1. A perseguição aos cristãos foi particularmente feroz durante a Revolução Cultural no tempo de Mao. Mas a situação está a mudar de modo rápido e surpreendente. Desde 1976, com a morte de Mao, as igrejas começaram a reabrir e há quem pense que a China poderá tornar-se mais rapidamente do que se julgava não só a primeira potência económica mundial mas também o país com maior número de cristãos. "Segundo os meus cálculos, a China está destinada a tornar-se muito rapidamente o maior país cristão do mundo", disse Fenggang Yang, professor na Universidade de Purdue (Indiana, Estados Unidos) e autor do livro Religion in China. Survival and Revival under Communist Rule (Religião na China. Sobrevivência e Renascimento sob o Regime Comunista). Isso "vai acontecer em menos de uma geração. Não há muitas pessoas preparadas para esta mudança assombrosa"..Cresce sobretudo a comunidade protestante. De facto, a China tinha apenas um milhão de protestantes. Em 2010, já tinha mais de 58 milhões. Segundo Yang, esse número aumentará para cerca de 160 milhões em 2025, o que faria que a China ficasse à frente dos Estados Unidos. Em 2030, a população cristã total da China, incluindo os católicos, superará os 247 milhões, acima do México, do Brasil e dos Estados Unidos. "Mao pensava que poderia acabar com a religião. E julgava ter conseguido", diz Yang. "É irónico pensar que o que fizeram foi fracassar completamente.".A situação parece preocupar as autoridades chinesas, que, por outro lado, não quererão 70 milhões de cristãos como inimigos..2. Os católicos serão uns 12 milhões. Desde 1951 que a China não tem relações diplomáticas com o Vaticano. Mas o governo chinês felicitou Bergoglio a seguir à sua eleição como novo Papa e exprimiu o desejo de que, sob o pontificado de Francisco, o Vaticano "elimine os obstáculos", para uma aproximação. Francisco declarou por várias vezes não só o seu apreço pelo povo chinês como o seu desejo de visitar Pequim. Por exemplo, disse aos jornalistas: "Estamos próximos da China. Enviei uma carta ao presidente Xi Jinping quando foi eleito, três dias depois de mim. E ele respondeu-me. Há contactos. É um grande povo do qual gosto muito." E que está à espera de um sinal para uma visita..O que é facto é que, aquando das viagens de Francisco à Ásia, a China, pela primeira vez, abriu o espaço aéreo para que um Papa pudesse sobrevoá-la. Não se pode esquecer que Francisco é jesuíta e que o jesuíta Matteo Ricci, cujos conhecimentos científicos deixaram o imperador deslumbrado, juntamente com Marco Polo são os dois estrangeiros recordados por Pequim entre os grandes vultos da China. Aliás, a inculturação do cristianismo na cultura e religião chinesas poderia ter-se dado nos séculos XVI-XVII, por influência precisamente do génio de Ricci, não fora a cegueira do Vaticano, que interveio desgraçadamente, impedindo essa síntese entre o Evangelho e a cultura milenar chinesa..3. Francisco é um jesuíta da estirpe de Ricci, que admira: o processo da sua beatificação avança e a frase "venho dos confins do mundo" será citação de Ricci, que dizia ter passado a vida nos "confins do mundo". Francisco é também considerado um "animal político", que sabe de geoestratégia, acompanhado pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, um diplomata de primeira água, como disse o Papa, no regresso da sua viagem aos países bálticos, respondendo às perguntas dos jornalistas sobre o acordo assinado dias antes entre o Vaticano e Pequim: "O secretário de Estado, que é um homem muito devoto, o cardeal Parolin, que tem também uma especial devoção pela observação. Estuda todos os documentos, até nos pontos, nas vírgulas e acentos. Isto dá-me uma segurança muito grande." Foi um acordo que durou anos de negociações e é sabido que, acrescentou o Papa, "quando se faz um acordo de paz ou uma negociação, as duas partes perdem alguma coisa. Esta é a lei. As duas partes, e continua-se. E isto continuou. Dois passos para a frente, um para trás, dois para a frente, um para trás. Depois, passaram meses sem falarmos e depois chegou o tempo de falar, à maneira do tempo chinês, lentamente. Esta é a sabedoria, a sabedoria dos chineses". Não houve improvisação, mas um caminho que durou a percorrer "mais de dez anos"..Francisco fez questão de sublinhar que assumiu a total responsabilidade pelo que se passou: "Fui eu que assinei o acordo." Em que consiste esse acordo de 22 de Setembro passado? Antes, havia a Igreja Patriótica, com bispos nomeados pelo governo, e a Igreja clandestina, com bispos nomeados e fiéis ao Papa. Agora, "há um diálogo sobre eventuais candidatos. A coisa faz-se em diálogo, mas quem nomeia é Roma, o Papa. Isto é claro." Há uma consulta entre os fiéis para o candidato a bispo, o governo aprova, mas o Papa tem o direito de veto, havendo neste caso a necessidade de encontrar outro candidato..Sucede, pois, que o Papa reconheceu sete bispos da Igreja Patriótica, que ficaram, em igualdade com os outros, em comunhão com o Papa. É compreensível que alguns bispos e muitos católicos que foram perseguidos e tiveram de viver na clandestinidade se tenham sentido um pouco traídos e sofram. Para esses Francisco teve também uma palavra: "Penso na resistência, nos católicos que sofreram. É certo, e sofrerão, Num acordo, há sempre sofrimento, mas eles têm uma fé grande, e escrevem, fazem chegar mensagens. Sim, a fé martirial desta gente avança. São grandes." E, numa alusão a Viganó, que o acusou na célebre carta bem conhecida, Francisco contou: "Quando saiu aquele famoso comunicado de um ex-núncio, os episcopados do mundo inteiro escreveram-me, dizendo de modo claro que se sentiam próximos, que rezavam por mim... Os fiéis chineses também escreveram e a assinatura desse escrito era do bispo, digamos, da Igreja tradicional católica e do bispo da Igreja Patriótica, os dois juntos e os fiéis juntos com eles. Para mim foi um sinal de Deus. Rezamos pelos sofrimentos de alguns que não entendem ou que têm às suas costas muitos anos de clandestinidade.".O primeiro resultado visível deste acordo provisório é a presença no Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a decorrer em Roma, de dois bispos da República Popular da China: um da Igreja tradicional e outro da Igreja Patriótica. Na missa de abertura do Sínodo, ao referir os seus nomes, um nomeado por Bento XVI e outro que pertencia à Igreja Patriótica, Francisco comoveu-se: "Hoje, pela primeira vez, estão também aqui connosco dois irmãos bispos da China continental. Demos-lhes as nossas afectuosas boas-vindas: graças à sua presença, a comunhão de todo o episcopado com o Sucessor de Pedro é ainda mais visível.".4. Poderia Francisco culminar o seu pontificado com uma visita à China? No quadro da reconfiguração geoestratégica daquela região - pense-se nos encontros entre o presidente Donald Trump e o presidente Kim Jong-un, no convite deste ao Papa para uma viagem à Coreia do Norte, nas próximas viagens de Kim a Seul e a Moscovo, na visita próxima do presidente da China, Xi Jinping, a Pyongyang... - e da importância deste acordo sobre um tema que era a principal razão de conflito entre Pequim e o Vaticano, não se pode excluir essa possibilidade ou até, diz-se, probabilidade..Mas haverá ainda outro longo caminho a percorrer. O bispo de Hong Kong, Michael Yeung, apoiou - "Eu disse: Santo Padre, avance, não tenha medo, mas seja cauteloso" - e apoia este acordo com a China, mas adverte: "Não creio que a assinatura deste acordo provisório signifique a solução de tudo. É preciso tempo, um par de anos, para ver." Acrescentou que "um acordo provisório não poderia ter parado a opressão" dos católicos chineses por parte do regime comunista nem tão-pouco "ter evitado que as igrejas sejam destruídas" ou que "os jovens sejam proibidos de ir à missa". "Estas coisas exigirão tempo para serem resolvidas." De qualquer forma, pede que daqui em diante o Vaticano vele especialmente por duas coisas: os clérigos "clandestinos" encarcerados por Pequim e a liberdade religiosa..Uma questão maior. Como é sabido, para o estabelecimento de relações diplomáticas, a República Popular da China pressiona todos os Estados para que cortem relações com Taiwan. Ora, a Santa Sé continua a reconhecer Taiwan e o Vaticano é mesmo o único aliado que Taiwan tem na Europa. John Hung Shan-chuan, arcebispo de Taipé, declarou em relação ao acordo: "Estamos felizes pelo progresso das relações, fomos informados antes", e acrescentou: "O que vemos é que pela primeira vez o partido comunista está a abanar. Eles dizem que não querem que poderes estrangeiros se metam no seu país, mas desta vez permitiram-no. E isso é um bom sinal, embora não saibamos quais serão as consequências no futuro. Mas não estamos preocupados, porque o Papa disse-nos que não nos ia abandonar nem prejudicar Taiwan. Pedimos-lhe isso e sabemos que como bom pastor não nos vai abandonar.".Neste enquadramento, a presidente de Taiwan convidou oficialmente o Papa a visitar a ilha, que tem 300 mil católicos, aproximadamente 1,5% da população. E os dois bispos chineses que estiveram no Sínodo - foi a primeira vez - convidaram o Papa a visitar o seu país, a República Popular da China. Para que a visita se concretize, será necessário um convite formal de Pequim..Imediatamente a seguir, neste passado dia 18, o Papa Francisco recebeu, como previsto e como escrevi aqui na semana passada, o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, que lhe transmitiu oralmente, a pedido de Kim Jong-un, o convite para visitar a Coreia do Norte. Depois do encontro, o porta-voz presidencial sul-coreano, Yoon Young-chan, declarou que "o Papa disse: 'Darei uma resposta incondicional, se me chegar um convite oficial e puder ir'". Já em relação ao convite para visitar Taiwan, o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, confirmou, no mesmo dia, o convite, mas "posso afirmar que essa visita do Santo Padre não está a ser estudada", disse..Questões da diplomacia, imensas e complexas..Padre e professor de Filosofia