1 Na nossa economia o financiamento assume uma importância crítica devido sobretudo à convergência de dois tipos de factores: dívida externa muito elevada e baixo nível de poupança interna. O primeiro mantém-nos numa situação de vulnerabilidade em relação às oscilações dos mercados financeiros. O segundo obriga-nos a procurar no exterior uma parte importante dos recursos necessários ao financiamento do investimento. Mas, para além disso, o mecanismo que na nossa economia assegura a intermediação financeira - o mercado bancário - atravessa um período de reorganização e de redimensionamento que tem vindo a reflectir-se negativamente no financiamento da actividade económica. Em particular no que se refere à generalidade das empresas - com excepção das que, pela sua dimensão, têm acesso directo a financiamento externo -, pode afirmar-se que têm vindo a operar num contexto de "repressão financeira" que constitui um travão ao crescimento. Na verdade, entre o início de 2012 e o final de 2016 - não considerando a evolução de 2011, ano em que foi lançado o programa da troika - o montante de crédito bancário a empresas não financeiras caiu cerca de 26%. No caso das indústrias transformadoras a queda foi menor, mas ainda assim significativa, cerca de 14%..Esta situação resulta da convergência de diferentes factores, que vão desde um movimento de recentragem do modelo de negócio dos bancos até à fragilidade da estrutura financeira de muitas empresas, passando pelo período de forte retracção por que passou a nossa economia. O impacto desta situação sobre o tecido produtivo tem vindo a ser muito complexo: para além de levar ao desaparecimento de empresas economicamente viáveis, tem contribuído para a travagem do investimento - FBCF (*) - necessário à modernização e ao aumento da capacidade produtiva de muitas empresas. O que, por sua vez, se está a reflectir nos seus níveis de produtividade e na sua capacidade competitiva. Mas, para além disso, deve ter-se presente que se, por um lado, o crédito "malparado" de empresas atingiu níveis históricos nos balanços dos bancos - cerca de 17% no final de 2016 -, por outro, o financiamento bancário tem contribuído para a reprodução de um tecido produtivo atomizado e pouco eficiente..2 É à luz deste quadro que a questão do financiamento da nossa economia assume uma importância crítica que deve ser avaliada ao longo de dois vectores de actuação: preservar o acesso aos mercados financeiros externos em condições de sustentabilidade; reorganizar o nosso sistema financeiro, de modo a reduzir a extrema dependência do mercado bancário e assegurar o financiamento. Deixando de lado o primeiro, considero que o segundo passa sobretudo por desenvolver de forma articulada o mercado interno da dívida pública e por diversificar fontes e instrumentos de financiamento das empresas. O que, por sua vez, depende da implantação de um adequado enquadramento institucional, regulamentar, operacional e fiscal. Permaneço mesmo convencido de que esta questão - financiamento das PME - é de uma importância central em qualquer programa que se proponha modernizar, fazer crescer e tornar mais competitivo o nosso tecido produtivo. Mais do que desenvolver um mercado de capitais, especializado na colocação e na negociação de acções deste tipo de empresas - questão de difícil execução no contexto actual devido a bloqueamentos conhecidos -, trata-se de colocar à disposição das empresas uma oferta de financiamento de médio e longo prazos, capaz de estabilizar e de fortalecer as suas estruturas financeiras. Uma parte deste financiamento permitiria - no caso de empresas economicamente viáveis - substituir dívida de curto prazo, hoje malparada no balanço dos bancos e deste modo evitar o seu colapso..O desenvolvimento de segmentos de mercado especializados na colocação deste tipo de dívida pressupõe, por outro lado, a utilização de técnicas de notação e de rating que permitam agrupar as empresas por "classes de risco", condição para a atracção de investidores. O que não deixaria de dar um impulso adicional à modernização e à procura de ganhos de dimensão por parte de muitas empresas. À Instituição Financeira - IFD (**) - criada há algum tempo, em articulação com o Grupo Financeiro Público e outras entidades públicas e privadas interessadas, deveria ser atribuído um papel central no desenho e no lançamento de um tal programa..(*) Formação bruta de capital fixo.(**) Instituição Financeira de Desenvolvimento