Forças russas começam a sair de Chernobyl e abrem trégua em Mariupol
No preciso dia em que o Reino Unido aplicou sanções ao comandante militar russo em Mariupol, Mikhail Mizintsev (conhecido como o carniceiro de Mariupol), por ter ordenado ataques a alvos civis, a Rússia anunciou, por fim, uma trégua na cidade sitiada, para onde funcionários da Cruz Vermelha estão a caminho e esperam poder prestar assistência humanitária hoje e ajudar na retirada de cidadãos.
A norte, as forças russas começaram a abandonar a central nuclear de Chernobyl bem como a cidade vizinha, Slavutych, a caminho da Bielorrússia, anunciou a agência nuclear ucraniana. Esta retirada fará parte do que um comandante ucraniano e a NATO disseram no mesmo dia: falhado o assalto a Kiev, os russos estão a reagrupar-se para atacar o leste da Ucrânia, embora nada garanta que as outras regiões fiquem a salvo de ataques. Em Washington alerta-se para a possibilidade de uma "guerra prolongada", enquanto Joe Biden reforça os relatos do isolamento de Vladimir Putin.
Destaquedestaque"É terrivelmente importante que esta operação tenha lugar. A vida de dezenas de milhares de pessoas em Mariupol depende disso", diz a Cruz Vermelha.
O governo ucraniano anunciou que iria enviar 45 autocarros para retirar civis da cidade portuária de Mariupol no seguimento da trégua de Moscovo. Por sua vez, o Comité Internacional da Cruz Vermelha informou que operacionais seus tinham partido de Zaporíjia, 220 quilómetros a noroeste, para levar mantimentos e gerir as as operações de retirada da população.
No início de março, a Cruz Vermelha acabou por abortar uma missão semelhante, depois de não ter conseguido obter garantias de segurança. "É terrivelmente importante que esta operação tenha lugar. A vida de dezenas de milhares de pessoas em Mariupol depende disso", disse a Cruz Vermelha.
Gorada para já a operação em larga escala que franceses, turcos e gregos querem realizar. A presidência francesa considerou que "as poucas horas anunciadas pelas autoridades russas não são suficientes para permitir a organização desta retirada em boas condições".
Apesar das declarações do vice-ministro da Defesa russo Alexander Fomin de que iria "reduzir drasticamente" a atividade militar em torno de Kiev e de Chernihiv para se concentrar no leste da Ucrânia, uma pessoa foi morta e outras quatro ficaram feridas quando foi alvejada uma caravana de cinco autocarros que transportavam voluntários para Chernihiv, no norte da Ucrânia. A deputada Lyudmyla Denissova acusou as tropas russas de "não deixarem qualquer possibilidade de retirar civis do cerco de Chernihiv, deixando dezenas de milhares sem comida, água ou aquecimento". Depois de Mariupol, Chernihiv, que tinha 280 mil habitantes antes da guerra, é a cidade mais atingida pelos bombardeamentos.
Para o general Pavlo "Maestro", condecorado pelo presidente Zelensky pela defesa de Kharkiv, o exército russo "está a reagrupar-se para atacar e colocar o maior número possível de forças de Kharkiv a Mariupol. "Pensaram que iriam entrar na Ucrânia como o fizeram na Crimeia. Mas não funcionou, foi por isso que o inimigo se retirou e está a reagrupar-se", afirmou. "Nunca devemos subestimar o inimigo", cujas "forças são enormes", disse à AFP.
Já o Pentágono diz que a reorientação da Rússia no terreno para leste poderá prenunciar um "conflito mais prolongado" mas também tentar alguma vantagem na mesa de negociação. Um funcionário lembrou aos media que "os ucranianos conhecem o território muito, muito bem", que dispõem de "muitas forças e estão sem dúvida a lutar muito duramente" pela região. "Portanto, só porque [os russos] vão dar prioridade e colocar lá mais forças ou mais energia não significa que vai ser fácil para eles."
Para o secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg não se pode concluir que as outras cidades irão ser poupadas. "De acordo com as nossas informações, as unidades russas não estão a retirar-se, mas sim a reposicionar-se. A Rússia está a tentar reagrupar-se, reabastecer e reforçar a sua ofensiva na região do Donbass", disse em linha com Londres e Washington. "Ao mesmo tempo, a Rússia mantém a pressão sobre Kiev e outras cidades, pelo que podemos esperar novas ações ofensivas, trazendo ainda mais sofrimento", prosseguiu, em conferência de imprensa. "A Rússia tem mentido repetidamente sobre as suas intenções. Portanto, só podemos julgar a Rússia pelos seus atos, não pelas suas palavras."
Noutra frente, a NATO solicitou à Dinamarca o envio de 800 militares para a Letónia, em mais um passo para reforçar as defesas do Báltico. A chefe do governo Mette Frederiksen disse que o seu país estava pronto para enviar um batalhão para a Letónia, que partilha fronteira com a Rússia e com a Bielorrússia, mas a decisão tem de passar pelo parlamento.
A defesa da Ucrânia também vai ser reforçada. Kiev irá receber mais "ajuda letal", anunciou o ministro britânico Ben Wallace no final de uma conferência virtual com a participação de dirigentes de 35 países. Artilharia de longo alcance, veículos blindados e mais meios antiaéreos estão no topo da lista, se bem que outros equipamentos não especificados para "defender a linha costeira" também estão a ser analisados.
De Londres veio também o anúncio de mais sanções, desta vez atingindo "propagandistas e empresas de comunicação estatais" por "espalharem mentiras e falsidades". Também os Estados Unidos avançaram para mais sanções, mas estas tiveram como alvo empresas do setor tecnológico.
Depois de ter dado ordens para libertar petróleo das reservas estratégicas, Joe Biden disse que Vladimir Putin estará em "autoisolamento" e que "há indicações de que despediu ou pôs conselheiros em prisão domiciliária", embora tenha logo de seguida dito que as informações obtidas "não são irrefutáveis". Os serviços secretos britânico e americano dizem que Putin foi enganado pelos assessores, os quais têm "medo de contar a verdade" sobre a estratégia "frustrada" na Ucrânia. O Kremlin respondeu que é "preocupante" os EUA não entenderem como funciona o governo russo.
A 23.ª cimeira União Europeia-China, a segunda em videoconferência, decorre hoje com um tema a dominar a agenda: a guerra na Ucrânia. Se do lado de Pequim "a situação atual na Ucrânia" é algo que rejeita, também se sabe que o país recusa condenar a agressão russa. De manhã com o primeiro-ministro chinês Li Keqiang e à tarde com o presidente Xi Jinping, o presidente do Conselho Europeu Charles Michel e a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, acompanhados pelo alto representante Josep Borrell, irão pressionar os dirigentes chineses para que a China não conceda qualquer apoio, financeiro ou militar, à Rússia.
Há duas semanas, o presidente norte-americano Joe Biden advertira Xi das "consequências" do eventual apoio chinês ao esforço de guerra do Kremlin. Sabendo que se atravessa uma "fase complicada nas relações" entre a UE e a China, como disse o comissário do Comércio Valdis Dombrovskis, não se prevê gestos que afastem ainda mais os dois blocos. Ainda assim, a UE deverá informar que irá responder a um apoio de Pequim a Moscovo. Há dias, um funcionário europeu disse ao Politico que a UE tem "informação muito fiável de que a China está a considerar fornecer ajuda militar à Rússia". Segundo vários diplomatas ouvidos pela Radio Free Europe, Bruxelas poderá limitar o acesso chinês ao mercado comum.
Outro tema no topo da agenda é o diferendo entre a Lituânia e a China. Decorre um processo judicial contra Pequim na Organização Mundial do Comércio pela imposição de sanções coercivas contra Vilnius por ter aberto um escritório de representação em Taiwan. Para as calendas gregas fica o acordo de investimento UE-China, depois de o Parlamento Europeu ter votado pela suspensão da ratificação, no ano passado, devido a sanções chinesas aplicadas a cinco eurodeputados.
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