nas redes sociais e foram colocando plantas à porta da minha oficina", refere, como justificação para o nome. E não esconde a satisfação quando se apercebe da adesão dos cidadãos à iniciativa da Junta de Freguesia. "Ao passear pelo bairro vejo que existem cada vez mais intervenções dos moradores nas caldeiras das árvores. Esta história começou mal, com a destruição do meu jardim, mas teve um final feliz", congratula-se..Entretanto, no interior do seu atelier, Nuno construiu uma biblioteca com livros de plantas e jardins, bem como um herbário todo empacotado. No entanto, este espólio mudou para um local mais espaçoso, na rua Nova da Trindade, 18. Este espaço e o Jardim das Plantas Douradas podem ser visitados por todos os que o desejarem. A entrada é livre.."Como surgiu a minha paixão por plantas e jardinagem? Nasci assim! Sempre me lembro de tratar de gostar deste mundo e sem dúvida que fui muito influenciado pelo meu pai, que cuidava, com todo o cuidado, do jardim da casa para onde íamos passar férias. Apercebi-me que tinha este dom e desenvolvi-o ao longo da vida", revela..dnot@dn.pt