Era António de Spínola, general, Presidente da República; Vasco Gonçalves, também general, primeiro-ministro de um governo provisório; havia uma Junta de Salvação Nacional, composta por militares também, e um Conselho de Estado. O golpe de Estado que derrubara o governo de Marcelo Caetano ocorrera há escassos quatro meses e as primeiras eleições só teriam lugar no ano seguinte. A principal prioridade era resolver o problema da guerra em África, e a primeira página do DN ilustra-a bem, com três títulos relacionados com os territórios antes denominados de "ultramarinos"..Em cima, à direita, asseverava-se em letras gordas que as conversações com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), com vista à declaração de um cessar-fogo, iriam recomeçar ou teriam já recomeçado - a notícia vinha, curiosamente, da agência francesa France Presse, a partir de declarações de um governante português, Parcídio Costa, na então Lourenço Marques (hoje Maputo)..Abaixo dessa notícia, o jornalista Carlos Pinto Coelho, que mais tarde ficaria conhecido como o apresentador do programa Acontece, na RTP, assinava uma coluna como enviado especial em Argel - a Argel capital da Argélia onde fora assinado, quatro dias antes, o protocolo ou acordo do mesmo nome que celebrava o fim da guerra na "Guiné Portuguesa". Titulava: "Primeiro passo da África lusófona", e começava o texto à repórter, com uma conversa com um argelino que arregalava os olhos perante a sua nacionalidade: "Português de Portugal?".O mesmo protocolo ocupava, também ele em letra de manchete, o centro da página, que assinalava o comunicado de Spínola que, vindo de helicóptero das férias no Buçaco, aprovara o acordo e se congratulava com o cessar-fogo e "As perspetivas de paz e solidariedade entre Portugal e os povos africanos". O comunicado anunciava também que a 10 de setembro teria lugar o reconhecimento da República da Guiné-Bissau como Estado soberano..Do lado esquerdo desta notícia, uma fotografia de um José Cardoso Pires muito jovem anunciava que na edição do dia seguinte este escrevia sobre "o motim dos pides" e seria publicado um desenho de João Abel Manta "sobre a reação" - ficando a esta distância sem se saber se a reação aqui diz respeito à "Reação", ou seja aos chamados "reacionários", considerados os "inimigos da revolução", ou a alguma reação específica ao dito motim..Uma greve "contra a democracia".Mas é no título do canto inferior direito da primeira que as letras são mais carregadas: "Normalizada a situação na TAP" e, por baixo desta frase, uma citação do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves: "Foi uma greve injusta que prejudicou os interesses do país e a defesa da democracia." O texto assume sem pejos que o primeiro-ministro andou bem em "militarizar" os grevistas - ou seja, em proceder à sua conscrição, obrigando-os a trabalhar sob pena de crime de deserção, algo que irá tomar forma de lei meses depois, em novembro, com a lei da requisição civil que ainda hoje está em vigor..Indignado, o jornal refere que a greve era "apenas de um setor restrito, o da manutenção e engenharia, e alguns elementos do pessoal administrativo, tendo contra si a maioria dos trabalhadores e a comissão sindical, afetou toda a companhia, causando nomeadamente ao país um prejuízo calculado em mil contos por hora - o que é tanto mais grave quanto [sic] se sabe o esforço que está a ser feito para melhorar as condições de vida do povo português e o modo como a reação pretende que haja, como sua principal arma, uma eventual crise económica"..Menciona de seguida "os salários médios do setor", presume-se que para demonstrar que quem protesta não tem motivos para tal, e conclui: "Bem se compreende que ouvido pelo nosso jornal o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, com alta autoridade cívica e moral que todos têm de lhe reconhecer, haja declarado tratar-se de uma greve injusta."