Em 2014, a empresa inglesa Surrey NanoSystems anunciava o desenvolvimento da "substância mais escura fabricada pelo homem". A matéria para revestimento assumiu o nome comercial de Vantablack (acrónimo de Vertically Aligned Nano Tubes Arrays), disponibilizada em vaporizador. Produzido a partir de nanotubos de carbono, um milhar de vezes mais finos do que um cabelo humano, o Vantablack absorve 99,96% dos raios solares. Na prática, qualquer objeto tridimensional revestido com esta substância é percecionado como bidimensional. O novo revestimento tornou-se apetecível, entre outras, junto das indústrias aeroespacial, militar e ótica..As singulares propriedades do Vantablack despertaram o interesse de um departamento da Universidade de Harvard, no estado norte-americano do Massachusetts. O Straus Center for Conservation and Technical Studies, inserido no Fogg Art Museum, nascido na década de 1920, não coloca o seu objeto de estudo no espaço ou em equipamentos de ótica, antes na conservação e investigação no âmbito das belas-artes..A instituição, cujo nome homenageia o mecenas norte-americano Philip Albert Strau, mantém há perto de um século uma coleção que narra o fascínio do Homem pela cor. Com o anúncio da criação da Vantablack, a Forbes Pigment Collection, biblioteca de pigmentos, juntava um novo exemplar a uma coleção com mais de 2500 amostras. Afastada dos olhares dos visitantes dos Museus de Arte de Harvard descansa um acervo que conta parte da história humana desde há mais de três mil anos, através da criação de pigmentos animais minerais, vegetais, orgânicos e sintéticos. A coleção, hoje consultada por investigadores e historiadores de arte, deve a sua origem a um viajante incansável, ávido colecionador e também professor de belas-artes..Edward Waldo Forbes, nascido no Massachusetts em 1873, trazia na linhagem familiar John Murray Forbes, avô paterno dono de um império ferroviário; Ralph Waldo Emerson, poeta, filósofo e abolicionista e William Hathaway Forbes, cofundador da Bell Telephone Company de par com o inventor Alexander Graham Bell. De empreendedorismo, servido com uma abundante dose de lirismo, não era carente Edward Forbes que, cedo, revelou o seu interesse pela arte e literatura, esta última, área onde se formou em 1902. Antes, em 1898, já o jovem Edward visitava Itália interessado na aquisição de pintura renascentista..Em posse de um óleo do século XIV, com a representação da "Madona e o Menino", o colecionador percebeu as fragilidades da pintura com séculos e a premência na sua conservação..DestaquedestaqueO acervo conta parte da história humana desde há mais de três mil anos..Face a uma coleção que crescia - e se danificava - com rapidez, Edward iniciou em 1910 o estudo dos materiais e técnicas subjacentes à pintura dos mestres de séculos pretéritos. Já como diretor do Fogg Art Museum e professor de belas-artes em Harvard, onde lecionou até 1944, Forbes iniciou a coleta de pigmentos na Europa e no Japão, organizando-os e catalogando-os em frascos como se de espécimes científicos se tratassem. E era, de facto, ciência o que Edward aplicava à pintura, iniciando, por exemplo, estudos de obras de arte através de raios X. Para o efeito, o professor e empresário acolheu em 1928 na sua equipa um cientista, o químico e pioneiro em conservadorismo Rutherford John Gettens..Finalmente, com George Stutt, também conservador de arte, o trio de investigadores expandia a coleção Forbes, acolhendo pepitas de pigmentos usados em Pompeia, pigmentos empregues nas primeiras pinturas a óleo japonesas e outros, provenientes do estúdio do pintor de retratos e paisagens John Singer Sargent, filho de norte-americanos, nascido em Itália em 1856. Trabalho de recolha e de estudo que originou em 1942 uma obra que ainda hoje serve de referência na área: Painting Materials, a Short Encyclopaedia..Cada um dos mais de dois mil pigmentos que integram a coleção inaugurada por Edward conta uma história. Perto de uma trintena de narrativas em áudio encontram-se atualmente disponíveis para escuta na visita guiada oferecida pelo site da Forbes Pigment Collection, com exemplos como o Castanho-Múmia, pigmento obtido a partir dos ossos triturados da dita e o betume do seu embalsamamento. Pigmento usado entre o século XVI e a década de 1960 que terá cativado o francês Eugène Delacroix, aplicando-o na obra "A Liberdade Guiando o Povo". Não menos singular, o pigmento Sangue de Dragão, produzido a partir da planta dragoeiro, usado desde a Antiguidade Clássica, permanecendo na Idade Média também como elemento medicinal. Cria o mito medieval que o pigmento resultava do sangue derramado nas lutas entre elefantes e dragões. Sangue que manchava o solo, aí congelando, para formar uma resina. O naturalista romano Plínio, o Velho, defendia-o no século I a.C. como o único pigmento capaz de representar o sangue humano..Uma classe dos pigmentos excecionais na coleção Forbes que inclui o Azul Ultramarino, aplicado em pinturas medievais, obtido a partir da extração de lápis-lazúli nas pedreiras do Badaquistão no território do atual Afeganistão. Cor que orna o manto da "Virgem e Menino" na pintura do século XV de Sandro Boticelli. Entre as excentricidades da referida coleção, reside o pigmento Amarelo Indiano, proveniente de uma aldeia do estado do Bihar e obtido a partir da secagem da urina de vacas alimentadas a folha de manga, e o Verde Esmeralda, com tanto de brilho e sedução como de toxicidade. Verde que agradou a Van Gogh no autorretrato que compôs em 1888..Na segunda metade da década de 1940, a Forbes Pigment Collection esmoreceu nas suas aquisições, mantendo, contudo, um catálogo atualizado com novos pigmentos (ver caixa) e disponibilizando a coleção para análises de obras de arte. Assim aconteceu em 2007, numa análise efetuada a três pinturas atribuídas a Jackson Pollock. Entre os pigmentos examinados, alguns datavam de 1980. Pollock, referência no expressionismo abstrato, falecera em 1956..Novo ímpeto chegaria à Forbes Pigment Collection no presente século com aquisições de recentes categorias de pigmentos assentes na tecnologia como o Azul YINMN, descoberto pelo professor de química norte-americano Munirpallam Subramanian e obtido pelo aquecimento de óxido de manganês, índio e ítrio. O Azul YINMN não é apenas belo como os seus congéneres de séculos anteriores. Tal como o Vantablack, tem uma aplicação prática neste século XXI. Ao refletir o calor, o novo azul pode baixar em 10 graus Celcius a temperatura de edifícios e automóveis.