Fraude nas casas de Pedrógão. 44 arguidos em investigação da PJ

37 proprietários e outros 7 intervenientes, entre os quais o presidente da Câmara de Pedrógão, Valdemar Alves, foram constituídos arguidos por suspeitas de fraude na obtenção de financiamento para a reconstrução de casas destruídas pelos incêndios de junho de 2017
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A Polícia Judiciária (PJ) identificou 44 pessoas que terão cometido fraude nos processos de obtenção de financiamento para a reconstrução de casas destruídas pelos incêndios de 2017 em Pedrógão Grande.

Segundo apurou o DN, entre as mais de quatro dezenas de arguidos, numa investigação titulada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Leiria, estão 37 proprietários e outros sete intervenientes nos processos, entre os quais o presidente da Câmara Municipal da autarquia, Valdemar Alves (igualmente arguido no processo que investiga a resposta aos trágicos fogos) e um ex-vereador da câmara, Bruno Gomes.

Em causa está o alegado desvio de cerca de meio milhão de donativos destinados à reconstrução de casas de primeira habitação, que terão sido utilizados para casas não prioritárias, isto é, de segunda habitação.

De acordo com a PJ foram investigados, "crimes de burla qualificada", entre outros. Sabe o DN que há arguidos indiciados também por abuso de poder e falsificação de documentos.

Na investigação a PJ detetou casos em que as casas nem eram habitadas e estavam em ruínas, tendo a sua reconstrução sido beneficiada. Será o caso de um ex-GNR que também foi constituído arguido.

A PJ sublinha que finalizou a investigação e remeteu o relatório ao DIAP de Coimbra com proposta de acusação. "A investigação revelou-se de especial complexidade, decorrente dos inúmeros casos que houve necessidade de analisar, sendo o processo composto por 8 volumes, 89 apensos e 21 anexos", escreve em comunicado a polícia. Foram ouvidas 115 testemunhas.

O inquérito do Ministério Público (MP) foi aberto em julho do ano passado, depois de a revista Visão ter denunciado que havia casos de pessoas que mudaram a morada fiscal após o incêndio de forma a conseguirem o apoio do Fundo Revita e outras instituições, como a Cáritas, SIC Esperança, Cruz Vermelha, La Caixa, Gulbenkian ou Misericórdias.

Criado pelo governo para apoiar as populações e a revitalização das áreas afetadas pelos incêndios, o fundo Revita recebeu o contributo de 61 entidades, com donativos em dinheiro, em bens e em prestação de serviços. Os donativos em dinheiro rondam os 4,4 milhões de euros, a que se juntam 2,5 milhões de euros disponibilizados pelo Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, apurou o relatório do Fundo Revita.

"Especulações, mentiras e manipulações"

Alvo de buscas da PJ em setembro passado, no âmbito deste inquérito, Valdemar Alves negou que houvesse irregularidades nestes processos. "Claro que importava reconstruir primeiro as de primeira habitação. Mas o mais importante era reconstruir tudo aquilo que ardeu. Todos têm direito", disse numa entrevista ao DN.

A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa, disse nessa altura, não ter dúvidas sobre os procedimentos formais, mas, ainda assim, enviou para ao MP 21 processos para análise. Estavam "em causa 261 habitações" abrangidas pelo processo de recuperação, declarou, explicando que "inicialmente era um número maior", mas foram retiradas da lista de primeiras residências, danificadas total ou parcialmente, os imóveis cujas famílias receberam seguros ou optaram por não avançar com as obras.

Na sequências das buscas o autarca de Pedrógão decidiu deixar o Conselho de Gestão do Fundo Revita, e substituir também Bruno Gomes, antigo vereador e técnico do município que coordenava o gabinete responsável pelos processos de reconstrução de casas e que tinha assento na comissão técnica do Revita.

Em comunicado, Valdemar Alves dizia: "as últimas semanas têm sido férteis em especulações, mentiras e manipulações, visando desacreditar todo o trabalho desenvolvido no âmbito do Fundo Revita e que semeiam dúvidas sobre a lisura dos procedimentos técnicos e a seriedade das declarações feitas pelos proprietários dos prédios".

Em janeiro deste ano já estavam constituídos 10 arguidos nesta investigação a presumíveis fraudes na reconstrução de habitações - proprietários que requereram apoios financeiros e que ficaram sujeitos a termo de identidade e residência, impedidos de sair do país por mais de cinco dias sem antes informarem o tribunal.

O incêndio que deflagrou em junho de 2017 em Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, e destruiu meio milhar de casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.

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