Estamos prontos para um épico português? Terra Nova, de Artur Ribeiro, foi o primeiro filme o ano passado a ser adiado graças à pandemia e é uma adaptação destemida de O Lugre, de Bernardo Santareno. Finalmente chega aos cinemas depois desta longa espera e também após a RTP já ter exibido a versão televisiva com as mesmas personagens em terra e com as famílias, embora Terra Nova em série tenha sido dirigido por Joaquim Leitão..Aqui conta-se a história de um lugre bacalhoeiro que nos anos 1930 parte para a pesca do bacalhau nos mares do norte. Devido a um mau ano de pesca, o capitão decide encetar uma nova rota para a Gronelândia, provocando grande desconfiança na tripulação. Pelo meio, gera-se um motim a bordo, mortes e uma carga de eminente tragédia. O filme foi inteiramente rodado na embarcação Santa Maria Manuela em plenos mares da Noruega e reuniu atores de diversas gerações, destacando-se as interpretações de Vitor Norte, Virgílio Castelo, João Reis, Miguel Borges, Miguel Partidário, Pedro Lacerda e Ricardo de Sá. Um filme no masculino que não dispensa alguns efeitos visuais nas cenas mais aquáticas. E foi precisamente a bordo desta embarcação imponente que num passeio pelo Tejo, Artur Ribeiro falou ao DN e começou por dizer que amava o texto de Bernardo Santareno, algures entre a captação do poético e do realismo da linguagem dos pescadores: "A minha abordagem foi tentar ser o mais naturalista possível, havendo uma certa depuração do texto. Mas muito desse trabalho foi feito pelos atores. Por exemplo, decidimos evitar a questão dos sotaques das regiões. Cada um deles encontrou uma linguagem para cada uma das suas personagens". Desse trabalho naturalista não nasce um modelo de espetacularidade mas sim de um realismo que evoca uma certa claustrofobia..Das histórias da rodagem longe de casa, o realizador algarvio destaca o sentido de cumplicidade entre atores e a equipa: "Foi uma loucura avançar para este projeto: quisemos fazer um épico trágico-marítimo com um orçamento reduzido de um subsídio de primeira obra! E filmámos tudo a bordo com tempestades e mais alguma coisa! Foi extraordinário o esforço de todos e a produtora Ana Costa investiu imenso... Lá fora pensam que este filme foi feito com milhões!! Queria também salientar o esforço dos atores, todos remaram para o mesmo lado e um deles - não digo qual pois seria spoiler - a sua personagem morre a dada altura e ele não quis regressar, quis manter-se a bordo!"..Para o realizador, foi igualmente importante mostrar a dureza da vida destes homens sob os quais pendia uma responsabilidade de sobrevivência e de dar lucro aos patrões: "O filme é uma ficção mas tem um lado documental pois a vida destes homens era mesmo duríssima. Na altura, o Estado Novo fazia com que estes pescadores tivessem uma espécie de dever patriótico. Na verdade, eram homens que navegavam em condições desumanas, muitas vezes ao longo de meio ano"..Acerca da camaradagem masculina num décor que funcionava também como alojamento, um dos protagonistas, o excelente Pedro Lacerda, fala em sentimento de balneário: "isso foi muito importante para o filme. Eu, como interpreto o Albino, alguém que é considerado o bode expiatório de todos os males, penso que a agressividade que os atores emanaram acabou por ser positiva. Acima de tudo, é um filme de homens...". Entre a "coisa viril" e um fatalismo português, Terra Nova vive também do contrabalançar da música do compositor Nuno Côrte-Real..Para Pedro Lacerda, que investigou muito a essência de Bernardo Santareno, o texto que inspira o filme é muito rico: "tem uma força gigante. O Santareno referia-se muito à dificuldade dos pescadores nesta fauna, lembrando que a realidade deles passava muito pela superstição e dureza extrema, gente moldada pelo frio e pelo sol. Ao mesmo tempo, eram pessoas com uma enorme riqueza humana, com personalidades muito fortes e isso para um ator é ótimo! Olhamos aqui para o Vítor Norte e vemos uma força, às vezes nem precisa de representar"..Um dos atores em destaque no filme fala da experiência de filmar a bordo em condições duras..Três semanas de rodagem num navio em temperaturas frias e águas turbulentas criaram um certo espírito de equipa nos atores? Não fazia sentido de outra forma. Tinha mesmo de ser filmado no mar. O entrosamento também se deveu a termos vivido juntos neste barco. Muitas vezes não tivemos internet e isso foi ótimo! Tudo isso ajudou realmente a conseguirmos ter um espírito de aventuras e de camaradagem..Quem é a sua personagem, o imediato?.É um homem sombrio, um pouco reservado de quem não se conhece a família, um verdadeiro homem do mar, nesse sentido até é um lobo do mar. Mesmo sendo o braço direito do capitão, nem sempre concorda com a perspetiva do capitão..Se o grande público perceber que este filme existe acha que é um daqueles casos que pode apaixonar os portugueses? Espero que sim! Para já, fala de bacalhoeiros e os portugueses gostam muito de bacalhau. E, acima de tudo, é um filme de aventuras. No cinema português não há muitos filmes de aventura....dnot@dn.pt