Filme inédito com Catarina Wallenstein para ver grátis
Tinha estreado o ano passado no Festival de Roterdão e depois iniciado um périplo forte por outros festivais de cinema internacionais, desembocando no IndieLisboa. Tragam-me a Cabeça de Carmen M. , de Catarina Wallenstein e do cineasta brasileiro Felipe Bragança, é um objeto que nos faz refletir sobre o pesadelo da mudança do Brasil para o regime de Bolsonaro. Foi feito num impulso, sem meios, sobretudo para acompanhar a urgência dos acontecimentos.
O filme ainda não teve estreia comercial mas a atriz, agora também realizadora, explica a razão pela qual foi agora disponibilizado de forma gratuita no vimeo ( https://vimeo.com/312301122 ): "Nem pensámos muito. Foi uma reação a tudo isto! Este filme foi feito sobretudo como gesto para promover encontros, conversas e juntar pessoas. Decidimos abrir o filme na internet, pois percebemos que muita gente não tinha conseguido ver e é preciso conteúdo para as pessoas que estão em casa - nesta coisa das plataformas digitais sinto que estamos todos a ver o mesmo. O filme ficará disponível apenas mais uns dias. Tínhamos de fazer isso nesta altura, especialmente porque fizemos esta obra como necessidade urgente de responder àquilo que estava a acontecer no ano da eleição de Bolsonaro. Enfim, um filme a reagir ao presente!"
E o filme narra a feitura de um filme onde uma atriz portuguesa (Catarina Wallenstein) chega ao Rio em pleno turbilhão político para encarnar a lendária atriz e cantora Carmen Miranda. Todo um imaginário de festa da embaixatriz do samba em confronto com novos dias cinzentos. Tragam-me a Cabeça de Carmen M. assume-se como um ato de resistência, entre sons, música e o poder da arte cinematográfica. Filme de imagens livres sem condicionamentos narrativos. Cinema dentro do cinema com memória, onde pontifica
ainda a presença de Helena Ignez, diva de um cinema brasileiro mítico.
Nas notas de intenções, Catarina e Felipe chamaram ao seu "bebé" de utopia pan-tropical e futurista. "Isso tem a ver com o que se está a passar nos países tropicais e toda uma relação numa analogia com os anos 20 e a subida de todos os fascismos. Tudo isso acaba por se referir a este momento", salienta a atriz conhecida de filmes como Singularidades de uma Rapariga Loura, de Manoel de Oliveira e Um Amor de Perdição, de Mário Barroso.
Tal como Carmen Miranda, Catarina Wallenstein era em 2018 e 2019 uma atriz portuguesa a trabalhar e a fazer arte no Brasil. Os paralelismos com Carmen atestam uma possibilidade para repensarmos os caminhos de uma contaminação luso-brasileira: "o dispositivo do filme foi precisamente construído nessa matrioska, ou seja, uma portuguesa a olhar para uma cultura que não lhe pertence. A Carmen Miranda fez uma colheita de culturas que não lhe pertenciam, das baianas, ao candomblé até às heranças indígenas, enquanto que eu, também portuguesa, acabo por colher muito da cultura brasileira. A necessidade de realizar era algo que vinha com o tempo. Não foi um capricho caído do céu, garante a atriz: "deve-se também ao facto de ter encontrado com o Felipe Bragança uma parceria criativa tão ágil e prática. Com o Felipe encontrei a pessoa certa para pensar e concretizar ideias...Mas este primeiro filme foi mesmo um impulso. Posso dizer que trabalhámos muito bem juntos".
E com Felipe Bragança, a Catarina Wallenstein cineasta não vai parar. Ambos querem fazer deste projeto parte de uma trilogia. O próximo filme ainda será no Brasil, mas o terceiro está previsto ser em Portugal. Pelo meio, já este ano no Festival de Roterdão, Catarina foi uma das estrelas de Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança, obra que expõe os limites da herança civilizacional do brasileiro, acompanhando um cineasta entre o Brasil, Moçambique e Portugal. Foi possivelmente dos objetos mais oportunos vistos nesse festival e, esse sim, com estreia confirmada por cá.
Catarina e Felipe estão no cinema juntos com uma bicada ativista. Mas sobre esta tragédia da pandemia global, Catarina diz que não consegue ainda perceber as consequências desta paragem: "Todo este ano não vai ser nada daquilo que planeámos ou desejámos, mas vamo-nos organizar. O Estado está a responder para minimizar esta queda, mas vamos todos cair. Vamos ver como o ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) vai reagir e quais as medidas para o setor cultural. Sei que é impossível sairmos ilesos, mas sei também que os criadores vão continuar a pensar. São estes os momentos em que temos vontade de falar e partilhar pontos de vista. Isso enriquece-nos, mas vai ser duro...".