Fisco pode nunca vir recuperar parte dos impostos adiados
O Estado poderá ficar sem receita de impostos e contribuições que foram prorrogados devido à pandemia de covid-19. O alerta é da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) que presta apoio aos deputados no parlamento.
"Se existirem danos na capacidade económica dos contribuintes (falência, insolvência ou outra situação grave) a receita liquidada poderá não ser cobrada, total ou parcialmente, embora continue a ser um direito do Estado", sublinham os técnicos na "Apreciação sintética da evolução orçamental: janeiro a julho de 2020".
De acordo com a UTAO, este regime permitiu que ficassem por pagar cerca de 2,4 mil milhões de euros em junho, tendo sido recuperados 1780 milhões no mês de julho: 1,5 mil milhões de euros referentes à liquidação e cobrança do IRC de 2019, adiada de 31 de maio para 31 de julho e a cobrança de 236 milhões de euros de "receita respeitante à entrega faseada das retenções na fonte de IRS e IRC e do pagamento do IVA". Mas a Unidade Técnica aponta um "risco descendente para as finanças públicas": a não cobrança.
Até agora, daquele valor, o fisco conseguiu reaver 73% do valor prorrogado, mas a UTAO lembra que "permanecem diferidos 502 milhões de euros, devendo proceder-se à sua cobrança no decurso do segundo semestre de 2020", havendo, também neste caso, o "risco de perda de receita", sublinham os técnicos.
A possibilidade de o Estado vir a perder receita, já tinha sido sublinhada pela presidente do Conselho das Finanças Públicas, Nazaré Costa Cabral, como noticiado pelo Dinheiro Vivo em junho.
A prorrogação das obrigações fiscais e contributivas foi uma das primeiras medidas adotadas pelo governo para ajudar na liquidez das empresas, mas pode agora fazer ricochete nos cofres do Estado.
Até ao final de julho, as medidas de apoio à economia para minimizar os impactos da covid-19 atingiram os dois mil milhões de euros, de acordo com o levantamento feito pela UTAO.
Os técnicos que dão apoio aos deputados no parlamento analisaram o impacto das iniciativas adotadas pelo executivo desde o início da pandemia e o choque que provocou nas contas do Estado. A maior fatia deste bolo foi reservada ao emprego e à manutenção da laboração das empresas (950 milhões de euros). Nesta rubrica está, por exemplo, o lay-off simplificado com 751,8 milhões de euros, representando quase 80% da verba, ou o apoio extraordinário aos trabalhadores independentes (137,2 milhões, 14,4%).
Por ordem decrescente de valor, segue-se a prorrogação das obrigações fiscais e contributivas, ou seja, impostos e pagamentos à Segurança Social. Esta medida absorveu 786 milhões de euros (39% do total para a economia), mas pode ainda ser uma dor de cabeça mais à frente (ver em baixo).
O apoio reservado às famílias, através do reforço do sistema de proteção social, foi de 230 milhões de euros, com a grande fatia a ir para o apoio excecional, para os pais com filhos até aos 12 anos e que ficaram impedidos de ir para a escola no período de confinamento total.
O chamado complemento de estabilização para os trabalhadores que estiveram em lay-off custou 48,3 milhões de euros e o isolamento profilático 31,8 milhões de euros, o mesmo valor da prorrogação do subsídio de desemprego.
A UTAO indica ainda que a despesa relacionada com as medidas destinadas a apoiar a saúde ascenderam a 338 milhões de euros, ou seja, 16,9% do total do impacto orçamental.
Nesta rubrica, inclui-se a compra de equipamentos de proteção individual (máscaras, fatos, viseiras) e medicamentos com um montante de 254,2 milhões de euros ou a aquisição de ventiladores com um custo de 52,9 milhões de euros até 21 de julho.
A contratação de pessoal e as horas extraordinárias tiveram um custo de 37,5 milhões de euros.
O défice orçamental das administrações públicas terá sido de 5,8% do produto interno bruto (PIB) no primeiro semestre do ano, mas ainda pode ser pior, avisa a Unidade Técnica.
"A UTAO estima que o saldo das administrações públicas no primeiro semestre de 2020, em contabilidade nacional, se tenha situado entre -6,3% e -5,3% do PIB. O valor central da estimativa aponta para que o saldo orçamental tenha ascendido a -5,8% do PIB", lê-se na apreciação sintética da evolução orçamental: janeiro a julho de 2020.
"Este resultado, a confirmar-se, terá ficado ligeiramente acima da meta de -6,3% do PIB definido para o conjunto do ano", no Orçamento Suplementar que entrou em vigor no final de julho.
A estimativa da UTAO pode ainda ser agravada devido à falta de dados, nomeadamente o impacto total da prorrogação dos impostos e contribuições para a Segurança Social.
Paulo Ribeiro Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo