Forças Armadas. Só a Força Aérea aumentou candidatos e recrutamentos

Dos três ramos das Forças Armadas, a Força Aérea foi o único que teve mais candidatos em 2021 e mais incorporações. Um "retrato" do Ministério da Defesa mostra que a recuperação do efetivo ainda não foi alcançada e algumas das principais medidas para aumentar o recrutamento derraparam para o final deste ano
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A Força Aérea Portuguesa (FAP) recebeu no ano passado mais de 2500 candidaturas para ingresso neste ramo militar em regime de contrato (RC), um recrudescimento de 37%.

Segundo dados da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) a que o DN teve acesso, a FAP destacou-se do Exército e da Marinha, que em 2021 foram menos procurados pelos jovens do que no ano anterior - 6564 e 1400, respetivamente.

Em ano de plena pandemia, houve um total 10.503 candidaturas, que representa uma ligeira queda (menos 0,7%) do número de candidatos ao serviço militar em RC (dois a seis anos) e Regime de Voluntariado (só no Exército e com vínculo de 12 meses) face a 2020, ano em que se tinha registado um aumento, invertendo a descida acentuada de candidaturas que se vinha a verificar desde 2016.

Foi essencialmente graças à FAP, aliás, que o total de incorporações nas Forças Armadas (FA) teve uma pequena subida (3%). Na FAP entraram cerca de 600 recrutas (mais 3% que em 2020) em RC, no Exército menos 33 (-1,3%) e na Marinha menos 41 (- 18%).

Contactado pelo DN para comentar e explicar as razões para o sucesso nas candidaturas, o Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Joaquim Borrego, não teve qualquer reação, apesar das insistências do DN no contacto com o porta-voz, coronel Manuel Costa, que nunca atendeu o telefone nem respondeu às mensagens.

Por seu turno, o Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, desvaloriza a diminuição de candidaturas. "Em relação aos candidatos, em 2021, apesar de se registarem menos concursos, a Marinha obteve um número de candidatos significativo para o atual período pandémico, com os 1400, que refere para 110 vagas", sublinha.

Estas variações negativas acontecem num contexto em que o efetivo militar tem vindo a decrescer ano após ano e a maior parte das medidas que constituem o plano do Governo para "recrutar, reter e reinserir" jovens foram adiadas para o final deste ano.

Conforme o DN noticiou, dados provisórios dos ramos indicam que no ano passado estavam 23.347 militares nas FA, menos 401 do que em 2020. Desde 2016 houve uma diminuição de 8% do efetivo, com destaque para os praças, que caíram cerca de 20%, e os sargentos, 1,1%, enquanto os oficiais aumentaram 9% (mais 515).

Segundo esses dados, as FA tinham a 31 de dezembro de 2021 5653 oficiais e 9820 praças (cada oficial não chega a ter dois praças para comandar). Se somarmos os sargentos aos oficiais, este número (13.527) é muito superior aos 9820 praças de 2021.

O "retrato" feito pela DGRDN indica que o número de militares (quadro permanente + reserva + RV + RC) em 2012 era de 38.049 e em 2020 de apenas 28.863, uma descida de mais de 24%.

Mas circunscrevendo essa análise apenas aos militares no ativo a queda foi de 22%, embora no que diz respeito aos praças essa percentagem tenha sido de uns significativos 38% (menos 6804), sendo o total em 2020 de menos de 11 mil. Já os oficiais (6 900) registaram um aumento de 1,7%.

Outro dado relevante neste "inventário" dos recursos humanos das FAA é o que compara os números previstos de militares com as existências. No total há menos 6822 militares nos quadros permanentes e nos regimes de voluntariado e contrato do que os valores fixados pelo governo.

Nos quadros permanentes, a Marinha destaca-se, mais uma vez, pela negativa, com menos 784 militares (dos quais 489 praças) do que os limites máximos fixados; seguida do Exército, com menos 520 militares (dos quais 348 sargentos), e da Força Aérea, com menos 394 militares (dos quais 226 oficiais).

Mas nos RC e RV é de longe o Exército o mais penalizado. A DGRDN assinala que este ramo tem um défice de 4131 praças - 54% das previstas em decreto-lei.

Se em 2015 havia 10.577 praças, 2020 fechou com apenas 6632, quando o limite fixado é de 11.444. Embora o número de oficiais e sargentos tenha subido, ainda assim está aquém do desejável, com menos 171 e 141, respetivamente.

Este mês, o Governo fixou em 32.077 o número de efetivos das FA para 2022, que deverá aumentar para 32.181 em 2024. Caso a atual situação não seja invertida, a diferença deste objetivo para a realidade pode ser ainda maior.

Os números da DGRDN mostram que as saídas em 2021 voltaram a disparar (2563 nos três ramos). Os números recolhidos pela DGRDN até 30 de novembro do ano passado indicam que este valor foi abaixo do de 2019 (3307), de 2018 (3101), de 2017 (3921) e de 2016 (3126).

Em 2020 as saídas ficaram pelas 2118 (contribuindo para que nesse ano o efetivo tivesse tido um aumento), um travão justificado pelo prolongamento excecional de contratos por causa da pandemia.

Em 2020, as saídas voluntárias (por ingresso nas polícias, rescisões ou não renovação de contrato) destacaram-se em 39% dos casos, menos do que em 2019 (43%) e do que em 2018 (57%). Nesse ano, as saídas logo na formação (34%) duplicaram em relação a 2019 (17%), dividindo-se entre as "desistências" (28,9%) e a "eliminação" (5,5%).

Foram ainda registadas 26% de saídas "involuntárias", quer pelo "final do período máximo do RC", quer por "rescisões/não renovações".

Foi precisamente para tentar inverter a sangria de militares que dura há vários anos que em abril de 2019, recorde-se, o Governo anunciou o Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar, mas a maior parte das medidas propostas para tornar as FA atrativas para jovens mais escolarizados e exigentes como são os de hoje, para criar percursos de formação que potenciem as suas competências e para facilitar a sua reinserção no mercado de trabalho não foram ainda concluídas.

De acordo com o último relatório do Grupo de Trabalho de Acompanhamento e Monitorização deste plano, de janeiro deste ano, dezembro de 2022 é a nova data proposta no cronograma apresentado ao ministro da Defesa.

Este grupo (que sucedeu à Comissão de Acompanhamento dirigida pelo ex-Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas Valença Pinto) é agora coordenada pelo almirante João Dores Aresta, recém-empossado diretor da Autoridade Marítima Nacional, e é constituído por representantes do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), do Exército, da FAP, da Marinha, da DGRDN e do Gabinete para a Igualdade, do Ministério da Defesa Nacional - a especial atenção com a igualdade de género é, aliás, recorrente em várias medidas.

Entre medidas que já estiveram previstas para final de 2020 e 2021 e que derrapam agora para o final deste ano está, por exemplo, a "revisão dos requisitos de classificação e seleção", ajustando-os "às características dos jovens atuais e à evolução das tarefas desempenhadas".

O relatório refere que apesar de os ramos terem "feito alterações e atualizações em alguns requisitos e procedimentos de seleção visando uma melhor adequação ao público-alvo, falta um trabalho de análise dos parâmetros que possam ser comuns aos três ramos, no sentido de aferir se os mesmos estão harmonizados e evitando desigualdades e disparidades no acesso" - é o caso da "condição física do candidato", que o grupo de trabalho sublinha que deve ter os mesmos parâmetros nos três ramos no final da instrução básica.

Outras duas medidas importantes adiadas para final de 2022 foram as relacionadas com a "atenuação do défice entre o efetivo máximo autorizado e o existente", como "identificar, com rigor, o número de efetivos necessários para o cumprimento das missões atribuídas" e "definir um plano de ajustamento do efetivo real ao necessário, preconizando o aumento gradual e sustentável de incorporações ao longo dos próximos anos e o equilíbrio no fluxo de entradas e saídas, para permitir o funcionamento de todo o sistema de qualificação e incentivos".

Segundo o relatório do grupo de acompanhamento, "os ramos consideram que, se este ajustamento não for implementado, terá de ser revista a estrutura de missões e os respetivos níveis de prioridade".

É ainda salientado que o facto de, a partir deste ano, o decreto-lei que define o limite de efetivos ter passado a ser trienal, "poderá conferir uma maior capacidade de planeamento e auxiliar na elaboração de um plano de recuperação de efetivos".

No entanto, frisa também o grupo de acompanhamento, apesar de o número de admissões para o RC e RV ser "definido de forma a proporcionar recuperação de efetivos, já que os valores aprovados anualmente têm aumento ligeiramente", estes "têm sido inferiores às propostas apresentadas pelos ramos".

No eixo estratégico "reter", é proposto o adiamento para final de 2022 do "estudo da viabilidade da criação de um quadro permanente para a categoria de praças no Exército e na Força Aérea", cuja conclusão chegou a estar prevista para o 2.º semestre de 2020.

A criação deste quadro permanente é considerada uma das mais importantes medidas para que os jovens militares possam ver as FA como um projeto de carreira.

Aparentemente ficou encalhado no Gabinete da Secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes (SERHAC). Assinala o relatório que logo em "março e junho de 2020, respetivamente, apresentaram propostas para a implementação do Quadro Permanente (QP) para a categoria de praças".

Porém, "analisadas essas propostas, a SERHAC solicitou ao EMGFA que coordenasse o estudo e apresentasse, de forma harmonizada (envolvendo também a Marinha, que já tem QP), uma proposta de configuração desse QP".

Essa proposta foi apresentada a 7 de abril de 2021 e em maio "foi analisada pela DGRDN". A pedido da tutela, foi "novamente apreciada pelo EMGFA, que remeteu os seus comentários à consideração" da secretária de Estado.

Nas conclusões do seu relatório estes responsáveis das FAA e do Ministério da Defesa sublinham que "o ponto de situação reportado pelas entidades denota que está a ser feito um esforço efetivo da implementação das medidas, pese embora o evidente impacto da pandemia na execução de muitas atividades".

Alertam também para o facto de ter ficado "evidenciado" neste ponto de situação que "poderá não estar a ser explorado na plenitude o esforço de coordenação que o EMGFA tem desenvolvido em áreas que são de importância crítica para a implementação de algumas medidas".

O grupo de acompanhamento propõe por isso que o EMGFA seja incluído como "entidade envolvida nas ações" e que esse aspeto deverá ser "incluído na proposta de revisão do Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar (PAPSM)".

A título de exemplo da necessidade de uma maior intervenção de coordenação do EMGFA , é assinalado que "existe um conjunto de ações que estão a ser implementadas pelos ramos de forma autónoma, mas que, numa lógica de visão integrada do serviço militar, necessitam ainda de um trabalho de harmonização, nomeadamente através da identificação de pressupostos de base comuns que permitam tornar estas ações transversais às FA, delas retirando o melhor aproveitamento".

Em relação à substância do Plano de Ação, este grupo dá nota positiva: " globalmente, as medidas que compõem o Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar são adequadas à tipologia de problemas com que o modelo de profissionalização e, em particular a prestação de serviço militar em Regime de Contrato, se deparam. Assim pode dizer-se que, em termos de conteúdo substantivo, não há necessidade de proceder a alterações ao Plano".

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