O que é que tem feito nestes dias de isolamento social? Acabei trabalhos atrasados, fiz o meu doutoramento, para o qual andei a trabalhar nos últimos cinco anos, organizei a documentação que consultei para me preparar. Fiz a defesa da tese de doutoramento no dia 1 de abril, até parecia mentira mas não, foi mesmo a sério..Mentira pelo dia em que a defendeu ou pelo Estado de Emergência? Ainda se pôs a hipótese de adiar a defesa da tese de doutoramento, mas, quando se percebeu que isto que não era uma questão de 15 dias, avançou-se para esta solução. O mundo continua, há concursos a decorrer e prazos para cumprir, mas foi pena, não consegui ter os colegas, os amigos, a família, tudo isso, fica para o próximo doutoramento..Qual é o tema da tese? É um doutoramento em estudos urbanos, o título da tese é "Um país a tornar-se urbano e democrático", é sobre a primeira década da democracia portuguesa. Fiz um doutoramento diferente, um pouco estranho, tudo aos quadradinhos num ecrã. Uma pessoa passa anos e anos a trabalhar para aquilo e, depois, não tem pessoas à volta, não há aquele desfecho habitual, com os cumprimentos e abraços. Claro que a família, os amigos, vão dando os parabéns, dizem que depois fazemos uma sessão para discutirmos o tema, mas não é a mesma coisa..Correu bem a defesa? Correu bem, tive a nota máxima, o júri gostou da tese. Desde que saí do Parlamento faço investigação e comecei o doutoramento, finalmente, cheguei ao fim..Conseguiu isolar-se da família para preparar a defesa? Não foi fácil, a tentar orientar as crianças em casa, que estão um pouco perdidas neste novo esquema de aulas, com os professores a enviarem os trabalhos por email, a falarem um bocadinho com eles em zoom (plataforma de conversação), os pais em teletrabalho. Mas são as circunstâncias que temos e vamos tentando adaptar-nos..O que lhe tem custado mais durante este período? Custa-me não poder dar um passeio, estar aqui na minha varanda com um sol magnifico e não poder sair, não ir à praia, não ver o mar, isso custa. Mas pronto, tenhamos paciência e disciplina. Há outra coisa que é bastante dolorosa, que é a questão da relação com os idosos. Não vejo os meus pais há um mês, eles não vêm os netos, e esta sensação de não sabermos quando nos vamos reunir, emocionalmente, é o mais violento. Há um conjunto de relações intergeracionais que ficaram meio congeladas, é complicado, Falamos todos os dias ao telefone, mas essa sensação é esquisita..Como é que a socióloga descreve o momento em que estamos a viver? Estamos numa situação ímpar, nunca aconteceu. Ter a sensação que a economia mundial parou do lado da produção e do consumo, que isso vai atravessando diferentes regiões e continentes, e que temos pela frente um buraco imenso. Estou um bocadinho inquieta e, ainda por cima, o facto de fazer alguma investigação sobre as cidades e saber que, nos últimos anos, parte da recuperação económica do país fez-se à volta do imobiliário e do turismo, questiono-me como vai ser a nossa recuperação. O que é que isso vai implicar no nosso modelo económico, no nosso emprego, na nossa vivência da cidade, temos pela frente grandes dilemas..Encontra algum mecanismo, alguma defesa, para recuperar desta situação? Detesto aquela coisa que se disse durante a crise de 2011, que era uma oportunidade, acho que é mesmo conversa da treta. Mas neste contexto há aqui, de facto, enormes riscos e, por outro lado, algumas oportunidades. Há oportunidade de valorização e reconstrução de património e de habitação, direcionado para as pessoas viverem na cidade, uma vez que o turismo não vai recuperar rapidamente. Há de facto um stock de habitação disponível que pode ser trabalhado para as pessoas que precisam de estar na cidade e de rendas acessíveis. Isso pode acontecer, as câmaras de Lisboa e do Porto criaram alguns programas nesse sentido, mas há um custo ao nível do emprego associado às atividades económicas no turismo e que tem de ser reconvertido para coisas novas. Neste momento, ainda assusta perceber o que vai acontecer às pessoas..E o que acha da forma como a população está a reagir à pandemia? Nestas ocasiões, fico bastante orgulhosa do nosso povo. Tem tido uma enorme responsabilidade cívica, tem cumprido as recomendações, tem tido paciência, tem havido capacidade da criar redes de solidariedade. Nestes momentos, a sociedade portuguesa é bastante solidária e sensata..Também faz elogios aos políticos? Em geral, os partidos têm tido maturidade nos vários debates, sinalizando as coisas que são relativamente preocupantes, como a destruição do emprego que se iniciou automaticamente a partir do momento em que houve o confinamento e isso enfraquece todo o país. A ideia que neste momento temos que avançar com medidas fundamentais para proteger toda a estrutura produtiva e o emprego parece absolutamente determinante, porque, depois, quando sairmos desta quarentena como é que se reconstrói a economia portuguesa? Não pode haver alçapões onde há grupos sociais que pura e simplesmente ficam sem chão, sem qualquer qualquer apoio..Quais são as decisões que considera erradas? A forma como a lay off foi desenhado é demasiado sedutora para as empresas, para a tentativa de redução de custos salariais. Houve empresas que, se calhar, poderiam aguentar este embate e que recorreram ao lay off. E há situações de pessoas, com trabalho informal, recibos verdes, que ainda não estão resolvidas. A questão fundamental é aguentar o máximo de emprego e de estrutura produtiva instalada para nos reconstruirmos a partir daqui..As medidas foram mais benéficas para as empresas do que para os cidadãos? Acho que não. Houve uma combinação, mas é preciso ir acompanhando tudo isto com cuidado e os partidos tem tido esse cuidado.Nas discussões, não há aquele confronto de tentativa de protagonismo, têm discutido medida a medida, todos têm cumprido bem o seu papel, até mesmo o PSD. A frase do Rui Rio sobre a banca, quando diz que esta não deve ter lucros, significa que está a escolher um lado da economia, que é dos pequenos empresários, das pequenas industriais, dos pequenos comerciantes. Parece-me, neste contexto, um contributo positivo..Está otimista, apesar de tudo, em relação ao que aí vem? Em ternos de saúde, estou mais otimista do que há um mês. Os números estão a evoluir no bom sentido, as medidas estão a ter bons resultados. Em relação à economia, estou muitíssimo assustada, não estou a ver a disponibilidade política europeia para utilizar os instrumentos certos num momento absolutamente único. Estou a ver-me regressar a uma série de mentiras criadas aquando do lançamento das políticas de austeridade. É trágico essa ideia de um sul que não trabalha, que foi inventada para que os países do sul pagassem a sua dívida aos alemães e aos franceses, e, aparentemente os países do norte acreditaram na sua própria mentira. E, num processo de fragmentação europeia, nunca será fácil, tenho imenso receio do que temos pela frente..Vê alguma luz ao ao fundo túnel? Conhece a resposta dada a Mário Soares na crise de 81/83, quando utilizou essa expressão? Alguém escreveu nas paredes de Lisboa: "Se há uma luz ao fundo do túnel, só se for um comboio em sentido contrário". Não sei, é demasiado cedo, primeiro temos que perceber o que vai acontecer no processo da UE. É absolutamente inacreditável que países, que não se pode dizer que sejam estados socialistas, como os Estados Unidos ou mesmo a Inglaterra, começassem a imprimir dinheiro para responder a uma situação única mundial, para sustentar as políticas do seus países, e na UE continuamos com reuniões intermináveis, que não resolvem coisa nenhuma e só criam dívida para o futuro. Não consigo entender como é possível ter uma moeda que não responde aos problemas da economia. Serve para quê? A Europa, neste momento, é mais um problema do que uma solução, sendo assim, não serve para nada..Quais são os seus projetos? Queria ver se conseguia "limpar" a minha tese para a publicar, avançar em alguns projetos de investigação em que estou envolvida. Entretanto, no meio disto tudo, deixei de fumar. Tinha prometido às crianças que quando fizesse a defesa da tese, deixava de fumar e está a custar imenso. Espero levar isto até ao fim e tornar-me uma não fumadora. Vamos ver..Fumava há muito tempo? Fumava há três décadas, desde os 15 anos, faço 45 este ano. Nem me lembro do que eu era quando não fumava, mas já não vou para nova e as crianças tinham pedido há muito tempo.