O Conselho de Ministros formalizou há 15 dias a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a única estrutura policial portuguesa com uma unidade dedicada ao tráfico de seres humanos. Muitos dos novos casos já vinham sendo atribuídos à Polícia Judiciária (PJ), só que não houve o consequente reforço de operacionais. E o SEF continua a fiscalizar e a investigar sem saber até quando, ao mesmo tempo que muitos inspetores estão a sair para a Frontex. Os técnicos que acompanham as vítimas estão preocupados com esta indefinição..O SEF e a PJ são as entidades com competência para investigar o crime de tráfico de seres humanos. Estão concentrados na Unidade Anti-Tráfico de Pessoas (UATP, SEF) e na Unidade Nacional de Contra o Terrorismo ( UNCT, PJ). Nenhuma das estruturas recebeu informação sobre como será feita a integração..Destaquedestaque128 Processos de inquérit em 2022, 78 arguidos e 40 detenções (SEF e PJ)..Após o Conselho de Ministros (CM) de 6 de abril, ficou a saber-se que os inspetores do SEF não serão apenas distribuídos pela PJ, GNR e PSP, mas também por outras estruturas de fiscalização, como a Autoridade Tributária e o Sistema de Segurança Interna. Alguns ficarão, até, na recém criada Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo. Vai "suceder ao SEF e ao Alto Comissariado para as Migrações em matéria de acolhimento e integração", refere o comunicado do CM, Decisões apresentadas quase um ano e meio depois da publicação da lei que procede à reestruturação dos serviços das migrações..Destaquedestaque20 Inquéritos da PJ remetidos com proposta de acusação por parte do Ministério Público (MP) em 2021 (11) e 2022 (9)..Na série de reportagens do DN sobre o tráfico de seres humanos em Portugal, muitos foram os peritos a manifestar preocupação sobre o combate a este crime, não só do ponto de vista operacional como na relação com as próprias vítimas. Preocupações que podem ser resumidas nas palavras de Ana Rita Brito, técnica do único centro de acolhimento para menores no país que é gerido pela Akto : "Tememos o que vai acontecer com a extinção do SEF, com quem trabalhamos há muitos anos e que conhecem bem a situação. Têm feito um trabalho extraordinário na identificação e sinalização de vítimas de tráfico de seres humanos, também no relacionamento, são os tios para as crianças. Estou muito preocupada com a reestruturação, tenho receio que se recuem anos. Retirar a investigação a pessoas com esta experiência é poder regredir anos e quem perde são as vítimas. As situações de tráfico não param"..O SEF tem um maior número de processos nesta área, sendo que o Ministério Público canalizou nos últimos meses muitos casos para a PJ. A falta de meios humanos para a investigação é um dos principais problemas no combate ao tráfico de seres humanos, defendem os responsáveis pela UNCT e UATP (ver entrevistas). Entre os sucessos operacionais das duas polícias, o DN destaca o caso "Nicolae", operação levada a cabo pelo SEF e que resultou em condenações, que foram sempre confirmadas, já que os arguidos recorreram até ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). E o caso "Bambaloi", processo que resultou em condenações por tráfico de seres humanos..O caso da máfia romena "Nicolae", envolveu dez arguidos, um dos quais foi depois julgado em separado dado estar envolvido em outra rede. Oito romenos, muitos membros da mesma família, e dois portugueses foram detidos numa megaoperação do SEF em finais de 2007 e condenados em 2009 pelo Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, por associação criminosa, tráfico de seres humanos e lenocínio..Destaquedestaque44 Inquéritos do SEF com proposta de acusação para o MP (31 em 2021 e 13 em 2022)..Motivou recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa e STJ, pedindo a nulidade do processo. Entre as alegações, contestavam no recurso as declarações para memória futura das mulheres que traficaram para a prostituição. O STJ confirmou as penas (2010), apenas reduzindo um ano de prisão a três dos arguidos..Bebi, o cabecilha da organização, foi condenado a 14 anos de prisão efetiva, Teodora, Nina, Maria, 12 anos; Marius, Mitica Motoreta, Mítica Franz, a 11. As penas de Nina, Marius e Mítica Motoreta foram reduzidas em um ano. Os portugueses, Manuel e Marco, tiveram três anos de prisão suspensa e não recorreram..Os romenos recrutavam mulheres para trabalhar em Portugal pelos menos desde 2003, segundo o tribunal. Estas tinham problemas económicos, provinham de famílias fragilizadas, algumas já se dedicavam à prostituição na Roménia. Em tribunal, ouviu-se o testemunho de 15 dessas mulheres..Destaquedestaque874 Vitimas de exploração laboral sinalizadas em 16 países europeus, numa ação coordenada pela Europol e Autoridade Europeia do Trabalho contra o tráfico de seres humanos, que contou com a colaboração das polícias e Autoridade para as Condições do Trabalho, entre os dias 14 e 21 de setembro de 2022..Viajavam de autocarro para Portugal, aqui chegadas eram-lhes retirados os documentos e ficavam alojadas em quartos "exíguos e sem condições". Depois eram colocadas na rua para se prostituírem: Poço Poço do Borratém, Instituto Superior Técnico, Rua da Artilharia 1 e Parque Eduardo VII..O acordado ao início era entregarem 50% do que recebiam dos clientes ficando com o restante. Acontece que a organização as obrigava a entregar todo o dinheiro, entre 200 e 250 euros por noite em média. Trabalhavam das 12:00 às 24:00, recebendo entre seis e 12 clientes por dia, a quem cobravam 25 euros pelo serviço..Uma rede criminosa envolvendo romenos e búlgaros, com o apoio de quatro portugueses traficou nacionais dos seus países para trabalharem em explorações agrícolas em Portugal. Foi desmantelada em 2015 pela PJ e terão funcionado pelo menos entre 2011 e 2015. Prometiam trabalho bem pago, alojamento digno, além de boas condições de vida, o que não tinha nada a ver com a realidade encontrada em Portugal, confirmou o tribunal..O processo envolveu 24 arguidos, maioritariamente naturais da Roménia - muitos da mesma família, também da Bulgária. Lesaram dezenas de imigrantes. Obteve-se prova testemunhal de 31. A rede controlava desde a zona Oeste até ao Alentejo: Peniche, Torres Vedras, Bombarral, Beja, Serpa, Cabeça Gorda, Vila Nova de Milfontes e São Teotónio..Destaquedestaque1584 Vítimas de tráfico sinalizadas nos últimos seis anos em Portugal.Prometeram a estes imigrantes 500 euros mensais, a que retiravam um euro por dia para a gasolina nas deslocadas do alojamento para o trabalho e vice-versa. Na realidade o alojamento não tinha condições, a alimentação era insuficiente, havia excesso de carga horário e retenção de maior parte do dinheiro prometido..Descontavam-lhes o alojamento, comida, deslocações e ainda exigiam uma taxa, alegadamente para serem autorizados a trabalhar nas explorações agrícolas..O tribunal condenou 17 dos 24 arguidos em 2010, 15 foram-no pelos crimes de associação criminosa e tráfico de seres humanos. As penas de prisão variaram entre 16 anos (para o líder) e cinco anos. Dois foram condenados a penas mais leves por posse de arma proibida. Os três portugueses, bem como outros quatro réus, foram absolvidos..ceuneves@dn.pt